segunda-feira, 18 de junho de 2012

O estranho relacionamento entre os EUA e os BRICS: “Obama telefona para a Índia, na calada da noite”


16/6/2012, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline Blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Barack Obama e Manmohan Singh
O telefonema que o presidente dos EUA Barack Obama fez para falar com o Primeiro-Ministro da Índia, Manmohan Singh, na 5ª-feira, foi surpresa. Aconteceu um dia depois de terminado o “Diálogo Estratégico EUA-Índia”, embora devesse ter sido feito, em momento oportuno, pelo menos 3-4 dias antes. O “Diálogo Estratégico” deu em nada e o melhor que se pôde extrair dele, segundo os especialistas de jornal, foi que o relacionamento EUA-Índia está “em pausa”, com as lideranças dos dois lados envolvidos em questões existenciais das respectivas políticas domésticas. Observadores mais argutos da comunidade mundial registraram que o “ímpeto” do relacionamento EUA-Índia esmoreceu – tomando emprestada expressão que se lia numa boa avaliação publicada na revista The Economist  [1].

Michael Froman
O pior momento, foi o “sermão” aplicado pelo vice-conselheiro nacional dos EUA para Assuntos Externos, Michael Froman [2], ao Ministro dos Assuntos Externos da Índia S M Krishna. Foi quebra de protocolo. Froman meteu o dedo no nariz do ministro, para que não houvesse dúvidas sobre a atitude que os EUA esperam do Primeiro-Ministro da Índia. Grosseria e falta de compostura. (No passado, pelo menos uma vez, o mesmo Froman gritou por telefone, digamos, o que bem quis, ao Vice-Presidente da comissão de Planejamento, Montek Singh Alhuwalia, que preferiu não tomar conhecimento dos maus bofes do norte-americano).

Krishna viajou para Washington com escala em Pequim (por assim dizer), onde insistiu na reivindicação de um lugar de membro,para a Índia, na Organização de Cooperação de Xangai, grupamento regional cuja simples menção basta para desestabilizar os EUA. E depois de Washington, o ministro indiano partiu diretamente para visita oficial de três dias a Cuba. Desnecessário dizer que a declaração conjunta distribuída ao final do “Diálogo Estratégico” manteve ensurdecedor silêncio sobre a real estrutura subjacente da estratégia regional dos EUA: o tal “movimento de pivô” em direção à Ásia e o “reequilibramento” das forças dos EUA.

Nesse quadro, Obama provavelmente decidiu fazer um aceno simpático ao Ministro, depois de tê-lo mantido a segura distância gélida de si enquanto esteve em Washington. O documento da Casa Branca sobre a conversa telefônica entre o ministro Singh e Obama cuida atentamente de não fazer qualquer referência ao relacionamento EUA-Índia.

Mas não é documento que se deva tomar pelo valor de face, se se considera a extensa lista de desejos dos EUA (que abarca, de questões de comércio nuclear, à entrada da rede Wal-Mart no mercado indiano) que Obama tem sobre a mesa de trabalho no Salão Oval.

Pranab Mukherjee
Obama deve saber que podem acontecer mudanças nos serviços gerais do ministério das Finanças da Índia. A imprensa ocidental criticou o Ministro Pranab Mukherjee como o principal empecilho no caminho das “reformas” na Índia. As apostas são altíssimas, no jogo dos interesses dos EUA.

A Casa Branca insiste que a conversa Obama-Singh girou em torno de “questões regionais e internacionais de interesse mútuo” e o lastimável estado da economia global. Obama pegou o telefone no meio da noite para falar ao ouvido do Primeiro-Ministro da Índia sobre a crise na Eurozona ou sobre o G-20? Improvável.

É possível que Obama tenha falado sobre o Paquistão – sobretudo agora que se prepara para pedir desculpas oficiais pelo massacre de soldados paquistaneses em novembro passado. Outra vez, os EUA esperam que a Índia se posicione e esteja a postos para ajudar quando chegar a hora da decisão [3] sobre Síria e Irã, nas próximas semanas.

Minha impressão é que Obama tratou de tentar remediar o fiasco do “Diálogo Estratégico”, antes de que começassem os discursos fúnebres em Delhi. Seja como for, fato é que a declaração da Casa Branca diz que Obama e Manmohan Singh trataram de “questões regionais e internacionais de interesse mútuo” e do lastimável estado da economia global. [4] Não é pouco, nem trivial, que a Casa Branca informe que o presidente dos EUA telefonou ao Primeiro-Ministro da Índia para discutir esses assuntos, mesmo que nada disso tenha sido discutido. Quantos governantes no mundo são oficialmente declarados merecedores de tão rara distinção?   



Notas de rodapé
[1]16/6/2012, Less than allies, more than friends: America and India try to define a new sort of relationship [Menos que aliados, mais que amigos: EUA e Índia tentam definir um novo tipo de relacionamento], The Economist.
[2] 13/6/2012, First Post Economy em: India’s flip flops, poor business climate scaring away US investors.
[3] 14/6/2012, The National Interest em: The Path to War with Iran.



MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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