sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A CIA e os “drones”: para resolver problemas internos

5/9/2011, Gareth Porter, OpEdNews 
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Quando David Petraeus chegar à CIA na 3ª-feira, estará assumindo a presidência de uma organização cuja missão mudou nos anos recentes. A CIA já não é encarregada de reunir e analisar dados de inteligência. Hoje, tem participação direta em campanhas militares, comandando os aviões-robôs tripulados à distância, os drones, no Paquistão, no Iêmen e na Somália.

Mas a transformação da CIA não acompanhou, apenas, a expansão da guerra dos drones no Paquistão, até chegar ao ponto em está hoje. O diretor Michael Hayden, da CIA, trabalhou ativamente a favor dessa expansão, num momento em que os ataques com drones pareciam ser experimento fracassado.

Uma das razões pelas quais Hayden tanto operou para conseguir ampliar muito a guerra dos drones, como se pode ver agora, é que já se havia criado toda uma burocracia para aquela guerra, antes da guerra e antecipando a guerra.

Durante 2010, a “guerra dos drones” da CIA no Paquistão matou mais de 1.000 pessoas, menos do que os cerca de 2.000 mortos pelos “raids noturnos” das forças especiais no Afeganistão, segundo matéria do Washington Post, dia 1º de setembro.

Um funcionário da CIA citado pelo Post começou dizendo que a CIA tornou-se “uma tremenda máquina de matar”, para, em seguida, corrigir-se: “tornou-se uma tremenda ferramenta operacional.”

A mudança na missão da CIA refletiu-se no crescimento espetacular de seu Centro de Contraterrorismo [ing. Counter-terrorism Center (CTC)], de 300 funcionários em setembro de 2001, para os atuais cerca de 2.000 funcionários – 10% de toda a força de trabalho da agência, segundo a matéria do Post.

O braço analítico da agência, que antes se devotava inteiramente a avaliações e pareceres de inteligência para políticos, foi profundamente afetado.

Mais de 1/3 do pessoal do braço analítico trabalha hoje completa ou prioritariamente em funções de apoio às operações da CIA, segundo altos funcionários citados no Post. E quase 2/3 deles analisam dados usados pelo CTC na guerra dos drones, selecionando e definindo alvos a serem atacados.

Parte dessa mudança no trabalho interno, para apoiar a guerra dos drones aconteceu depois que aumentou o número de ataques de drones no Paquistão desde meados de 2008, mas bem antes disso a CIA já começara a construir as bases institucionais para ampliar a guerra dos drones.

Crucial para que se entenda o papel da dinâmica interna nas decisões da CIA é o fato de que a campanha dos drones no Paquistão começou muito mal. Nos quatro anos, de 2004 até 2007, a CIA só fez 12 ataques aéreos com drones no Paquistão, todos contra alvos ‘de alto valor’, da Al-Qaeda e grupos ligados a ela.

A política de George W. Bush para os drones foi cautelosa, em grande parte porque o presidente do Paquistão, general Pervez Musharraf, era visto como tão confiável que o governo não quis correr qualquer risco de desestabilizar seu governo.

Essas limitações foram impostas à CIA, na tarefa de definir alvos para os ataques com drones. O drones só poderiam ser usados contra elementos definidos como de alto valor, da Al-Qaeda e afiliados no Paquistão; e a CIA sempre teria de poder provar que o ataque não provocara mortes de civis.

Aqueles primeiros 12 ataques com drones mataram apenas três figuras identificadas como da Al-Qaeda ou do Talibã no Paquistão. Mas, apesar de os “danos colaterais” estarem proibidos... morreram naqueles 12 primeiros ataques nada menos que 121 civis – consideradas só as notícias de jornal daquele ano.

Um único ataque dos drones contra uma madrassa (escola religiosa) dia 26/10/2006, que matou 80 estudantes locais, já dá conta de 2/3 das mortes de civis no período.

A matéria do Post revela que, apesar do começo desastroso, a CIA rapidamente envolveu-se no esforço para construir um grande programa especial para a guerra dos aviões-robôs: em 2005, a agência criou um projeto de carreira para analistas de inteligência para aquele específico programa.

Por aquela decisão administrativa, analistas que escolhessem especializar-se em definir alvos para os drones comandados à distância pela CIA recebiam a promessa de que o programa teria longa duração, que haveria trabalho garantido e promoções de carreira. A CIA assumiu compromissos de longo prazo com seu próprio corpo de funcionários, apostando que a guerra dos drones iria bem além dos três raids por ano e que, muito provavelmente, continuaria por longo tempo.

