14-16/11/2014,
[*] Shamus Cooke, Counterpunch
Traduzida
pelo pessoal da Vila Vudu
Por que não
há conversações sérias de paz para pôr fim à guerra na Síria? Depois de ter
roubado a vida de mais de 130 mil pessoas e gerado mais de 9 milhões de
refugiados expulsos de suas casas, a guerra na Síria infectou praticamente toda
a região do Oriente Médio. Mas, mesmo assim, não há qualquer sinal, entre os
EUA e seus aliados regionais, de discussão em torno de algum plano viável de
paz; só se ouve conversa de guerra.
É difícil
discutir projetos de paz, quando os EUA só fazem manobrar para obter mais
guerra, já entregaram recentemente a rebeldes sírios mais de meio bilhão em
armas e para custear treinamento militar, ao mesmo tempo em que negociaram um
acordo com a Arábia Saudita para abrir novo campo de treinamento de rebeldes, além do
que já funciona na Jordânia. Em vez de mobilizar para a paz a vasta influência
que tem no Oriente Médio, Obama usou-a para promover mais e mais guerra.
O
impressionante fracasso das conversações de paz sobre a Síria conduzidas pelos
EUA em Genebra, foi resultado de movimento executado sem a seriedade exigida
pela ação de liquidação de uma nação, como se vê na Síria. Obama serviu-se das
conversações para promover “interesses dos EUA”, e excluiu propositalmente o
Irã daquelas conversações, tentando alavancar poder desproporcional para os
rebeldes do “Exército Sírio Livre” de Obama, que têm poder microscópico em
campo e que usaram as conversações de paz exclusivamente para ali introduzir
demandas descabidas, irrealistas e inaceitáveis.
Obama adotou
posição passiva nas conversas de paz, deixando que gorassem, em vez de fazer
valer propostas sérias, que expressassem a real situação em campo. Desde janeiro
não há conversação alguma, e Genebra III não tem data para começar, com Obama
ocupado exclusivamente com aumentar o poder de barganha dos rebeldes, via
sempre mais guerra. Afinal, a lógica é a de armar cada vez mais e treinar o
mais possível o maior número possível de rebeldes, os quais, adequadamente
armados e treinados acabarão por controlar território suficiente para forçar o
governo de Assad a barganhar em pés de igualdade.
O vácuo
gigante no mercado da paz abriu oportunidades para que Rússia e Egito operem
para introduzir-se, como já se sabe que estão fazendo, como novos líderes
confiáveis na diplomacia do Oriente Médio, em parte para ampliar a própria
influência, em parte para protegerem-se da conflagração do extremismo islâmico
que o conflito está gerando.
Treinamento do ESL patrocinado pelos EUA |
Como Mint
Press noticia, da história em andamento:
Moscou e Cairo preparam-se para uma
conferência entre o regime sírio e a oposição, na esperança de aproximá-los
para que constituam um governo de transição que ‘combata o terrorismo’
(...) Na agenda da conferência que acontecerá entre os dois lados, prevê-se o
estabelecimento, de um governo sírio de transição, com amplos poderes, e que
preservará a autoridade do presidente Bashar al-Assad da Síria sobre o exército
e as forças de segurança.
Se essa
proposta chegar a confirmar-se, será preciso reconhecer amplamente os méritos
da iniciativa no cenário mundial e defende-la – porque o mais provável é que
Obama faça todo o possível para sabotar a paz. Isso, porque os rebeldes de
Obama em campo na Síria — frouxamente reunidos sob o rótulo do “Exército Sírio
Livre” – não têm qualquer poder, o que o processo de paz liderado pela Rússia
deixará bem visível. Além disso, a Rússia usará essa evidência para forçar um
tratado de paz, o que deixará pouco espaço de influência para o governo Obama,
no novo governo. Aí está um acordo de paz que Obama prefere ver bem morto.
Os rebeldes
de Obama continuam a ser força muito débil, e o governo sírio continua a obter
avanços militares substanciosos. Fato imensamente importante (embora
absolutamente não noticiado no ocidente) é que já se assinou um acordo de paz na maior cidade da Síria, Aleppo, modelado conforme os
termos do acordo de paz assinado em Homs, e pelo qual os rebeldes foram
autorizados a retirar-se, depois de entregar as armas, o que devolveu ao
governo do presidente Assad o governo de fato da cidade.
