7/5/2015, Editora Plon; Paris
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Comentários
sobre o livro O Arenque de Bismark (O veneno alemão)
Primeiro, sobre o tal “Arenque de Bismarck”:
Arenque de Bismarck para François Hollande
17/4/2014, Brice Gruet, Géographies
imaginaires/ Insolite (Comentário)
Na foto acima, François Hollande exibe
sua barriquinha de arenques, visivelmente felicíssimo, ao lado de Angela Merkel
(Foto Bundesregierung/ Bergmann).
Le Canard enchaîné dessa
semana chamou atenção para uma incongruência cultural, em relação à qual se
pode perguntar até que ponto foi desejada ou não... Conjecturas, essas, podem
ir bem longe.
O que se sabe com certeza é que Angela
Merkel recebeu em suas propriedades do Báltico, para uma visita “privada”, o
presidente François Hollande. E a chanceler ofereceu uma barriquinha de
arenques à Bismarck ao presidente da França. Hollande achou “maravilhoso” o
presente.
Sem dúvida, o arenque bem preparado é
ótimo, e o Báltico é farto desses peixes que são, em seguida, marinados em
salmoura. O arenque foi produto importante durante todo o período medieval,
notadamente nas Repúblicas Hanseáticas do norte da Europa. Durante a quaresma,
e nos dias de jejum da cristandade, o consumo de arenque sempre foi
considerável. Como o bacalhau nos países mais ao sul. Como se aprende de La Voix
de la Russie, “a preparação
tradicional alemã ‘arenques à Bismarck’ (em alemão Bismarckhering)
parece ser a mais conhecida. O peixe é preparado em pequenos pedaços e marinado
em sal, vinagre, cebola, grãos de mostarda e louro. Às vezes acrescenta-se
cenoura cortada em cubinhos bem pequenos.
“Se o arenque fosse caro como caviar, o
mundo inteiro preferiria o arenque” – dizia Bismarck, louco por arenque. Uma
das versões reza que um vendedor de peixes de Stralsund, Johann Wihman, enviou
em 1871 a
Bismarck uma barriquinha de arenque especialmente preparado, e que o chanceler
tanto apreciou, que autorizou que a preparação levasse seu nome, “arenque à
Bismarck”. Segundo outras versões, um proprietário de restaurante de Flensburg
foi quem enviou os arenques a Bismarck. Seja que tenha sido, a glória do
arenque atravessou fronteiras nacionais. O autor de um livro de gastronomia
publicado pela primeira vez em New York em 1913 escreveu: “provavelmente a
glória de Bismarck estará já esquecida há mil anos, mas o arenque à Bismarck
será servido até que esse peixe desapareça dos mares”.
Agora, em 2014, a Merkel oferece uma
barriquinha de arenques à Bismarck a Hollande... Que sentido terá esse gesto
que remete a episódios tão sombrios da história da França? Bismarck para os
franceses está mais associado ao imperialismo e ao pangermanismo alemão, aos
quais a Alsace Lorraine pagou alto preço. Ao mesmo tempo, todos os homens
importantes (Bismarck é um desses) deixaram marcas na gastronomia de seu tempo.
Se Hollande aceitou o presente foi, talvez, porque aquela época de guerras está
suficientemente distante para que a carga negativa do personagem já esteja
atenuada. Sobre a França, os alemães dizem Glücklich wie Gott im Frankreich, “Feliz como Deus na França”. Existe uma geopolítica
culinária” (Geographica). (Da qual o sorrisinho zombeteiro
da chanceler alemã naquela foto,
parece fazer prova [NTs]).
Ontem,
5ª-feira, 7 de maio de 2015,
a editora Plon lançou o novo livro de Jean-Luc
Mélenchon, intitulado Le Hareng de Bismarck (Le Poison allemand) [O
arenque de Bismarck (O veneno alemão)]. Eis o que o autor escreveu na
quarta-da-capa:
Esse livro é um panfleto.
Assumo para mim o direito de criticar a Alemanha. Por que não? Não viram como a
Alemanha tratou a Grécia? Aperitivo para o que fará com a França? Nesse livro
denuncio o grave perigo em que a Alemanha converteu-se para seus vizinhos e
parceiros. Denuncio a arrogância dos banqueiros alemães e o dito “modelo” que a
Alemanha quer impor à Europa para vantagem exclusiva da própria Alemanha.
Mostro o quanto de atraso para nossa civilização implicará nos rendermos ao “modelo”
alemão. É um alerta. Além-Reno nasceu um monstro: filho da finança
completamente desregulada e de um país dedicado integralmente à finança,
necrosado pelo envelhecimento acelerado da população. Essa aliança macabra está
em campo, para remodelar a Europa à feição dela.