Em 2007, a agência deu-se conta de que, se queria manter aqueles compromissos, teria de conseguir que a Casa Branca mudasse as regras ‘políticas’ e relaxasse as restrições que ainda pesavam sobre o uso dos drones.

Foi quando Hayden abraçou o lobby pró-drones e passou a insistir com o presidente George W. Bush para que levantasse as limitações e impedimentos para novos e mais numerosos ataques dos drones – como se lê em The Inheritance, de David Sanger, repórter do New York Times. Hayden pediu autorização para usar os drones contra casas e veículos, selecionados como alvos a partir de qualquer atitude ou movimentação suspeita, avaliados segundo um “padrão de vida” definido para a Al-Qaeda ou outros grupos.

Em janeiro de 2008, Bush deu um primeiro passo não divulgado na direção de afrouxar as limitações ao uso de drones, como Hayden desejava, mas a maior parte dos impedimentos a ataques com drones foram mantidos. Nos primeiros seis meses de 2008, houve quatro ataques pelos aviões-robôs comandados à distância.

Mas em meados de 2008, o diretor da Inteligência Nacional, Mike McConnell, retornou de uma viagem que fizera em maio ao Paquistão decidido a provar que os militares paquistaneses, em segredo, estavam apoiando os guerrilheiros Talibã – especialmente da rede Haqqani –, que estava ganhando fôlego no Afeganistão.

Segundo Sanger, a equipe de McConnell produziu avaliação formal, que reforçava a necessidade de ‘mais drones’, enviada em junho à Casa Branca e a outros altos funcionários. Com isso, Bush, que andava elogiando Musharraf como aliado contra os Talibã, viu-se obrigado a fazer alguma coisa para mostrar firmeza ante os militares paquistaneses e, também, ante os guerrilheiros afegãos que viviam em paraísos seguros no noroeste do Paquistão.

Bush queria que os aviões-robôs tripulados à distância fossem usados exclusivamente em ataques contra alvos dos Talibã afegãos, não contra a Al-Qaeda e seus aliados Talibãs paquistaneses. Mas, naquele momento, segundo Sanger, Bush rapidamente suspendeu todas as limitações que ainda havia (exigência de que houvesse informação de inteligência sobre determinados alvos ‘de alto valor’ e garantia de que não houvesse civis mortos).

Livre das limitações e impedimentos que pesavam sobre o programa dos aviões-robôs, no segundo semestre de 2008 a CIA aumentou o número de ataques com drones, para entre quatro e cinco por mês, em média.

Segundo os relatos de discussões internas nas primeiras semanas do governo de Barack Obama, que se leem em Obama’s Wars [as guerras de Obama], de Bob Woodward, havia sérias dúvidas, desde o início, sobre se os drones poderiam, de fato, derrotar a Al- Qaeda.

Mas Leon Panetta, recentemente nomeado por Obama para dirigir a CIA, sempre foi empenhado defensor da guerra dos drones. Nunca parou de falar dos drones, apresentando-os à opinião pública como estratégia para destruir a Al-Qaeda – embora soubesse que a CIA, naquele momento, estivesse atacando principalmente os Talibã afegãos e seus aliados, não a Al-Qaeda.

Na primeira conferência de imprensa, dia 25/2/2009, Panetta, em referência indireta, mas óbvia, aos ataques com aviões-robôs, disse que o esforço para desestabilizar a Al-Qaeda e destruir sua liderança estaria sendo “bem-sucedido”.

Sob comando de Panetta, o número de ataques por aviões-robôs continuou, ao longo de 2009, no mesmo ritmo de crescimento acelerado da segunda metade de 2008. E em 2010, aquele número mais que dobrou: de 53 em 2009, para 118.

A CIA, afinal, conseguiu chegar à grande guerra de aviões-robôs, os drones, para a qual já se organizara antecipadamente.

Há dois anos, Petraeus dava sinais de não depositar muita confiança em ataques com aviões-robôs no Paquistão. Em documento secreto que redigiu como comandante do CENTCOM, dia 27/5/2011, que vazou e foi publicado pelo Washington Post, Petraeus advertiu que os ataques por aviões-robôs tripulados à distância estavam fazendo aumentar os sentimentos de antiamericanismo no Paquistão. Hoje, o que Petraeus pense ou deixe de pensar, pessoalmente, sobre os drones já não tem qualquer importância.

