1/12/2011, *M K
Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido pelo
Coletivo da Vila Vudu
Na 2ª-feira, o
poderoso Conselho de Guardiães do Irã endossou a decisão do Parlamento
(Majlis), aprovada na véspera, de rebaixar [orig. downgrade] as relações com a
Grã-Bretanha. A velocidade com que o processo evoluiu e cresceu diz claramente
que essa é decisão tomada nos níveis mais altos da liderança iraniana.
Esse fato e o
apoio decidido e entusiasmado que o movimento encontrou no Majlis indicam também que o lócus do poder no Irã está caminhando na direção
de linha cada vez mais dura.
O movimento inclui
expulsar o embaixador britânico de Teerã e rebaixar a representação para nível
de “charge d'affaires”. Na 3ª-feira à tarde, dúzias de manifestantes
iranianos invadiram o complexo britânico em Teerã, rasgaram a bandeira e
lançaram documentos pelas janelas.
Os
manifestantes gritavam três slogans principais: “Abaixo a Grã-Bretanha”, “Abaixo
os EUA” e “Abaixo Israel” [orig.
Down with Britain, Down with
America e Down with Israel]. Exibiam fotografias do cientista
iraniano e do Comandante do Corpo de Guardas Islâmicos Revolucionários
major-general Qassem Soleimani. Na 3ª-feira completou-se um ano do assassinato
de Shahriari – que se acredita que tenha sido assassinado pelo Mossad
israelense, com apoio do Serviço Secreto Britânico, MI6.
Resposta
assimétrica
O ponto de virada
deve ter sido as providências, em Londres, para remover o grupo Mojahedin-e
Khalq (MKO) da lista de organizações terroristas. O MKO foi autor de alguns dos
mais devastadores ataques terroristas da história da República Islâmica do Irã.
Teerã considera o MKO responsável por mais de 17 mil mortes, ao longo dos anos.
Os mais ‘afamados’ dos ataques atribuídos ao grupo foram, como se sabe, o
assassinato do Aiatolá Muhammad Behesti (que ocupa o segundo lugar, só inferior
ao do Imã Ruhollah Khomeini, no panteón dos líderes revolucionários) em junho de
1980, e do presidente eleito, extremamente popular, Muhammad Rajayi, em agosto
do mesmo ano. Um segundo ataque terrorista por pouco não matou todos os líderes
revolucionários abaixo de Khomeini.
Uma das ironias
mais estranhas da história moderna é que a inteligência ocidental dependa hoje
dos terroristas do MKO – que praticam um
mix ideológico de
marxismo, nacionalismo e islamismo –, como principal instrumento com que contam
para desestabilizar e subverter o regime islâmico no Irã.
O pessoal da
segurança iraniana e o Hezbollah libanês, em gigantesca operação de
contrainteligência em Beirute, desmontaram toda a rede de inteligência da
CIA-EUA no Líbano e no Irã.
Aparentemente, a CIA estaria usando o Líbano como
“ponte” para entrar no Irã, dada a relativa liberdade de movimento entre os dois
países. Nos meses de maio e junho, as forças de segurança do Irã prenderam mais
de três dúzias de iranianos que trabalhavam para a CIA. [1] As investigações, ao longo dessa operação,
revelaram que recentes operações clandestinas contra o Irã estavam sendo
conduzidas, como operação conjunta, por CIA, Mossad e o grupo MKO.
Nesse contexto, o
movimento dos britânicos para reabilitar os terroristas do MKO (cujos líderes
têm base em Bruxelas e viajam livremente entre as capitais europeias) enfureceu
Teerã ao ponto, pode-se dizer, máximo. Parece ser a verdadeira causa da atual
crise. Teerã recorre a resposta “assimétrica” e ataca o símbolo do poder
britânico, porque não tem meios para responder na mesma moeda a ofensa que lhe
fizeram os britânicos.
Os laços entre Irã
e Grã-Bretanha estão em processo de congelamento. Sempre foi relacionamento
extremamente conturbado, em termos históricos, e alcançou ponto máximo de
combustão, na história recente, no golpe que derrubou o governo de Mohammed
Mossadeq no Irã, em 1952 – que muitos atribuem à CIA, mas, de fato, foi obra dos
ingleses do MI6. O Irã jamais esqueceu. O Irã sabe, melhor que muitos países,
que a Grã-Bretanha continua a ser o ‘cérebro’ por trás das políticas dos EUA –
seja no Iraque, no Afeganistão, na Síria ou em Myanmar.
Os britânicos com
certeza levarão sua queixa contra o Irã aos conselhos europeus e buscaram algum
consenso “regional” no mundo ocidental, para que os movimentos diplomáticos
contra o Irã sejam feito em uníssono. O mais provável é que, dado o tom da
indignação em Londres, países como a Alemanha, que têm grandes interesses no
Irã, alinhem-se com os “ofendidos”. Simultaneamente, será boa ocasião para tomar
o pulso da unidade europeia, com vistas às próximas “intervenções” na situação
do Irã, nos próximos meses.
