segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Pepe Escobar: O Califa, pronto para se integrar à OPEP

31/10/2014, [*] Pepe EscobarAsia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O Califa Ibrahim ou Abu Bakr al-Baghdadi
O Califa Ibrahim líder do Estado Islâmico – codinome Abu Bakr al-Baghdadi – jamais cessa de nos surpreender, ele e, principalmente, seus poderosos apoiadores estufados de petrodólares. O Califa é, para todas as finalidades práticas, hoje, um dos “grandes do petróleo”, merecedor de ingressar na Organização dos Países Exportadores de Petróleo, OPEP. Seus bandidos takfiri/ mercenários estão – teoricamente – já há algum tempo, extraindo, refinando, embarcando e/ou contrabandeando e fechando gordos negócios que envolvem vastas quantidades de petróleo, embolsando lucros de cerca de US$ 2 milhões/dia.

Os preços do petróleo do Califa são de morrer (degolado?)! Afinal, ele está praticando a mesma estratégia de preços baixos concebida pelo pessoal que ele quer destronar em Meca, a Casa de Saud. O PIB do Califato em todo o “Siriaque” só tem um rumo a seguir: aumentar sempre.

Abdullah II da Jordânia
E, oh, que ironia! Os principais fregueses para o petróleo barato do Califa são aquele paraíso terrestre do “Sultão” Recep Tayyip Erdogan, codinome Turquia, aliado da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN; e aquele reino do reizinho de Playstation, Abdullah II ibn al-Hussein, que se faz de país, codinome Jordânia.

Entrementes, a gigantesca, imensamente sofisticada orgia de siglas de agências militares de inteligência arregimentada pela liga “livre” EUA/OTAN simplesmente não consegue gravar/ interceptar essa zoeira.

Não surpreende, porque tampouco gravaram/ interceptaram os bandidos do Califa quando estavam tomando vastas fatias do “Siriaque” no verão, embarcados em flamantes versões de picapes cruza-desertos, naquele coruscante cartaz de propaganda de Toyotas brancas.

Quanto à “solução” do Império do Caos, de interceptar os lucros do petróleo do Califa, a única decisão tomada até agora foi bombardearem oleodutos que pertencem à República Árabe Síria, quer dizer, de fato, ao povo sírio.

Nunca subestimem a capacidade da doutrina de política externa do presidente Obama, “Não façam merda coisa estúpida”, para atingir píncaros inimagináveis de estupidez.

Ô, xeique, não dou a mínima: entra por um ouvido, sai pelo outro

E houve também o facinoroso festival de beija-mão do Secretário de Estado John Kerry ao capo da Casa de Saud, que aconteceu em Riad, mês passado.

John Kerry e o Rei Abdullah da Arábia Saudita

Nesse artigo-obra-prima, William Engdahl vai ao fundo, sem meias palavras, do suposto acordo de EUA-Sauditas “petróleo barato/bombardeie-Bashar-al-Assad/enfraqueça a Rússia”. É possível que não tenha sido acordo direto; o mais provável é Washington e Riad trabalhando juntas para objetivos comuns: mudança de regime na Síria no longo prazo; e minar ambos, Irã e Rússia, no curto prazo.

Aquele crucial gambito no Oleogasodutostão, central para a charada síria – um gasoduto que parta do Qatar para uma Síria-pós-mudança-de-regime, em vez de Irã-Iraque-Síria – não é exatamente prioridade dos sauditas, mas, sim, de um Qatar rival.

O que Kerry fez foi levar o selo de apoio da Voz do Dono à estratégia saudita de baixos preços do petróleo, pensando no curto prazo (consumidores norte-americanos nas bombas de gasolina) e, no médio prazo, pressionando os ganhos de ambos, do Irã e da Rússia. Evidentemente ninguém mais fala do fracasso da indústria norte-americana do gás de xisto (shale gas e obtido pelo criminosamente poluidor fracking [Nrc]).

Os sauditas, por sua vez, têm outras considerações chaves, dentre as quais recuperar sua fatia de mercado em toda a Ásia, onde estão localizados seus maiores consumidores. Estão perdendo mercado por causa do cru vendido com desconto pelo Irã e pelo Iraque. Assim, ambos esses países têm de ser “castigados”; além da aversão doentia da Casa de Saud contra todos os xiitas.

