18/11/2014,
[*] Kurt Cobb, Oil Price
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Xi Jinping e Vladimir Putin assinam acordo de gás (maio/2014) |
Rússia e
China assinaram dois
grandes acordos de gás natural nos últimos
seis meses, depois que a Rússia moveu seus interesses na direção leste,
como reação contra as sanções e à crescente tensão em suas relações com a
Europa, atualmente o maior mercado importador da energia russa.
Mas o
movimento tem implicações que vão além da Europa. Nesse departamento tudo se
conecta, e os produtores norte-americanos de gás natural podem estar assistindo
ao ocaso do seu sonho de exportações substancialmente maiores de Gás Natural
Liquefeito (GNL), por causa das exportações russas para o mercado chinês –
precisamente o mercado que se esperava que viesse a ser o maior e mais
lucrativo para o gás norte-americano. Art Berman, geólogo
especializado em petróleo e consultor – que sempre se mostrou consistentemente
cético quanto à viabilidade de os EUA virem a exportar GNL – comenta, por e-mail, que o suprimento russo
forçará para baixo o preço do GNL entregue à Ásia, para algo entre US$ 10 e US$
11, baixo demais para que as exportações norte-americanas de GNL sejam
lucrativas.
Mas,
voltemos até um pouco antes. Os produtores norte-americanos de gás natural
insistem em tentar vender a história de um renascimento energético dos EUA, que
seria baseado num crescente suprimento de gás de xisto extraído de depósitos
profundos – atualmente explorados mediante uma nova modalidade de fraturamento do
solo por bombas hidráulicas, chamado “fraturamento hidráulico com alto volume
de fluído “liso” [orig. high-volume
slick-water hydraulic fracturing].
[1]
O problema
é que superextração e os baixos preços – agora, o preço é uma pequena fração
dos US$13 por mil pés cúbicos (Mcf) alcançados no pico, em 2008
– minaram a estabilidade financeira das empresas perfuradoras de gás. Eis por
quê: O gás natural betuminoso, chamado “gás de xisto” (ing. shale gas), é em geral mais caro para
produzir que o gás natural convencional; para o gás de xisto ser viável, o
preço do gás natural teria de ser muito superior ao que é hoje – dos cerca de US$
4 por mil pés cúbicos, para com certeza acima de US$6 por mil pés cúbicos e
talvez ainda mais, para pagar os custos de extrair o
gás e garantir lucros.
Processo de extração da gás de xisto (fr.) |
Mas, a
esses preços, o Gás Natural Liquefeito norte-americano deixa de ser competitivo
na Europa. E agora, por causa dos acordos Rússia-China para construir os
gasodutos de gás natural, o mais provável é que o GNL norte-americano deixe de
ser competitivo também na Ásia. E esses são os dois maiores mercados para o
GNL. Sem esses mercados, nada assegura que os EUA consigam exportar muito GNL –
a menos que comecem a exportar com prejuízo...
Aí, pois,
está o problema: Para converter o gás natural norte-americano em gás
liquefeito, metê-lo em navios tanques especialmente construídos para esse tipo
de transporte e enviá-lo para Europa ou Ásia, o custo não será inferior a US$ 6
por mil pés cúbicos. Se o custo do gás norte-americano for de US$ 6 por mil pés
cúbicos, o preço total do GNL dos EUA entregue será o custo do gás mais o custo
da conversão, do embarque e da viagem, quer dizer, algo em torno de US$ 12 por
mil pés cúbicos.
O mais
recente preço de GNL entregue na Ásia, como informa a Federal Energy Regulatory
Commission foi de US$
10,10 por MMBtu para a China; US$ 10,50 para Coreia;
e US$ 10,50 para o Japão. Para a Europa, os números são até mais moderados: US$
9,15 para a Espanha; US$ 6,60 para o Reino Unido; e US$ 6,78 para a Bélgica
(todos os valores expressos em dólares norte-americanos).
Esses
números refletem, provavelmente, preços de momento, não contratos de longo
prazo, e estão baixos porque a demanda de energia é menor, o que pode ser
resultado da economia mais lenta na Ásia e na Europa.
