6/11/2014, [*] Francesco Sisci, CapX
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Observação importante: As notas de texto dos tradutores estão em VERMELHO.
Entreouvido na tenda do Xôxo, na Vila Vudu: Este ensaio, portanto, não é importante pelo que diz-repete. Pareceu-nos interessante porque registra, com todas as letras, que até um observador ocidental liberal, mas bem informado, já entendeu que o povo chinês NÃO TEM INTERESSE ALGUM em fazer a tal “revolução liberal” capitalista para mudança de regime na China.
Entrada da Praça da Paz Celestial, China |
A resiliência [1] do estado chinês e do governo comunista chinês tem sido, por décadas, profundamente mal compreendida no Ocidente. Uma das primeiras e mais intrigantes instâncias dessa resiliência foi a guerra entre China e Índia, em 1962. Brij Mohan Kaul tentou explorar a fraqueza da China: no Tibete, que, em 1959 conhecera levantes muito amplos que duraram três anos; e em tempos difíceis, logo depois da grande fome de 1960-1961, que matara cerca de 10% da população. Apesar disso tudo, a China derrotou a Índia naquela guerra. [Aqui, o “argumento” é que, dado que a China era comunista, a China “deveria ter perdido” a guerra; dado que a China venceu a guerra... surge então o problema da “resiliência”. Esse liberalismo seria cômico, não fosse tão sinceramente maníaco-obsessivo ideologizado].
A derrota sem dúvida deve-se a graves erros táticos que o exército indiano cometeu. Mas o mais significativo é que, num momento de grande fraqueza no Tibete em especial e na China em geral, o ataque indiano não disparou um processo de levante social do tipo que a China conhecera com a Guerra do Ópio de 1840. Claro que a primeira Guerra do Ópio foi derrota para a China, e a guerra da Índia foi vitória chinesa, mas mesmo sem considerar essa diferença, o poder comunista no início dos anos 1960s deu sinais de ser mais sólido que o poder imperial um século antes.
No mesmo ano, o general nacionalista, Chiang Kai-shek, derrotado na guerra civil em 1949 e confinado em Taiwan, planejava reconquistar o território continental. Chiang sabia perfeitamente do lastimável estado em que estava o país logo depois da grande fome causada pelo fracasso do Grande Salto Adiante, de 1957. Mao havia sido posto de lado, e a oportunidade parecia perfeita. Mas a guerra com a Índia provou que a análise errara. O mesmo foi confirmado também pelo fato de que os guerrilheiros nacionalistas em Amdo (a parte tibetana de Sichuan) e na fronteira com Yunnan não tiveram muito sucesso, e os EUA pensaram corretamente ao decidir não apoiar os planos de Chiang Kai-shek.
Vista aérea da Praça da Paz Celestial, China |
Tudo isso parece história muito distante, mas, como modesto cronista dos eventos na China ao longo de mais de um quarto de século, testemunhei pelo menos quatro eventos que poderiam ter levado à queda do governo chinês; e nada aconteceu. [2] Entre esses eventos estão o protesto em Tiananmen em 1989; as demonstrações do Falun Gong em 1999; a epidemia de “febre asiática” [orig. Severe acute respiratory syndrome, SARS] em 2003; e o golpe político que Bo Xilai tentou em 2012. Exceto a epidemia de SARS, os três outros eventos foram causados por divisões profundas na alta liderança política, com um grupo tentando eliminar outro. Foram violentas lutas internas de disputa de poder, que causaram mais danos à política chinesa do que qualquer interferência vinda de fora. E nem assim a sociedade chegou a sofrer qualquer abalo. [Mais uma vez: aqueles “eventos” “deveriam” ter derrubado o governo... Dado que não derrubaram, surge o problema de a sociedade chinesa NÃO QUERER democracia liberal à ocidental & Wall Street. Dado que ela não quer meeeeeeesmo, surge o problema da tal “resiliência”].
As motivações de estado-profundo para isso podem ser encontradas em ensaio que escrevi há uma década. Como previsto naquela análise, dez anos depois e apesar de muitas previsões na direção contrária, ainda não houve revolução na China. Permanece o fato de que, enquanto havia protestos pró-democracia durante um mês em Hong Kong , a província vizinha de Shenzhen, cuja população recebia noticiário não censurado proveniente de HK, não mostrou qualquer sinal de contágio.
Em resumo, não é hora, agora, de revolução, para o povo chinês. O povo chinês vive hoje uma idade de ouro em sua longa história e não tem nenhuma tradição de democracia [à maneira ocidental] à qual deseje voltar. Não significa que não sejam possíveis revoluções ou demandas por democracia [à maneira ocidental] na China. Uma combinação de forças internas e limitações internacionais pode alterar esse quadro na próxima década. E há dois elementos que poderiam forçar a mudança [mais um pouco, e o senhor Sisci estará pregando GOLPE-de-MUDANÇA-DE-REGIME na China! Não são IM-PRES-SI-O-NAN-TES, esses liberais?!].
