segunda-feira, 18 de junho de 2012

Em livro épico-falhado sobre os Anonymous, o abismo ri de nós


13/6/2012, Quinn Norton, Wired, Threat Level blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Sobre: OLSON, Parmy. We Are Anonymous. Inside the Hacker World of LulzSec, Anonymous, and the Global Cyber Insurgency, New York: Little, Brown & Company, 2012, 498 pp. $26.99

Quinn Norton
Não é fácil escrever sobre os Anonymous.

É uma não-organização de “gozadores-que-viraram-ativistas-que-viraram-hackers-que-se-complicaram-feio-com-a-Polícia-no-drama-da-lei-tem-de-ser-respeitada[1] — história difícil de compreender-capturar e difícil de narrar.

Trabalhar sobre grupo clandestino caçado pela Polícia obriga a fazer escolhas não óbvias. Um dos hackers sem nome, mas citado longamente no livro We Are Anonymous  [2] de Parmy Olson, jornalista chefe da sucursal de Londres da revista Forbes, disse-me uma vez que os anons “são dissimulados por natureza” – e são. (Como sei que é a mesma pessoa? Reconheci o modo de se expressar. Depois, perguntei).

Os anons mentem, quando não há qualquer razão para mentir. Tecem longas narrações fictícias, que são uma espécie de performance artística. Depois, nas horas mais inesperadas e menos recomendáveis, dizem a mais pura verdade, destruindo-se, eles mesmos, no processo. São imprevisíveis. O furor niilista com que Olson descreve o modo de vida dos anons mais jovens atira para todos os lados, inclusive para dentro de casa, e os tiros muitas vezes espirram sobre jornalistas como Olson e eu, por motivos que nada têm de óbvios.

É impossível “seguir o dinheiro” no não-grupo dos Anonymous, ou analisar as estruturas do poder, ou buscar uma linha geral de pensamento constitutivo, num coletivo que jamais, praticamente, os tem. Mesmo assim, é preciso escolher alguns itens nos quais se creia, um por quê, um como se enquadram num quadro maior. Usam-se o contexto, as circunstâncias, os instintos mais viscerais e muito do que os hackers chamam de “engenharia social”, para extrair as evidências necessárias para escrever jornalisticamente sobre o coletivo, para cumprir nosso papel nessa história.

Que ninguém se engane: os jornalistas temos um papel nessa história. Você não pode simplesmente não se envolver. É impossível não ser parte da coisa, se a coisa usa a imprensa e todos os veículos para falar e pensar sobre ela mesma.


Por tudo isso, o que torna tão frustrante o livro We Are Anonymous  [3] de Parmy Olson é que ali a narrativa segue em frente, como se nenhuma dessas questões existisse.

Mas Olson e eu, como a professora Biella Coleman; como a ex-correspondente da rede CNN, Amber Lyon; como Brian Knappenberger, cineasta documentarista; e até como Adrian Chen, da revista Gawker, nunca conseguimos nos impedir de dar uma cara à coisa, enquanto a coisa vai-nos dando, também a nós mesmos, uma cara. Somos o veículo que o coletivo usa para se autodefinir, e sempre acabamos por guardar para nós alguma partícula (ou muito) daquilo que o coletivo se vai tornando. É sempre assim, sejam quais sejam as regras que definamos para impedir que aconteça. Somos órgão da Cabeça-de-Enxame. Somos a paisagem-de-Schrödinger da mídia, e nossas observações afetam fatalmente o resultado observado.

Por isso precisamente é vitalmente importante expor as regras pelas quais trabalhamos e nossos métodos. Que nomes dar aos que tenham nome e, mais importante, que nomes manter secretos? Para não ter de lidar com essa questão ética tão absolutamente complicada, tomei a decisão de não identificar ninguém; nomes, só dos que, como dizem os Anons, já sejam “nomefodidos” (ing. namefagged  [4] e vídeo). Olson escreve centenas de páginas sem sequer um aceno para essa questão.