General John Allen
Quanto ao grande quadro na Síria, o capo de Obama para negociações com o Califa, o general John Allen, estabeleceu a tábua da lei, no jornal saudita Asharq Al-Awasat. Disse que:

Não haverá solução militar aqui [na Síria].

Disse também que:

O objetivo não é criar uma força em campo para libertar Damasco.

Tradução automática: aqueles bandidos velhos de antes, os “estamos derrotando Assad com o Exército Sírio Livre” já foram enterrados sete palmos no chão. E os bandidos novos do novo Exército Sírio Livre a serem treinados – e onde mais seria?! – na Arábia Saudita, não estão sendo vistos exatamente como santos salvadores de coisa alguma. Para todas as finalidades práticas, no cenário de médio prazo só se veem mais bombardeios norte-americanos (só bombardeiam infraestrutura síria, patrimônio do povo sírio); não se cogita de mudança de regime em Damasco; e o Califa continuará a consolidar seus ganhos.

E finalmente... o fator Hollywood

Imagine se aquela esfarrapada al-Qaeda “histórica” tivesse todos esses recursos super descolados, de propaganda e Relações Públicas! Guerreiros barbudos, de turbante, armados com velhas Kalashnikovs em cavernas no Afeganistão... tudo tão démodé! O Califa não apenas contrabandeia dezenas de milhares de barris de petróleo todos os dias sem ser perturbado, mas também usa um refém britânico, como seu correspondente estrangeiro (que deve ter-se convertido ao salafismo), e que fala diretamente de uma Kobani completamente deserta, a minutos de ser completamente capturada por um bando de takfiris e mercenários (com certeza não são mujahideen). Vídeo a seguir:


A produção é de primeiríssima. Impossível não se ver a alta qualidade da produção. A reportagem especial do Califa começa com uma longa tomada feita do alto, por um drone, da cidade de Kobani. Será drone norte-americano? [1] Terá sido capturado no Iraque? Serádrone israelense? Turco? Britânico? Os takfiris ainda não entraram na sintonia fina daLockheed Martin – ainda não.

Enquanto isso, em solo, só agora Ancara afinal permitiu que 200 peshmergas do Curdistão Iraquiano – cujos líderes escorregadios têm negócios com a Turquia – atravessassem a fronteira para, em teoria, ajudar Kobani. Nem soldados, nem armas nem suprimentos são permitidos para as forças do PKK/PYD curdos que, até agora, realmente defenderam Kobani. A procrastinação sem fim, pelo sultão Erdogan, será um dia condenada, em qualquer tribunal independente, como o principal fator que possibilitou a possível queda de Kobani.

O primeiro-ministro turco Ahmet Davutoglu já apresentou, mais uma vez, as “condições” para que seu país ajude a – até agora espetacularmente inócua – campanha dos EUA contra o Califa: Kobani terá de ser libertada só por peshmergas iraquianos e por restos dos bandidos do Exército Sírio Livre que andem por lá; não, em nenhum caso, por “terroristas” (como os membros do PKK/PYD).

Mapa da região de Kobani
A verdade é que Kobani – localizada precisamente na fronteira entre o sudeste da Anatolia e o norte da Síria – é altamente estratégica. A situação em campo é terrível. Devem ainda estar lá pouco mais de mil moradores, cercados dentro das próprias casas. Para protegê-los, pouco mais de 2 mil combatentes curdos sírios, inclusive a Brigada Ishtar, de mulheres. Só 200peshmergas vindos do Curdistão Iraquiano não farão grande diferença, contra vários milhares dos bandidos do Califa, fortemente armados e contando com pelo menos 20 tanques. Não parece bem parado, embora, diferente do que ‘informa’ a reportagem do refém britânico aprovado pelo Califa, os falsos “mujahideen” ainda não tenham conseguido controlar toda a cidade.

O Califa, de qualquer modo, não parará. Absolutamente nada do que acima se comenta seria nem remotamente possível, sem a cumplicidade semiclandestina/ semideclarada dos EUA/ Ocidente, o que prova, de uma vez por todas, que o Califa é dádiva caída do céu, para alimentar a eterna Guerra Global ao Terror [ou, como Bush dizia, “Guerra Global ao Terô”] GGaT. E Dick Cheney? Por que nunca pensou nisso?

Nota dos tradutores
[1] No filme, lê-se “Drone do Exército do Estado Islâmico”. Cróóóóóóózes!
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing HouseRed Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia TodayThe Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
− Seu novo livro,  Empire of Chaos, será publicado em novembro/2014 pela Nimble Books.

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