sábado, 21 de fevereiro de 2015

Grécia – É uma Revolução, estúpido!

18/2/2015, [*] Mathew D. Rose (Berlim), Naked Capitalism
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Ver também “Discurso Neil Farage, líder do UKIP [1], no Parlamento Europeu” (ing.) a seguir:


Temo que tanta gente [pautada pela imprensa-empresa (NTs)] tenha ficado tão fixada na dívida grega e no destino do euro, que ignoraram completamente as dimensões políticas do atual conflito na Europa, as quais não são menos dramáticas. A disputa em curso entre os governos da Alemanha e da Grécia é nada menos que uma revolução democrática contra a hegemonia alemã, e uma tentativa, pelos alemães e seus paladinos na União Europeia para ditar a política doméstica grega. É uma luta dos gregos para restabelecer a própria soberania nacional. E, o que é mais, é a primeira vez na história da União Europeia que um partido político com autênticas credenciais de esquerda governa um estado-membro.

Para a reacionária Alemanha, com sua agenda neoliberal, é intolerável. Esse conflito é profundo, se não existencial, e bem pode ser intratável.

O povo grego tomou uma decisão de deliberar, os próprios gregos, contra um regime repressivo de arrocho [orig. austerity] e o correspondente desastre humanitário. Os alemães, por sua vez, falam dos desenvolvimentos dos últimos cinco anos na Grécia como se tivesse sido indiscutível sucesso. Sim, foi um sucesso, no sentido de que franceses e alemães conseguiram “resgatar” os próprios bancos, deixando a conta para ser paga pelo povo grego. Foi até maior sucesso ainda, dado que a Grécia ficou sem a autonomia política e econômica de antes – com a ajuda dos traidores Antonis Samaras e Evangelos Venizelos.

Antonis Samaras e Evangelos Venizelos
O governo alemão nunca quis qualquer reforma democrática na Grécia, e sempre cuidou de proteger as elites políticas e financeiras, perpetradoras da crise financeira grega. Sucesso, nesse caso, significou a Grécia reduzida a estado vassalo, cultuando o mercado acima de qualquer outro valor, onde as empresas multinacionais, inclusive as alemãs, podiam comprar por preço barato lucrativas empresas estatais gregas, e turistas alemães podiam usufruir de feriados ou comprar mansões de veraneio a preços reduzidíssimos. O que aconteceu na Grécia com o chamado “resgate” foi ocupação – não por tropas e panzers, mas por meios financeiros.

Depois das recentes eleições na Grécia, a Alemanha e suas elites “comprador” na União Europeia estão deixando bem claro quem manda. Os alemães não estão oferecendo nenhum tipo de troca, e só fazem repetir sempre a mesma exigência violenta, brutal: a Grécia tem de aceitar o que a mandam fazer; em outras palavras, ou capitula ou será aniquilada. Dessa vez, não são Wehrmacht und Luftwaffe que obrigam a nação grega à submissão, mas a falência nacional, arma igualmente letal.

Verdadeira desgraça é o papel que tem nisso o povo alemão, que sinceramente acredita que os alemães sejam “os mocinhos”, campões de democracia e justiça, façam o que fizerem. Há um dito alemão que não se deve subestimar: “Am deutschen Wesen mag die Welt genesen” [O caráter alemão pode corrigir o mundo]. Na Alemanha, onde banqueiros são cultuados como divindades e bancos como locais sagrados, o governo é comandado por interesses empresariais; os alemães fazem pose de alta moralidade social, mas os reais interesses do chamado “resgate” da Grécia – salvar os bancos alemães – nada têm a ver com valores morais.

Assim, o governo alemão, ajudado pela imprensa-empresa, serviu-se de velhas ferramentas políticas: nacionalismo e racismo. A crise financeira na Europa e Grécia deixou de ser uma narrativa de bancos privados que enganam, mentem, chantageiam e corrompem, para passar a ser apresentada como narrativa de europeus do sul – que enganam, mentem, chantageiam e corrompem. É surpreendente, se não chocante, o quão rápida e facilmente os alemães, muitos dos quais são normalmente dotados de alta sabedoria política, estavam prontos para abraçar esse discurso. Será difícil para o governo alemão retroceder no que já é hoje questão muito emocionalmente carregada.


