*Adriano
Benayon
- 13.12.2011
2.
Embora as modificações desse acordo aos Tratados da UE dependam de aprovação
legal em cada país membro - processo que poderia durar anos - os manipuladores
financeiros assumiram o poder na marra e irão em frente, a menos que o impeça a
resistência dos povos, ainda sem organização.
3.
Com a experiência da pequena Islândia, em duas consultas ao povo, a última em
abril de 2011, os predadores perceberam que qualquer outra, em qualquer país,
implica a derrota de suas proposições. Bastou o ex-primeiro-ministro da Grécia
falar em referendo para ser demitido.
4.
Mesmo antes de 09.12.2011 - quando foi encenada “reunião de cúpula”, e Sarkozy
(França) e Angela Merkel (Alemanha) anunciaram o tal “acordo” - o Goldman Sachs
(GS) já havia posto três de seus prepostos em posições-chave: Mario Draghi,
presidente do Banco Central Europeu; Mario Monti, primeiro-ministro da Itália;
Lucas Papademos, primeiro-ministro da Grécia, envolvido em operações do Goldman
Sachs com a dívida grega resultantes em sua elevação.
5.
Os países da Zona Euro (os 17 membros da UE cuja moeda é o euro) serão obrigados
a aceitar o “acordo”. Sarkozy e Merkel dizem que os dirigentes dos outros 15
países foram consultados, mera formalidade. Nove outros Estados participam da
União Europeia, mas não adotam o euro: Reino Unido e Dinamarca (isentos), e mais
sete que poderiam ainda aderir à Zona.
6.
Aqueles porta-vozes apresentaram o pacote envolto neste rótulo: “salvar o euro”;
“reforçar e harmonizar” a integração fiscal e orçamentária da Europa. Na
realidade, trata-se de destruir a Europa econômica e politicamente, sem garantir
a sobrevida do euro, além de aprofundar a depressão, com o arrasamento das
políticas de bem-estar social, instituindo uma espécie de “lei de
responsabilidade fiscal”, como a que manieta o Brasil.
7.
O “acordo” impõe duras sanções aos países que não o cumpram, ademais de ser
fiscalizados pelo Tribunal Europeu de Justiça. Os Chefes de Estado e de governo
passam a reunir-se mensalmente durante a crise. Com isso, reduz-se o poder dos
burocratas da Comissão Europeia, mas essa mudança nada altera, dado que estes
também executam fielmente os desejos oligarquia
anglo-americana.
8.
Sarkozy é cópia piorada de Mussolini, pois este pôs os bancos sob controle do
Estado – e não o contrário, como se faz agora com a Europa, EUA etc. Submisso às
diretivas da oligarquia financeira, o presidente da França declara que os
benefícios sociais não são sustentáveis, na hora em que eles são mais
necessários que nunca, dado o desemprego grassante.
9.
O pacote quer obrigar, punindo os que não o cumpram, que os países da Zona Euro
reduzam seus déficits orçamentários para 0,5% do PIB, ou seja, seis vezes menos
que o limite de 3%, prescrito no Tratado de Maastricht.
10.
Isso significa que Grécia, Itália, Espanha, Portugal e outros terão de cortar
ainda mais despesas, depois de já as terem cortado, fazendo, assim, a depressão
aprofundar-se. A depressão já causou queda nas receitas fiscais. Combinada a
queda das receitas fiscais com o crescimento do serviço da dívida pública,
decorrente da alta das taxas de juros, temos, juntos, dois fatores de elevação
do déficit orçamentário.
11.
Que fazer? Cortar toda despesa que não as da dívida, desmantelando as políticas
sociais e deixando de investir na infra-estrutura econômica e na social. Isso
trará, entre outros danos irreparáveis, o aumento da disparidade entre membros
mais e menos desenvolvidos, inviabilizando a permanência destes na Zona Euro, o
que implica sua desintegração.
14.
Essa rejeição deve levar ao fim do euro, se este já não está perto do fim mesmo
sem ela. Traz consequências danosas para a própria Alemanha e para a França,
pois obriga os devedores mais problemáticos a continuar pagando taxas de juros
demasiado elevadas nos seus títulos.