Como Olson escolheu as fontes nas quais confia, e em que casos? E nem uma palavra, tampouco, sobre métodos. Suas observações não aparecem em nota ou referência, mas escondidas na narrativa. É como se ela não estivesse escrevendo o que escreve. Embora essa seja tradicional regra da escrita jornalística, no estranho caso de escrever sobre os Anonymous qualquer tentativa de fingir-se de anônimo e impessoal abala a credibilidade do/a jornalista e do jornalismo. Em ambiente no qual todas as fontes declaram que estão mentindo, o jornalista tem o dever de declarar ao mundo, abertamente, todas as suas próprias crenças e fés pessoais. O jornalista “nomefodido” é, nessa situação, a única fonte legítima de opinião que pode aspirar a ser legítima e merecer credibilidade. A isenção jornalística passa a ser aí, além de mito, erro: se o jornalista não se expõe pessoalmente, se não declara que crê no que creia... quem (e sobretudo: por quê?) precisaria acreditar em algum jornalista?

Os sistemas sociais da internet, dos quais os Anonymous são exemplo altamente evoluído, rompem as vias da causa&consequência estabelecidas. Em vez de buscar o especialista ou a mais alta autoridade presente para colher “declarações”, a alma da matéria pode estar, de fato, em qualquer palavra e nunca se sabe em qual palavra estará. Procurar a fonte “certa” ou a “melhor fonte” nos Anonymous é, frequentemente, muito mais como investigar um assassinato; e muito menos como escalar a cadeia de comando à caça de uma entrevista ou de alguma “declaração” ou do “furo”.

Mediafag
Os Anonymous expuseram os jornalistas [viados-da-mídia, mediafags, como eles dizem] como especialistas em “fala-escudo” [5]. As frases bombásticas e as declarações hiperbólicas têm de ser reproduzidas exatamente como saem das telas ou da boca de cada anon, não podem ser copiadas de jornais, depois de já convertidas em discurso indireto. E, mesmo com todos esses cuidados, ainda assim se cometem erros e publicam-se “conclusões” ou inferências que escapam a qualquer controle e entram no nosso texto jornalístico.

Um pouco disso existe em qualquer jornalismo, por melhor que seja, mas em mundo no qual nada “precisa” ser verdade, porque tudo é permitido, como o mundo dos Anons, é constante ameaça existencial a pesar sobre todo o jornalismo. Por isso, precisamente, tão poucos jornalistas dedicam qualquer legítima atenção jornalística aos Anonymous.

O jornalismo é parte de um mundo de instituições, hierarquias e tradições sociais que são codificadas por estados-nação e por empresas. Criamos leis e regras para controlar os que sejam autorizados a chegar aos assuntos que contam, para que seja possível concentrar nosso poder de fogo midiático nos pontos em que queremos que ele se concentre. O mecanismo visa a criar um mundo previsível no qual todos possamos viver a salvo (ou viver da ilusão de que ali estamos a salvo) dos caprichos da natureza. As ferramentas que há, para o jornalismo que há, foram concebidas para esse mundo – o qual, por sua vez, modelou nossa retórica e nossas narrativas. É o que explica que jornalistas gostemos tanto de identificar as pessoas pelos títulos (presidente, deputado, bispo, comandante), pela idade, pela religião ou por etnias, localizando nossos personagens numa hierarquia – para que o leitor convença-se de que o veículo que lhe fala ouviu gente “importante”, o que, por contaminação, gera a ilusão de que o leitor seria igualmente importante.

As técnicas do jornalismo contemporâneo são a teoria da história de alguns, em letra de forma, em redação esperta, compacta e rápida, para leitura veloz e superficial.

Os Anonymous rompem todos esses pactos – e são terrível dor de cabeça.

Contudo, para jornalistas forçados a escrever sobre eles, o surgimento do grupo Lulzsec – clube fechado e exclusivíssimo de uma elite de hackers que vivem e trabalham como o resto do mundo normal, embora incluídos no grande coletivo – foi como dádiva caída do céu. Afinal, ali estava o atalho para construir matéria de vasta repercussão popular. E muitos jornalistas reagiram com o previsível entusiasmo.

Essa é a via pela qual Parmy Olson consegue fugir do problema de escrever sobre os Anonymous: escreveu sobre os Anonymous, sem escrever realmente sobre os Anonymous.