Mas, sim,
são suficientes para mostrar como será difícil para o GNL norte-americano
competir no mercado mundial. Os preços do GNL melhorarão, mas, de modo geral,
compradores de GNL assinam sempre contratos “custo-mais” [orig. cost-plus contracts]. Nos EUA
seria o custo Henry Hub do gás natural (negociado na New York Mercantile Exchange) mais o
custo da liquefação e do transporte. Sem qualquer garantia de que o gás Henry
Hub permaneça no preço atual (cerca de US$ 4) – e muitos indícios de que não permanecerá – no longo prazo, é difícil ver
como poderia haver compradores de longo prazo para o Gás Natural Liquefeito
norte-americano.
Fica-se
sem saber, até, quantos, dos 14 terminais propostos
para exportação de GNL norte-americano chegarão a ser realmente construídos.
Depois
desse longo circunlóquio, permitam-me voltar aos gasodutos russo-chineses para
gás natural, e a significação que têm nesse drama.
GAZPROM para a Europa (South Stream) (clique na imagem para aumentar) |
A Gazprom,
a gigante russa do gás natural que realmente entregará o gás, estimou o
primeiro negócio, em maio, em cerca de US$ 10,19 por MMBtu. O segundo negócio ainda não
teve valor anunciado, mas um analista que consultei acredita que os chineses pagarão cerca de US$ 8 por MMBtu.
Ainda que os chineses acabem por aceitar preço próximo do primeiro negócio,
cerca de 17% da oferta de gás natural chinês estará chegando da Rússia, quando
os gasodutos estiverem completados, daqui a vários anos. E isso, pode-se dizer,
ancorará o preço do GNL chinês importado entre US$ 10 e US$11 por MMBtu – preço baixo demais para ser
confiavelmente lucrativo para os exportadores norte-americanos de GNL.
A
implicação é que os preços soft de hoje para o GNL importado pela China e o
resto da Ásia pode vir a ser norma geral em poucos anos, precisamente o tempo
que os terminais de exportação do GNL norte-americano demorarão, até se
tornarem operacionais. Assim sendo, se aparecerem investidores para financiar a
construção daqueles terminais, e se os gasodutos russo-chineses forem
completados, o mais provável é que aconteça destruição de capitais em
proporções épicas, do lado norte-americano do Oceano Pacífico.
Há outras
razões para não acreditar no futuro dos EUA como exportador de gás natural. As
róseas previsões da indústria e do Departamento de Estado dos EUA para Energia,
sobre produção doméstica de gás natural a partir do xisto, podem ter sido
superexageradas, conforme se lê num novo relatório assinado
pelo mesmo analista que previu a degradação massiva dos preços do óleo
recuperável do campo de xisto de Monterey, Califórnia. Apesar da crescente
produção doméstica de gás natural, os EUA continuam a ser importadores líquidos
de gás natural. Importações de gás natural corresponderamm a cerca de 10% do
consumo nos EUA, no mês de agosto de 2014.
Full disclosure [“cumprindo
obrigação de informar fato relevante ao mercado”]: Trabalhei
como consultor pago para ajudar a divulgar o relatório “Drilling Deeper: A Reality Check
on U.S. Government Forecasts for a Lasting Tight Oil & Shale Gas Boom”, lançado
dia 27/10/2014, acima referido.
Mas, como leitores que me acompanham há muito tempo já sabem,
desde 2008 sou muito cético ante as entusiásticas previsões de alguma bonança
de longo prazo para o petróleo e o gás norte-americanos, movida a depósitos de
xisto. Esse relatório é a primeira análise compreensiva, baseada em dados da
indústria, e é produzido independentemente da influência ou do dinheiro da
indústria. Todos que tenham quaisquer interesses investidos na indústria ou na
política energética
dos EUA devem lê-lo.