É fato que
a Europa vai mal. O veneno alemão é o ópio dos ricos. Mudar nossa vida e fazer
a Alemanha mudar é uma e a mesma coisa. Para Jean-Luc Mélanchon, da Frente de
Esquerda (Front
de Gauche), “É preciso fazê-lo, antes que seja
tarde demais”.
Atualização: Entrevista Jean Luc Mélenchon a Emmanuel Berretta do Le Point
Atualização: Entrevista Jean Luc Mélenchon a Emmanuel Berretta do Le Point
Jean-Luc Mélenchon |
Para a revista Le Point, o livro é
mesmo um panfleto: “O líder da Frente de Esquerda ataca o modelo alemão, em
livro que, simbolicamente, será lançado dia 7 de maio”. [1] Aqui, Mélenchon
responde perguntas da revista Le
Point, sobre seu livro.
Le Point: Em política é preciso ter sempre um inimigo.
Nesse panfleto “O arenque de Bismark”, o senhor designa o seu novo inimigo: os
alemães. Por que a mudança? Por que os alemães, não mais os EUA?
Jean-Luc Mélenchon: Calma lá!
Devagar com o andor... Nada disso. Meu estado de espírito não é esse. Não me
oponho a algum ‘genoma’ alemão que os empurraria a sempre querer dominar.
Quanto a inimigos, tenho inúmeros! O que não me falta é inimigo. Meus inimigos
são os mesmos de antes: a finança e o produtivismo. A questão é que a Alemanha
tornou-se a ‘vanguarda’ da finança e do produtivismo! Para começar, não apenas
a Europa não é mais o grande projeto social com o qual sonhávamos: a Europa já
não é sequer garantia de paz.
Isso, porque, no concerto das nações, uma delas, a Alemanha,
toma a frente dos demais e impõe um modelo econômico, o ordoliberalismo.
O ordoliberalismo serve aos interesses da Alemanha, mas
conduz inelutavelmente à catástrofe. Meu livro é um grito de alerta. A Europa
vai afogar-se na violência dentro de cada país e também entre os países. O
suplício da Grécia está aí, como prova.
Le Point: E o que é o ordoliberalismo?
Jean-Luc Mélenchon: Os alemães
inventaram essa velha teoria. Segundo ela, a política é frivolidade, e a
economia é sagrada. São consagradas portanto, como intocáveis, as regras
econômicas; são consideradas como leis da natureza. Assim sendo, as leis econômicas
são postas fora do alcance das decisões políticas. Na realidade, é uma espécie
de embalagem para um egoísmo bem preciso de classe média. Mme Merkel governa um país que está em pane
demográfica. A maioria dos eleitores dela são aposentados! A aposentadoria por
capitalização, dos idosos alemães, exige a cada dia mais dividendos. Quer
dizer: menos salários e menos investimentos. Reina a finança! A finança domina
o capitalismo alemão, graças à desregulação total organizada pelo Partido
Socialista alemão: é desregulação plena, total, o cúmulo.
Le Point: Daí a regra de ouro dos déficits?
Jean-Luc Mélenchon: De manter os
níveis determinados para os déficits, sim, é isso. Mas além disso, o dinheiro é
fetichizado, a inflação e a dívida são demonizadas. É uma visão dogmática muito
enviesada. Os líderes alemães a assumem sem se darem conta do que estão
fazendo. Por isso aquele odioso ministro alemão da Economia, M. Schäuble,
declara que “a França gostaria muito de que alguém mandasse no Parlamento...”
e, na sequência, lastima: “mas não será possível. É a democracia”.
Essa frase é como um manifesto do ordoliberalismo: a
democracia é um problema para eles, porque a democracia permite que o político
desminta e renegue o dogma econômico. A França, sua história, a cultura
francesa são o contrário do ordoliberalismo: todas as nossas constituições
republicanas “intrometem-se” na economia. Por que a França deveria renunciar ao
nosso modelo?
Aos meus olhos, o modelo francês é superior ao modelo alemão,
no que tenha a ver com organizar a vida humana em sociedade. O ordoliberalismo
é antirrepublicano. Ele destrói os laços sociais e a vida cívica.
Le Point: Pierre Moscovici diz que o senhor comete um
contrassenso. Para ele, Schäuble não falava a sério, era brincadeira...
Jean-Luc Mélenchon: O servilismo
de Pierre Moscovici dá vergonha.