Seu assunto é outro: Olson escreve só sobre Lulzsec. Nas 414 páginas do livro de Olson, só se considera o coletivo mundial quando é inescapável, para explicar a formação, dentro do grande coletivo, de um pequeno grupo de seis personagens, que estiveram nas manchetes por poucas semanas no verão de 2011, atraindo atenções como nenhum outro grupo de hackers jamais atraíra.

LulzSecs
Mas nem os seis Lulzsecs são adequadamente investigados. Olson deve ter passado semanas mergulhada em postados antigos – embora nem sempre se possa saber onde encontrou os postados aos quais teve acesso nem como (nem se) fez qualquer movimento para comprovar a autenticidade do material que encontrou. Jornalistas de tecnologias, todos nós, mais dia menos dia temos de enfrentar o problema de confiar em postados ou arquivos cuja origem não se consegue rastrear com precisão, encontros em chats, e-mails repassados. Como fornicação e agiotagem [6], esse é mais um dos pecados sobre os quais todos concordamos que não nos podem paralisar, nem merecem laudas e laudas de reportagem. Mas Olson peca vezes demais. Usa, sem qualquer registro ou resguardo crítico, fontes como o Chanarchive – página que alguns /b/tards do próprio 4chan criaram para arquivar discussões que consideram particularmente interessantes.

Olson alcança velocidade de cruzeiro quando começa a contar detalhadamente a história dos Lulzsecs, narrando evento após evento sobre esse específico grupo secretivo. É quando renuncia a qualquer ambição de analisar e faz reportagem de eventos – seu forte.

Trata-se, exclusivamente, de uma conversa com Jake Davis — conhecido pelo apelido “Topiary”, o talentoso porta-voz e agente de retórica dos Lulzsecs. Nessa seção intermediária, o livro melhora dramaticamente, e é o que o livro inteiro deveria ter sido: relato jornalístico escrito por jornalista que conseguiu bom acesso até bem perto dos Lulzsecs.

Mas nem essa melhor parte do livro chega a ser bem-sucedida, porque não passa de biografia não comentada do jovem Jake Davis. A autora dá a impressão de passar adiante cada historieta que ouviu da fonte, sem qualquer análise sobre se a historieta contribui ou não para melhor compreensão do que seja o grupo e do significado do grupo. São estradas vicinais que levam a lugar nenhum e acabam de repente. E isso, num vasto exercício de acreditar em tudo que Davis diz.

Davis se autoacusa de um crime depois de outro, sem parar, em dúzias de páginas de arremedo de diálogo, mas Olson jamais se pergunta por que ele lhe estaria contando tudo aquilo. Davis admite incontáveis vezes que costuma mentir a jornalistas... E nem assim Olson lhe faz a pergunta óbvia (ou, se perguntou, não perguntou na presença de testemunhas, quer dizer, dos leitores): “E aqui, você está mentindo ou não?”

Essa é parte das razões pelas quais We Are Anonymous dá a impressão de relato mal construído, mal acabado, apesar das quase 500 páginas. Os eventos não são narrados em sequência cronológica, mas não se sabe que outra lógica rege a narrativa e, a menos que já se conheça detalhadamente os eventos ali narrados, fica-se sem saber quando aconteceu o quê. Mais um mês de edição bem feita e menos umas 150 páginas produziriam livro muito melhor.

Ataque DDoS
Por exemplo, há uma estranha repetição de historietas “técnicas”. Num desses casos, somos informados mais de uma vez que “ataque DoS é parecido com “ataque DDoS”, sem o D de “Distribuído”. Não é só a repetição: é repetir informação errada. O ataque “DoS” [Denial of Service/Negação de serviço] é, de fato, parecido com o ataque “DDoS” [Distributed Denial of Service/Negação de serviço distribuída] sem o D inicial, mas só quanto aos resultados. As técnicas são muito diferentes e exigem recursos muito diferentes.

Ataque DoS
As explicações técnicas são forçadas e repetitivas, no livro de Olson. Redigidas em tom descuidado de quem não conhece bem o idioma em que trabalha e que não se interessa por conhecê-lo melhor, para conseguir ser o mais precisa e clara que possa, as explicações técnicas são o ponto mais fraco do livro, e pintam muito mal a paisagem na qual vivem os Anonymous (inclusive os LulzSecs). Ataque DDoS significa inundar uma página-alvo com pedidos de acesso e com mensagens-lixo; é como 15 pessoas querendo passar ao mesmo tempo por uma porta giratória estreita, uma catarata de visitantes – tudo explicado num único pequeno parágrafo no capítulo 5.