Locais de importação/exportação de GNL nos EUA (clique na imagem para aumentar) |
É possível
que alguns projetos de exportação de GNL norte-americano consigam avançar,
mesmo nas atuais circunstâncias. Se os compradores desse GNL assinarem
contratos de longo prazo, tipo cost-plus como comentados acima, esses compradores devem
preparar-se para enormes surpresas, quando os custos do gás natural dos EUA
subirem. E aqueles exportadores criarão alguma espécie de “circuito de
realimentação de autorreforço” [orig. self-reinforcing
feedback loop], fazendo crescer a demanda, o que fará subir ainda mais os
preços domésticos do gás natural norte-americano – ainda mais se não aparecer a
grande produção norte-americana que se projeta atualmente. Se a produção de gás
natural nos EUA permanecer no, ou cair abaixo do, atual nível de consumo
doméstico, os EUA talvez se vejam na iminência estranhíssima, muito bizarra, de
terem de importar GNL de alto preço de alguns países, para preencher o vácuo
criado pelas exportações de GNL para outros países.
Preços
internos mais altos, nos EUA, serão espada de dois gumes para quem aspira a um
futuro de energia mais limpa. Produtores norte-americanos de gás natural e
empresas de energia renovável muito apreciarão simultaneamente, se os preços de
exportação subirem consideravelmente – os produtores, porque o destino
financeiro deles passará a ser mais positivo; e as empresas de energia
renovável, porque a energia renovável tornar-se-á mais competitiva, se o gás
natural ficar mais caro. Mas os ambientalistas estremecerão de horror e fúria,
se a lucratividade aumentar a tal ponto, nos campos de gás de xisto, que gere
ação ainda mais horrenda de destruição da paisagem norte-americana.
E
políticos norte-americanos que defendem a extração de GNL para exportação
talvez se vejam desertados, de um lado, por consumidores obrigados a pagar
altos preços internos e, de outro, pelos ambientalistas que rejeitam os altos
custos ambientais – ainda que aqueles mesmos políticos vejam engordar muito as
cataratas de doações de campanha, que lhes virão de uma muito grata indústria
do gás de xisto.
Nota dos tradutores
[1] “A modalidade antiga de extração de gás e petróleo por
fraturamento do subsolo, chamada Hydrofracking [lit. faturamento do subsolo por
injeção de fluidos – uma mistura de água, areia e produtos químicos altamente
tóxicos – sob alta pressão, nos poços de petróleo e gás] foi usada por muitos
anos. Foi desenvolvida pela empresa Halliburton no final dos anos 1940. Aqui
[do documento adiante referenciado], nos referiremos àquela modalidade antiga
como “old hydrofracking” [faturamento hídrico à moda antiga] e aos
correspondentes poços como “traditional wells” [poços tradicionais].
(...)
A nova modalidade de
faturamento de subsolo para extração de petróleo e gás, chamada High-Volume
(Slick-water) Hydraulic Fracturing [lit. Fraturamento do subsolo por injeção
hidráulica de alto volume de fluido “liso”] (aqui traduzido)foi desenvolvida em
1990 e é diferente: o fluido utilizado é um composto de outros produtos químicos,
para tornarem o fluído mais “liso” e diminuir o atrito. É chamado
[fracionamento] “de alto volume”, porque a quantidade de fluido injetado no
subsolo é, agora, muito superior; na média, é hoje equivalente a mais de 21
milhões de litros de fluido em média, variando conforme o conteúdo do poço e as
fraturas criadas até chegar a ele. Ver esquema a seguir:
[*] Kurt Cobb é um escritor freelance e autor do filme de ação Prelude que tem como tema o pico do
petróleo. Fala e escreve freqüentemente sobre energia e meio ambiente. É colunista
do sítio Scitizen (pronuncia-se
“citizen”) de notícias de ciência baseado em Paris. Seu trabalho
também tem sido destaque em diversos sites, tais como: Energy Bulletin, 321energy,
Le Monde Diplomatique, The Oil Drum, EV World, e muitos outros. Kurt é um membro fundador da Association for the Study of Peak Oil and
Gas—USA e faz parte do conselho da The
Arthur Morgan Institute for Community Solutions que é voltada para soluções
do pico do petróleo e das alterações climáticas, principalmente nas áreas de
alimentos, transportes e habitação.
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