Os interesses institucionais da CIA, que mandam manter e ampliar o uso de aviões-robôs tripulados à distância – a guerra de drones – parecem ter-se imposto de tal forma, que nenhum diretor conseguirá opor-se àqueles interesses, baseado em sua pessoal opinião sobre como ou o quanto os ataques dos aviões robôs possam ser contraproducentes, se se consideram os interesses dos EUA.

Um comentário:

  1. Castor

    Veja a que ponto chegamos. A Folha defendendo abertamente o uso dos aviões drones nas guerras criminosas dos E.U.A e justificando com argumentos capciosos a mortes de civis inocentes pelo uso dessa tecnologia militar exatamente no momento em que a utilização desses aviões robôs, como arma de guerra, está sendo severamente questionada pelos efeitos colaterais que causa.



    Aviões-robô têm papel central na guerra contra terrorismo

    IGOR GIELOW
    ENVIADO ESPECIAL AO PAQUISTÃO

    A guerra de dez anos travada pelos EUA e seus aliados no Sul da Ásia aperfeiçoou os manuais de contraterrorismo e contrainsurgência, mas provavelmente entrará para a história como o primeiro conflito em que robôs tiveram um papel central.

    Trata-se, claro, dos famosos "drones" --palavra inglesa que designa uma família de aviões-robô controlados a milhares de quilômetros de distância, em bases nos EUA.

    As Forças Armadas americanas os usam em funções de vigilância no Afeganistão, mas são os modelos operados pela CIA no Paquistão que causam o verdadeiro impacto e polêmica na guerra.

    Utilizando mísseis Hellfire, que são capazes de vaporizar seus alvos, Predators e Reapers são hostilizados como verdadeiros vilões. "Nós não dormíamos à noite, ouvindo aquele zunido. Até que um dia acertaram um de nossos vizinhos. Umas 30 pessoas morreram, inclusive um primo meu que de taleban não tinha nada. Eu perdi meu carro e duas vacas", diz Sahr Zamin, 48.

    Ele morava com sua família na vila de Ghar Shanozi, perto de Damadola, na agência tribal de Bajaur. O ataque ocorreu em outubro de 2009, e depois disso todos se mudaram para Mansehra, uma área tribal mais calma perto da capital, Islamabad.

    O ataque provavelmente está sob a entrada 44/2009 do maior levantamento já feito sobre o tema, pela ONG New America Foundation. Lá, o suposto alvo do "drone" era um comandante taleban chamado Faqir Muhammad, que não morreu no ataque. A ONG, baseada em noticiário, diz que morreram 25 pessoas, e que a maioria era composta de militantes.

    Zamin conta uma história diferente, afirmando que quase todos os mortos eram moradores da vila. Soldados paquistaneses sempre se queixam da dificuldade de discernir entre militantes e moradores. É de se imaginar a imprecisão então de analistas da CIA em seus escritórios com ar-condicionado em Langley, Virgínia, que usam vocabulário de vídeo-game ("splash" é quando aviões captam a morte de um alvo).

    O levantamento da New America registra 267 ataques entre 2004 e agosto de 2011, ano que, sozinho, teve 54 incursões. Ele afirma que 20% dos até 2.588 mortos registrados eram inocentes.

    "Claramente isso é uma visão errada. Civis são a maioria entre as vítimas", diz o ex-chefe do serviço secreto paquistanês Hamid Gul, um dos "pais" do Taleban afegão.

    Sua opinião é refletida na mídia e na elite paquistanesas. Mas a posição oficial do Exército é ambígua: enquanto seu comandante pede que a tecnologia dos robôs seja compartilhada, é sabido que pelo menos até o começo deste ano o Paquistão ajudava a identificar alvos indesejáveis.

    Há outras implicações. Defensores dos robôs afirmam que há questionamentos a serem feitos, mas que os princípios de autodefesa e de proporcionalidade os justificam.

    Por fim, há questões: o analista que apertou o botão em Langley é alvo legítimo de retaliação? Em qual corte sua ação pode ser questionada?

    http://www1.folha.uol.com.br/mundo/973259-avioes-robo-tem-papel-central-na-guerra-contra-terrorismo.shtml

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