Esse tipo de jornalismo desrespeita, para começar, a cultura técnica. É como popstar britânico cantar como criança africana; é sequestrar e descartar tudo que realmente faria alguma diferença. Desse tipo de atitude brotou e disseminou-se a ideia de que todos os hackers adolescentes seriam malucos de porão. É frustrante desserviço que o jornalismo presta a um grupo cada dia mais diversificado, que já tem de enfrentar não só o preconceito e a discriminação das forças da ignorância, mas também a violência policial dos estados mais repressivos, inclusive dos EUA, embora, noutros lugares, a repressão seja ainda mais violenta.

Por exemplo, tome-se a sequência de eventos, no capítulo 21, em que os LulzSecs hackearam o FBI associated Infraguard, quando Olson narra o modo como Sabu apagou o conteúdo de um servidor: “E, fácil, digitou rm -rf /*. Um código simples, mas mal afamado: quem digite esse código no back end do próprio computador apaga, de fato, tudo que haja no sistema. Nenhuma janelinha popping up para perguntar “Você tem certeza?” Aconteceu. Muitos trolls conseguiram que suas vítimas digitassem o código ou apagassem o crucial arquivo32 de sistema do Windows”.

Se você não tem nenhum saber técnico, a coisa parece bobagem. Se você tem algum saber técnico, você tem certeza de que é bobagem. “rm” é comando UNIX, não é “código”, faz command line interface (o que em nenhum caso abriria janelinhas...). E nada tem a ver com Windows. E o 32 é diretório, não é arquivo. Esse exemplo é excepcional, do pior que há no livro; mas não é caso isolado.

É exigir demais, esperar que jornalistas que escrevam sobre os Anonymous conheçam a diferença entre UNIX e Windows? Ou que saibam explicar o que é um endereço IP [Internet Protocol]? A mídia especializada, com certeza, responde que “sim”, há 15 anos; é esperar demais, nessa e em todas as demais áreas da cobertura jornalística em áreas tecnológicas. Ninguém tem qualquer direito de exigir que jornalistas entendam as complexas tecnologias sobre a quais vivam de escrever. É privilégio histórico dos jornalistas ganhar a vida escrevendo o melhor que possam sobre o que conheçam o melhor que possam. OK. Mas tem limite. Com os geeks ocupando o planeta, a ignorância vai-se tornando cada dia menos historicamente admissível.

Vivemos pressionados pelos prazos, com orçamentos cada dia mais apertados, com demandas sempre crescentes por informação atualizada. Mas, de um limite em diante, a coisa vira negligência; em seguida, cruza a fronteira e converte-se em exploração. O jornalista ser explorado não o autoriza a explorar o leitor. Estamos lendo mal o mundo. Estamos tratando mal o leitor.

Nada me faz pensar que Olson seja esse tipo de jornalista negligente e exploradora, mas é o que se vê, incorporado, no jornalismo que oferece nesse livro-reportagem. Os Lulzsecs/Antisecs atraem leitores; mesmo sem qualquer sutileza ou análise. Mas também atraem – assim como há quem diga que eles próprios procuraram por isso – jornalismo-espetáculo, de sensacionalismo, a mais antiga profissão no ramo de escrever para viver.

Todos os clichês dos postados fast-food que reagem à propaganda pelo Twitter estão presentes em We Are Anonymous. Por todos os lados, chovem apoios, disparam-se comandos de resposta-repetição, e muita gente dos e à volta dos Anonymous deve estar terrivelmente machucada, porque parecem sempre dispostos a se chutarem e se espancarem, eles mesmos, o mais que possam.

Em geral, para o bem e para o mal, esses pecados literários são deixados sem comentar, na era da moderna narrativa de não ficção. Mas, nesse caso, eles saltam à vista, pelo contraste muito visível com a linguagem vibrante dos anons que a reportagem cobre.