-- Todo mundo sabe que forçar uma mudança de regime é errado... Ahã... Bem. Qualquer mudança de regime, realmente. |
A economia chinesa se igualará em números, à economia dos EUA, o que atrairá cada vez mais a atenção e os temores de outros países, porque a China não oferece o mesmo contexto e as mesmas características de outros países que dominaram o mundo ao longo dos dois últimos séculos – a Grã-Bretanha e os EUA [Santo Deus! Dito assim, até parece que as tais “características” desses dois países teriam algo de “recomendável”!].
Com o crescimento da economia, grande parcela da população chinesa passará a ter poder de compra equivalente ao das classes médias ocidentais, e empresas privadas serão obrigadas a pagar novos e diferentes impostos, sem terem qualquer controle sobre como o dinheiro desses impostos será utilizado [sic!].
Essas duas forças podem somar-se e coalescer, mas o período temporal no qual a incorporação delas pode acontecer pode ser ou estendido ou totalmente eliminado, por uma série de medidas: por exemplo, laços melhores com o mundo ocidental, reformas políticas limitadas, ou cooptar os melhores e mais poderosos empresários privados para que trabalhem como atores políticos [WAAL! É a “receita” dos Republicanos nos EUA, e das Sarah Palin/Dora Kramer/Leilane Neubarth/Sardemberg da UDN no Brasil! :-D))].
O Partido Comunista Chinês provou várias vezes que sabe adaptar-se, com concessões mínimas, a circunstâncias difíceis, sem usar táticas dilatórias.
Por exemplo, o recente plenum do Partido mostrou que o Partido está mais firmemente empenhado em combater a corrupção no judiciário e na burocracia, que afeta o resultado de julgamentos e procedimentos oficiais. Por mais que seja medida considerada “normal” no ocidente – cujas populações estão mais habituadas a mudanças políticas – é mudança considerada de grande importância para a maioria dos chineses comuns, que diariamente enfrentam funcionários públicos corruptos, e ricos sempre prontos a atropelar as demandas dos mais pobres. [Claro. Como se sabe, “funcionários públicos corruptos, e ricos sempre prontos a atropelar as demandas dos mais pobres” é fenômeno exclusivamente chinês e comunista, jamais, em tempo algum, observado diariamente em toooooodo o dito “ocidente” norte-americano e britânico, predador, liberal e capitalista].
Apesar desses esforços, porém, há outras causas de longo prazo para instabilidade, e basta uma delas para causar volatilidade política repentina e imprevisível.
Bo Xilai - por Heng |
A primeira é uma luta pelo poder no alto comando político do país, a qual, combinada com a falta de transparência sobre o processo político interno pode levar a transformações repentinas e não previsíveis. O caso de Bo Xilai foi evento desse tipo, embora tenha sido previsto por alguns especialistas. Outros eventos podem surgir e trazer perturbações ainda maiores.
(...)
Sociedades civis, cultura e moral são mantidas por uma série de valores partilhados. O maoísmo destruiu os valores do confucionismo, e a modernização promovida por Deng (iniciada em 1978), com a desertificação [sic] cultural da Revolução Cultural (1966-1976), destruíram o maoísmo [:-O Tô beixta!]. Assim o povo chinês foi deixado, como está hoje, num imenso vácuo cultural e ético, questão que o presidente Xi Jinping tenta atacar, com o movimento que criou recentemente, na direção de estabelecer uma “nova cultura”.
(...)
Se a China conseguir lidar com esses desafios, então haverá um verdadeiro ge ming.
Em tempos muito remotos, essa expressão provavelmente não significou rápida mudança de regime no Mandato do Paraíso (esse significado só surgiu, talvez, para justificar a rebelião de Liu Bang, em 213 a .C., contra a dinastia Qin e a fundação da dinastia Han 206 a .C-220d.C).
Ge |
Ge é a palavra que designa o processo pelo qual as cobras trocam de pele, quer dizer, livram-se da pele velha e substituem-na por outra. Indica, pois, uma reforma mais suave que a violência e a urgência revolucionárias. Nesse sentido, talvez se possa esperar mudança de regime no Mandato do Paraíso, em aproximadamente dez anos. Se não houver graves perturbações e os desafios de médio e de longo prazo forem superados, a China permanecerá estável por um longo período. Mesmo assim, para que a transição se faça sem solavancos, é preciso iniciar imediatamente os preparativos.
Notas adicionais dos tradutores
[1] Orig. resilience – A palavra designa a capacidade de um material para voltar ao seu estado normal depois de ter submetido a tensão. ATENÇÃO:Até a escolha da palavra, nesse ensaio, é ideologicamente motivada. A evidência de que a sociedade chinesa NÃO TEM nenhum interesse POLÍTICO em fazer alguma “revolução” à moda dos liberais “democráticos” ocidentais, explica-se por um conceito recolhido da Física! Como se houvesse algo de “natural”, de “físico”, que levaria as sociedades humanas a “tenderem naturalmente” a revoluções liberais à ocidental! Uma espécie de imutável “lei da gravidade” político-histórica das mudanças-de-regime ‒ :-D)).
[2] Mais uma do autor liberal-tolo, embora bem informado. Quem disse que os tais “eventos” “poderiam” ter levado à alguma “revolução”?! Se não levaram... é porque não poderiam ter levado, né-não?!
[*] Francesco Sisci é colunista do jornal diário italiano Il Sole 24 Ore.
Recebe e-mails em: fsisci@gmail.com
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