15.
Isso promove crise ainda maior de suas dívidas, com o que credores - bancos
alemães, franceses e norte-americanos - chegarão mais rápido ao colapso.
Mostra-se, portanto, quimérica outra pretensão do “acordo”: a de enquadrar os
países no limite de 60% do PIB para suas dívidas.
16.
Não é para a União Europeia que os países europeus estão perdendo a soberania. É
em favor da oligarquia financeira que renunciam formalmente, através de atos
irresponsáveis de seus chefes de governo.
18.
Os analistas ligados ao sistema de poder atribuem a crise dos países europeus
mais pobres a terem, estes, gasto acima de suas possibilidades e, mesmo
economistas mais sérios, oferecem explicações para a débâcle europeia que omitem sua causa
principal.
19.
Essa causa é a depressão econômica mundial, resultante do colapso financeiro
armado pela finança oligárquica centrada em Nova York e Londres. Ele eclodiu em
2007, iniciando a depressão que se desenha como a mais profunda e longa da
História, se não for interrompida pela terceira guerra mundial, planejada pelo
complexo financeiro-militar dos EUA.
20.
Martin Feldstein, professor de Harvard, aponta diferenças institucionais e nas
políticas monetária e fiscal entre os EUA e a UE. Ele e muitos, como Delfim
Netto, atribuem grande importância à taxa de câmbio. Argumentam que os europeus
em crise não têm como desvalorizar a moeda para se tornarem mais competitivos,
uma vez que adotaram o euro.
21.
Robert Solow, prêmio Nobel, salienta que a UE transfere recursos de pequena
monta aos membros menos avançados, pois o
orçamento unificado da UE equivale a só 1% de seu PIB. Já nos
EUA
o governo federal fez vultosas transferências
de recursos aos Estados e para regiões críticas.
22.
Ainda assim, Itália, Espanha, Grécia, Portugal suportaram a situação até surgir
a depressão mundial. Tendo exportações de menor conteúdo tecnológico que
Alemanha, Holanda, França, e dependendo do turismo, foram duramente atingidos
até pela queda da produção e do emprego nos países ditos ricos, inclusive
extra-continentais, como EUA e Japão.
24.
Os europeus envolveram-se na onda dos derivativos, quando bancos suíços e
alemães adquiriram alguns bancos de investimento de Wall Street. Mesmo assim, os bancos dos
EUA estão tão ou mais encalacrados que os europeus nos títulos podres
resultantes da abusiva criação dos derivativos.
25.
Ademais, Grécia, Espanha, Itália e outros foram enrolados pela engenharia
financeira de Wall Street, Goldman
Sachs à frente, que lesou investidores, camuflando os riscos, além de
proporcionar créditos àqueles países, ao mesmo tempo em que fazia hedge, jogando contra seus devedores,
com o resultado de elevar os juros das dívidas.
26.
O assaltante está tendo por prêmio ficar com a casa do assaltado. Mas, antes da
ocupação dos governos pelos bancos, agora ostensiva, as pretensas democracias
ocidentais já não tinham autonomia, mesmo com parlamentos eleitos escolhendo o
primeiro-ministro.
27.
Como os principais partidos políticos são controlados pela oligarquia financeira
– na Europa, nos EUA etc. - e se diferenciam apenas por ideologias pró-forma,
acomodáveis a qualquer prática, pode-se dizer que a escolha eleitoral se limita
à marca do azeite com o qual os eleitores serão fritados.
28.
O “acordo” agora imposto à Europa surge como culminação de uma guerra financeira
que completa o trabalho realizado nas duas primeiras Guerras Mundiais. Estas
destruíram a Alemanha e a França como grandes potências. O império
anglo-americano só não conseguira retirar esse “status” da Rússia, mas o logrou,
ao final da Guerra Fria (1989), conquanto a Rússia busque agora
recuperá-lo.
29.
Para que a Europa não afunde, terá de tomar rumo radicalmente diferente daquele
em que foi colocada e no qual segue em aceleração impulsionada pelo “acordo” a
ser celebrado, a pretexto de salvar a moeda única.