A linguagem dos Anonymous é imprópria, de baixo calão, mas é deliberadamente o que é. Suas metáforas estão vivas, são criativas e efetivas, porque os anons nunca param de tentar romper a linguagem e o pensamento convencionais. De tanto querer fazer e tentar, acabaram por aprender a fazer. Quando distorcem uma imagem, distorcem como querem e o quanto querem, e para um objetivo determinado.

Anonymous IRC
Quando @AnonymousIRC se autodescreve como “cavaleiro sem cabeça montado num cavalo ASCII [7] com um halo de Gato Nyan [8] e espada de Lulz em bainha de tolerância”, a imagem é construída para fundir a cuca de quem leia. E funde. Mas é imagem construída e você vê o que é para ver. A escrita dos Anonymous encheria de orgulho o George Orwell do clássico Politics and the English Language (A política e a língua inglesa [9]), não porque obedeça aquelas regras, mas porque sabe por que e quando desobedecê-las e escapar delas. É má sorte, que a prosa de Olson tenha de expor-se ao lado da prosa dos anons.


***
Os Antisecs e, antes deles, os Lulzsecs, receberam vastíssima atenção midiática de jornalistas como Olson e eu, atenção que chegou a deixar marginalizados outros anon ops mais efetivos, que trabalhavam no apoio a movimentos da Primavera Árabe e na resistência política contra leis anti-internet, como a ACTA – mesmo no caso em que essas operações foram conduzidas pelas mesmas pessoas. Olson e eu cobrimos tudo isso, mas do jeito errado. Deveríamos, desde o início, ter sabido ver os Antisecs como uma manifestação dentre muitas, não como grupo que, afinal, poderia ser tratado pelos jornalistas como estrelas do rock, grupo que facilita muito o trabalho jornalístico.

Muitos anons, de visão mais criativa, cujo trabalho encaminhou-se para objetivos mais claros (nem sempre louváveis, mas objetivos e, sim, claros) acabaram afogados na gritaria niilista dos Antisecs e na incansável cobertura que os jornalistas lhes dávamos. Àquela altura, os Antisecs pouco nos preocupavam.


Quando, dia 3 de junho, anunciou-se que remanescentes daquele antigo exclusivo grupo de hackers haviam capturado 3 terabytes de dados do governo, inclusive material do FBI e do Departamento de Estado, a mídia deu de ombros. É excesso, dados demais. Mais dados do que alguém pode ler e, menos ainda, avaliar; e são dados inúteis, quando o noticiário diário já oferece tantas notícias péssimas. Em ambiente no qual todos sabemos que o presidente tem sobre a mesa uma lista de pessoas a serem assassinadas, entre as quais há cidadãos norte-americanos, difícil supor que um .d0x traria algo que fizesse diferença. Depois de milhões de logins e e-mails vazados e de bancos de dados invadidos, estamos em crise de fadiga de dados.

Desse oceano de vozes de Anonymous, todos experimentando novos modos de estar no mundo, as únicas vozes que se ouvem no livro de Olson são as de um pequeno grupo de hackers que sequestraram o palco onde todos deveriam poder ver uma legião; que desafiaram os valores do coletivo; e que colidiram frontalmente contra o muro da lei. Foi história que a própria mídia gerou, sem dúvida, mas não é a verdadeira história dos Anonymous. Não é, sequer, história que faça qualquer real sentido.




Notas dos tradutores

[1]  8/11/2011, redecastorphoto em: Anonymous: Introdução ao lulz, Quinn Norton,

[2]  OLSON, Parmy. We Are Anonymous. Inside the Hacker World of LulzSec, Anonymous, and the Global Cyber Insurgency, New York: Little, Brown & Company, 2012, 498 pp. $26.99.

[3]  Há crítica (preconceituosa, jornalístico-conservadora) ao mesmo livro no New York Times em: The Secret Lives of Dangerous Hackers, Janet Maslin, 31/5/2012.  
[4]  Namefag [Substantivo 2 g. Verbo necessariamente reflexivo derivado: Nomefoder-se]. Designa todos que se deem nomes próprios nos postados no 4chan. O procedimento de nomefoder-se é considerado péssimo, altamente não recomendável, embora o fórum /tg/ seja mais descontraído que outros, nos quais três postados nomefodidos levam a longos debates de mais de 300 postados, sobre os méritos e as desvantagens do anonimato na rede. A regra geral é nunca se autonomefoder, a menos que seja indispensável distinguir-se, pessoalmente, do enxame sem nomes [ing. anonymous] e separar-se do enxame (comentário dos tradutores).