Robert Fisk |
Interessante,
o veterano jornalista Robert Fisk, especialista em Oriente Médio,
questionou recentemente, não a importância do Exército Sírio Livre de Obama,
mas a própria existência do tal exército. Como Fisk explica:
Que eu saiba, o Exército Sírio Livre
anda bebendo café demais em
Istambul. Nunca cruzei com eles – exceto nos primeiros meses
da luta, jamais vi sequer prisioneiros do Exército Sírio Livre... Vocês
entendem. O Exército Sírio Livre, aos olhos dos sírios, não tem existência
real, não existe. Os sírios conheceram a al-Qaeda, Nusrah, vários outros grupos
islamistas e agora, claro, também o ISIS ... Mas acho que não dão muita importância
ao Exército Sírio Livre. Um oficial me disse que alguns “rebeldes” já estão
sendo aceitos de volta no Exército Sírio, para poderem voltar para casa. Outros
foram autorizados a voltar para casa, mas não poderão servir nunca mais no
Exército Sírio. Na minha opinião, o Exército Sírio Livre não passa de mito.
Acho que não existe, e os sírios também pensam como eu.
A análise de
Fisk, sobre o Exército Sírio Livre mostra a perspectiva de muitos que há muito
tempo dizem que o Exército Sírio Livre já foi totalmente absorvido nas milícias
islamistas extremistas. Se ainda existir, o Exército Sírio Livre só sobrevive
precariamente em bolsões irrelevantes. Mas Fisk suspeita que o Exército Sírio
Livre não passe de mito, pura invenção do governo Obama, usado para justificar
o prosseguimento da guerra na Síria.
À parte a
fragilidade das forças de Obama em solo, há razões geopolíticas mais amplas
pelas quais Obama rejeitará qualquer acordo de paz liderado por Rússia/Egito.
Para começar, o governo Obama ainda recentemente, fez mais um gordo
investimento na guerra, doando $500 bilhões aos rebeldes sírios e treinando
milhares mais na Arábia Saudita, ações que, de fato, impossibilitaram qualquer
reconciliação significativa com o Irã.
Obama optou
por reforçar íntimas alianças com estados párias, Arábia Saudita e Israel, e
esses dois querem a Síria destruída. Ao se re-comprometer com Arábia Saudita,
Turquia e Israel, Obama, de fato, abandonou qualquer ideia de paz com Síria e Irã, porque
esses aliados de Obama querem a destruição de Síria e Irã.
Egito (al-Sisi) e Rússia (Putin) querem paz na Síria... Mas os EUA querem guerra |
Se Obama
seguir o comando de Rússia e Egito no processo de paz, seus aliados o
abandonarão, porque já investiram quantidades descomunais de dinheiro, armas e
a própria sobrevida política, em esforço total para que seus governos e
empresas ‘nacionais’ extraiam todo o lucro possível do fim do atual governo
sírio.
Essa é a
base do total impasse geopolítico que se vê no Oriente Médio.
Claro que as
empresas norte-americanas gigantes que se beneficiam do domínio dos EUA sobre o
Oriente Médio vivem hoje de pressionar Obama para que mantenha a guerra. O
impasse já se tornou tão óbvio e destrutivo na Síria, que Rússia e Egito se autointrometeram como negociadores no processo de paz, movimento que ajudará
a promover a alavancagem deles na região, ao mesmo tempo em que força os EUA
para fora.
Independente
de lutas pelo poder regional, se algum acordo racional de paz – negociado pela
Rússia, pelo Egito ou por quem for – chegar a poder ser discutido, o mundo terá
de exigir que todos procurem a paz, porque não se pode admitir que a catástrofe
síria continue.
Obama e seus
aliados regionais já se mostraram totalmente incompetentes e incapazes de
produzir qualquer proposta exequível de paz – sempre mais interessados em
manter a guerra. Obama tem aí mais uma chance para reconhecer o fracasso de sua
guerra por procuração; para aceitar uma paz que já terá custado 100 mil vidas
humanas. Ou continuará obcecadamente avante, expandindo a matança. Pôr fim à
guerra na Síria é tão fácil quanto reconhecer fatos que aí estão à vista de
todos. E redigir um tratado que manifeste os mesmos fatos.
[*] Shamus Cooke é trabalhador de Serviço Social, sindicalista e escritor ligado a Workers Action.
E-mail: shamuscook@gmail.com
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