Acrescente-se a isso que nenhuma nação ganhou tanto na crise do euro, quanto a Alemanha, catapultada agora para seu novo papel hegemônico dentro da União Europeia. Segundo o Bundesbank, o governo alemão, no final de 2014, havia economizado 152,4 bilhões de euros em pagamentos da dívida, graças aos juros baixíssimos que paga pelo crédito que toma, desde o início da crise. O valor deprimido do euro, também produto da crise, foi um maná para a economia alemã orientada para a exportação e retornos de investimentos em outros países. Por isso, os alemães foram induzidos a ignorar a crise humanitária que crescia junto às casas deles.

Infelizmente, nacionalismos incendeiam nacionalismos, e pode estar aí o fulcro de futuros desenvolvimentos. Embora bancos e a União Europeia sejam oponentes sem feições bem delineadas, a Alemanha não é assim e têm feições muito claras. Os europeus, como seus contrapartes alemães, são versados em nacionalismo. Enquanto a ira continental vai-se concentrando contra a Alemanha – e a feroz intransigência do governo alemão contra a Grécia reforça essa emoção triste – cresce também o potencial terrível de um revide político.

A Grécia jogou brilhantemente a sua cartada política. Apresentaram seu programa humanitário e democrático, ganharam estatura no campo moral, ofereceram concessões e planos para pôr em ação o seu projeto. Os gregos encarnaram o verdadeiro espírito da União Europeia. O Eurogrupo, liderado escandalosamente pela Alemanha, só faz exigir a perpetuação do programa de arrocho que impôs e quer continuar a impor.

Problema é que a coligação Syriza não é um partido social-democrata qualquer, desses que não tem qualquer escrúpulo em afogar os próprios eleitores no rio dos seus planos de arrocho [“austeridade”] [como o PSDB/DEM no Brasil (Nrc)]. Syriza parece sinceramente comprometida com democracia e reforma – e preparada para lutar por elas. Apesar de o governo grego não ter acusado diretamente o governo alemão como responsável pelo problema, a percepção de muitos europeus é que o “Alemão Feio” está de volta ao cenário político.

O "alemão feio" volta ao cenário político
Isso pode vir a ter papel decisivo nas negociações nas semanas vindouras. Se a Alemanha pegar duro demais contra a Grécia, ou se arrastar a Grécia à falência e para fora do euro – todos os partidos antiarrocho [“antiausteridade”] do sul da Europa serão igualmente agredidos. Esses, como a Alemanha já fez antes deles, podem também converter um conflito econômico em conflito entre nacionalismos, simplesmente olhado pela perspectiva oposta: os alemães repressivos, gananciosos, sedentos de poder, ali, outra vez, saqueando a Europa, exatamente como se viu acontecer há 75 anos. Esse quadro será utilizado pela esquerda, tanto quanto pela direita. Em pouco tempo a Alemanha terá de enfrentar não só o governo grego, mas os governos de Espanha, Itália, França e Portugal.

Como historiador, sei que de pouco serve especular se a história repete-se ou não, mas há algo muito perturbador na atual situação. Com todos com quem falo em quase toda a imprensa-empresa anglo-saxônica, todos analisam a situação com a Teoria dos Jogos – mais especificamente, com o Chicken Game, literalmente “Jogo da Franga”, aparentemente muito em moda atualmente. Para eles, gregos e alemães deixarão as coisas correr até o último limite. Qualquer outra coisa parece-lhes loucura. Há 101 anos, era exatamente o que se dizia na Europa envolvendo os alemães, no conflito entre Sérvia e Áustria-Hungria. Foi quando eclodiu a Iª Guerra Mundial. 

Nota:
[1] UKIP – United Kingdom Independent Party (trad. Partido Independente do Reino Unido)
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[*] Mathew D. Rose (nasceu em 1954) é um jornalista naturalizado norte-americano, mas nascido na Alemanha. Estudou História Moderna na Universidade da Califórnia Berkeley e em Londres. Trabalha atualmente como jornalista free lance investigativo e focado nos acontecimentos desde os meados da década de 1990, especialmente na detecção de corrupção e nepotismo em Berlim.
Rose atua em muitas publicações como:  Der SpiegelHandelsblatt, e em vários jornais. Escreveu alguns livros.
Rose estava na investigação de escândalo do Berliner Bank e obteve em 2002 (juntamente com Ursel Sieber) 3º lugar no Prêmio de Jornalismo Helmut Schmidt.

2 comentários:

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