30.
O General De Gaulle, nos anos 60, insurgiu-se contra o privilégio dos EUA, de
cobrir seus enormes déficits externos, simplesmente emitindo dólares, e exigiu a
conversão para o ouro das reservas da França. Profeticamente advertiu que a
entrada da Inglaterra na UE seria uma operação “cavalo de
Troia”.
31.
Hoje o dólar continua sendo sustentado pela condição de divisa internacional,
instituída em 1944 (acordos de Bretton Woods), e mais ainda pelo poder militar.
Os EUA forçam, por exemplo, que seja liquidado em dólares o petróleo comerciado
entre terceiros países.
32.
Percebe-se o móvel de desviar para a Europa o foco da crise econômica e
financeira, que deveria estar nos EUA e do Reino Unido. Ele foi posto na
Eurolândia, através de jogadas dos bancos de Wall Street com suas subsidiárias
baseadas no grande paraíso fiscal que é a City de Londres.
33.
Os mercados financeiros parecem teatro do absurdo. Se não, como explicar que os
títulos de longo prazo norte-americanos paguem juros de menos de 2% aa.,
enquanto os da Itália, de dois anos de prazo, subiram para 8% aa.? E como
explicar que a cotação do risco de crédito da Alemanha e da França esteja sendo
rebaixada, enquanto isso não se dá com os títulos
norte-americanos?
34.
Deveria ser o contrário, pois:
1) as
emissões de dólares em moeda e em títulos públicos são muito maiores que as de
euros;
2) a
dívida pública dos EUA atinge 120% do PIB (muito mais que os países da Zona
Euro), e seria muitíssimo maior sem as enormes compras de títulos do Tesouro dos
EUA pelo FED e as emissões desbragadas do FED;
3) o
déficit orçamentário dos EUA supera 10% do PIB, enquanto a média europeia é 4%.
4) O
déficit nas transações com o exterior dos EUA, em 2010, correspondeu a 3,9% do
PIB, enquanto a Alemanha teve superávit de 5,7% do PIB, e os déficits da França
e da Itália foram 2% e 3% do PIB.
35.
Não bastasse, os grandes bancos americanos têm vultosas carteiras de títulos
podres (sobre tudo derivativos), mesmo depois de grande parte deles ter sido
comprada pelo FED e por agências do governo dos EUA, em operações caracterizadas
por grau incrível de corrupção.
36.
Como aponta o Prof. Michael Hudson, um quarto dos imóveis nos EUA vale menos que
suas hipotecas. Cidades e Estados estão em insolvência, grandes companhias
falindo, fundos de pensão com pagamentos atrasados.
38.
O artigo 123 do Tratado de Lisboa proíbe o BCE fazer o que os bancos centrais
devem fazer: criar dinheiro para financiar déficits do orçamento público e rolar
as dívidas do governo. Tampouco o pode o banco central alemão, por força da
Constituição da Alemanha (país ocupado).
39.
Conclui Hudson: “se o euro quebrar
será porque os governos da UE pagam juros aos banqueiros, em vez de se financiar
através de seus próprios bancos centrais”. Dois poderes caracterizam o
Estado-Nação: criar dinheiro e governar a política fiscal. O primeiro já não
existia para os europeus, e o segundo está sendo cassado com o presente
“acordo”.
*Adriano
Benayon é Doutor em
Economia e autor de “Globalização versus Desenvolvimento”
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ResponderExcluirColoco duas informações úteis ao esclarecimento dos meus leitores e amigos. Segundo o analista Alex Jones, a Dívida Pública dos USA é de cerca de 14 triliões de dólares e o valor total de aplicações tóxicas, que estiveram na origem da actual crise financeira, é de 1 500 triliões de dólares. São números de escala astronómica que não estão ao alcance da percepção do homem comum. O valor último, por exemplo, se o quiséssemos resgatar, o dinheiro físico (papel moeda) que neste momento circula no conjunto dos países não chegaria, embora este seja também dinheiro de natureza espúria, sem qualquer valor intrínseco, mera representação de nada… Dá que pensar, não dá?
Artur Rosa Teixeira (Portugal)