[5]  Hedging language ou Verbal Hedge [fala-escudo]: Colunistas, repórteres e jornalistas em geral mostram-se cada dia mais conscientes de que há risco de serem processados por crimes que cometam ao noticiar. Resultado disso, são cada dia mais frequentes, em todos os veículos, expressões que visam exclusivamente a proteger o jornalista e a empresa para a qual trabalha, contra acusações criminais e processos por difamação e calúnia (dentre outros crimes). Às expressões que se usam para essa exclusiva finalidade defensiva, chama “fala-escudo”, porque visam a distanciar o jornalista e a empresa jornalística de qualquer compromisso com o que esteja sendo divulgado ou comentado. É onde a isenção jornalística vira arma e é usada contra o consumidor do discurso jornalístico.
Por isso, abundam hoje matérias jornalísticas em que tudo é dito “suposto”:

 

Suposta amante do executivo da Yoki deve depor segunda-feira (15/6/2012, O Estado de S.Paulo);
Foto de suposta nova camisa reserva do Corinthians vaza na internet (3/5/2012, O Estado de S.Paulo)  – e esse, aliás, é exemplo extremo de uso absolutamente absurdo, do absurdo “suposto”, porque se fica sem saber, até, o que seria “suposto”: (a) “suposta nova (camisa)” ou (b) “suposta camisa (nova)”; ou (c) “suposta (camisa nova) reserva”; ou (d) suposta (nova camisa reserva) do Corinthians)”?!

O que se vê aí é, de fato, só e sempre, o suposto jornalismo do Estadão suposto jornal [risos, risos, porque essa foi booooa!]. E “O presidente sofre de suposta doença terminal” (vários veículos, no Brasil, a propósito de doença dos presidentes Lula e Chávez). Há zilhões de exemplos, mas bastam esses, por hora.

Esse movimento discursivo de dissimulação exaure, de fato, a relevância jornalística e social de qualquer notícia.

Mas esse tipo de fala-escudo nem seria necessário, se o jornalismo, o jornalista ou o repórter realmente investigassem os assuntos sobre os quais vivem de inventar notícias. Essa fala-escudo, que mata qualquer notícia, seria desnecessária se realmente houvesse o que noticiar, em cada notícia (suposta existente, mas que não existe) que é noticiada.

Assim, se a investigação policial já estiver completada, a notícia é: “fulano será julgado por ter matado sicrano” (e não se falaria de “suposto assassino” – que é perfeito absurdo lógico e também gera objeto para processo por calúnia e difamação, dentre outros). Se já houver laudo médico, não há “suposta doença” e a notícia é outra, que não foi noticiada.

Afinal de contas, em todos os casos, o que seriam, no mundo, se existissem, uma “suposta amante”?! E/ou uma “suposta doença terminal”?! E/ou uma “suposta camisa”?! \o/ \o/ \o/ \o/.

[6]  Prôs que pensem que essas proibições-tabu religiosas só tenham a ver com “fundamentalistas muçulmanos”, acordem: deu na Bíblia (Deuteronômio 23-19: “Do teu irmão não exigirás juros [...] e Colossenses 3-5: “Exterminai, pois, as vossas inclinações carnais; a prostituição, a impureza, a paixão [...]).

[7 ASCII, American Standard Code for Information Interchange/ Código Padrão Norte-americano para Intercâmbio de Informação) é uma codificação de caracteres de oito bits baseada no alfabeto inglês. Os códigos ASCII permitem “desenhar” em computadores, equipamentos de comunicação, entre outros dispositivos que trabalham com texto. Desenvolvido a partir de 1960, grande parte dos modernos códigos de caracteres foram criados a partir do ASCII . Vê-se um dentre os quase infinitos possíveis “cavalos ASCII”.

[8  Pode ser visto em: Nyan Cat

[9]  Ensaio de 1946. Pode ser lido em português europeu em: A política e a língua inglesa

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