Le Point:
Desculpe, mas os alemães não nos impõem coisa nenhuma. Já há nove anos nós
respeitamos a regra dos 3% de déficit. Quer dizer: os franceses damos
alegremente as costas ao ordoliberalismo.
Jean-Luc Mélenchon: É incrível
isso que você está dizendo. Quer dizer que tratados inaplicáveis deveriam ser
considerados santificados? Tratados são assuntos humanos. É preciso discutir o
conteúdo dos tratados em relação aos resultados deles. A Europa estamos nadando
em felicidade? Não, não estamos. O desemprego e a miséria martirizam massas
humanas consideráveis. Por todos os lados a extrema direita está em ascensão. E
a Alemanha acumula os excedentes comerciais. E o que faz com eles? Ela põe os
excedentes nos mercados financeiros, porque a Alemanha sufocou, em toda a
Europa, a atividade econômica. Ao fazê-lo, a Alemanha alimenta ela mesma a
bolha financeira que logo, logo, explodirá. Aí está: bom-dia, modelão.
Le Point: Passa pela sua cabeça realmente que François
Hollande possa vender aos alemães o modelo francês?
Jean-Luc Mélenchon: Não. François
Hollande mudou de lado. Ele governa para o ordoliberalismo. Os franceses não
sabiam que, votando em Hollande estavam elegendo Merkel. Ele até já confessou:
“A França quer ser o melhor aluno na sala de aula europeia”. Para mim, a França
não é aluna de ninguém e muito pode ensinar a outros. E, em vários assuntos,
melhor que seja a mestra.
Le Point: Quem lê o que o senhor escreveu, deduz que os
alemães reivindicam uma reputação de seriedade a que não fazem jus.
Jean-Luc Mélenchon: Os franceses adoram modas, ondas sucessivas de
“modelos”. Já tivemos a moda dos “dragões asiáticos”, depois dos “tigres
europeus”, como Irlanda ou Espanha. Todos tigres de papel, isso sim, que
naufragaram na explosão da bolha financeira em 2008. E agora aí está o “modelo
alemão”, eficaz, disciplinado. Que ilusão!
A economia alemã está dilapidada. Infraestrutura e
equipamentos públicos em ruínas, 12 milhões de pobres, cada vez menos crianças,
jovens que se mudam do país, velhos que ficam para trás e expectativa de vida
cada dia menor, quem quer ser alemão? Meu livro retoma o debate europeu.
O que se anunciava é que faríamos a Europa, sem desfazer a
França. O que se vê hoje é que se desfaz a França, sem fazer a Europa dos seres
humanos. A Alemanha nos domina, nos corrige, nos separa de nossas bases
mediterrâneas. O que resta? Só um grande mercado que nega nosso modelo
colbertista, que é nosso patrimônio. Na França, o empresário vive à frente do
pelotão posto ali pelo Estado. Quando se tentam as fusões, é o estado que toma
as rédeas do processo. E hoje temos 50% do mercado mundial. Não há uma única
medida europeia bem sucedida que, na origem, não seja francesa. Nenhuma. A
Alemanha nos faz afundar.
Le Point: O senhor dá a impressão que a França nada mais
tem a fazer com a Alemanha...
Jean-Luc Mélenchon: Não, não digo
isso, nem nesses termos. Seja como for, a Alemanha está aí. Mas não podemos
aceitar que nos domine. Meu livro mostra os abusos de poder. E a mania de impor
aos demais o que a Alemanha ache bom para ela. A saída razoável não é entrar em
luta, mas pôr a Alemanha no lugar dela. E fazer ouvir, sem complexos, nossa
mensagem francesa universalista.
O aposentado alemão não é o único do mundo; e é preciso levar
em conta a sorte dos jovens franceses, dos jovens de todo o planeta. A Europa é
a primeira potência econômica do mundo. Isso nos impõe responsabilidades. O
ordoliberalismo alemão não permite que assumamos as nossas responsabilidades.
Nenhuma delas.
___________________________________________________
Nota dos tradutores
[1] Dia 7 de maio de 1945 o exército alemão assinou a rendição militar. Dia
seguinte, na noite de 8 para 9 de maio de 1945,
à 0h16 na Rússia (23h16 no ocidente), na vila de Karlshorst,
quartel-general do marechal Georgi Joukov, nos arredores de Berlim, onde é hoje
o museu germano-russo Berlin-Karlshorst, foi assinada a rendição incondicional
do 3º Reich às forças aliadas). O ato de capitulação
entrou em vigor às 23h1, hora local (na Europa Central), dia 9 de maio, 1h1,
hora de Moscou. Por essa razão, toda a Europa Oriental comemora o fim da guerra
no dia 9/5
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