Pode-se dizer que essa questão será uma espécie de
‘test drive’ para o Oriente Médio. As linhas estão sendo traçadas, e a
noite das longas facas [2] está começando.
Todos entendem. E, para os regimes autocráticos do Golfo Persa, não há esquina
onde se esconder. A apressada visita do rei Abdullah da Jordânia a Israel mostra
o pânico, ante a tempestade que cresce no horizonte. Os esforços inauditos da
Arábia Saudita para dividir a região entre sunitas e xiitas, por linhas
sectárias, deram em nada.
A rua árabe de
modo algum aceita que o ocidente ataque o Irã. Isso é o que mais preocupa
Abdullah. E se a indignação das massas irromper na Jordânia?
Não há qualquer
dúvida de que EUA e Israel trabalharão dia e noite nas capitais europeias,
tentando obter que o ocidente rebaixe os laços com o Irã; se conseguirem,
imediatamente se porão a bater os tambores do “isolamento do Irã na comunidade
internacional”. O mais provável é que nada consigam, além de mais propaganda.
Evidentemente, Teerã já contabilizou a agitação diplomática que virá por
retaliar contra britânicos, e decidiu que, mesmo assim, manterá o processo de
rebaixar os laços.
O quê, então,
passa hoje pelas cabeças iranianas? Podem-se extrair algumas conclusões
importantes.
Em
primeiro lugar,
Teerã dá por comprovado que o eixo EUA/Grã-Bretanha/Israel está girando na
direção do confronto. Já nem a ambiguidade estratégica – “todas as opções estão
sobre a mesa” – existe hoje, depois do discurso político muito beligerante do
Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Tom Donilon na Brookings Institution, em Washington,
semana passada.
Evidentemente, Donilon fala pelo
presidente Barack Obama, que sabe o quanto é crítica a situação, cada dia mais
supercarregada, no Oriente Médio:
Ampliamos a
presença significativa e forte dos EUA na região. Além disso, trabalhamos para
desenvolver uma rede de mísseis de defesa aérea, comunicação partilhada de
alertas, melhoramos a segurança marítima, estreitamos os contatos de cooperação
antiterrorismo, expandimos os programas para aumentar capacidade parceira, e
aumentamos esforços para proteger a infraestrutura crítica de nossos
parceiros.
Esses
passos mostram claramente a Teerã que será fútil qualquer tentativa para dominar
a região. E mostram que os EUA estão preparados para qualquer contingência.
(...) O presidente Obama disse recentemente, semana passada, que todas as opções
estão sobre a mesa, não excluímos nenhuma, na busca de nossos objetivos
básicos. [3]
Em
segundo lugar, Teerã dá por certo que o confronto
pode acontecer ainda durante o primeiro mandato de Obama – porque um ataque ao
Irã pode garantir a eleição de Obama para um segundo mandato. O modo como o
governo Obama inflou a tensão com o Irã, praticamente ao mesmo ritmo e a partir
do primeiro instante da campanha presidencial, é detalhe que não escapou aos
analistas iranianos.
Em
terceiro lugar, não restam alternativas ao Irã,
além de dobrar as apostas, porque, hoje, já não se trata, sequer, de o Irã
“flexibilizar” ou não a questão nuclear; ou de ser ou não ser “conciliador” na
questão israelense; ou de ser ou não “moderando” na questão palestina e nos
conflitos do mundo árabe. Trata-se de pura
realpolitik e ostentação
de poder.
Situação similar
configurou-se em 1980, quando pouco importava a Teerã o que EUA e Grã-Bretanha
pensassem sobre sua revolução. Acontece contexto semelhante, hoje: Teerã entende
que, em todos os casos, sua situação sempre será melhor sem
os britânicos, do que com eles por ali. A consciência histórica iraniana
ainda vê a Grã-Bretanha Imperial como serpente venenosa que, vez ou outra, salta
de lá, dos confins da Índia, para tentar devorar o sumarento fruto persa.
Memória
coletiva
O
animus contra a
Grã-Bretanha aparece claramente na declaração lançada pelos estudantes que
invadiram a embaixada:
“A embaixada das velhas raposas já
deveria ter sido ocupada há 33 anos! Todos os iranianos de mente aberta, cujo
coração bata pela própria terra e conheçam os crimes que o velho colonialismo
britânico cometeu contra o Irã e os iranianos sabem que a ocupação da embaixada
das velhas raposas atende aos interesses do Irã, aos nossos interesses
nacionais”. [4]
Declarações
recentes de comandantes militares do Irã já alertaram que o Irã tem capacidades
conhecidas (e desconhecidas) para retaliar, se o país for atacado. Com o alerta
explícito, os iranianos tentam injetar um pouco de racionalidade nos discursos
de EUA e Grã-Bretanha os quais, de fato, já beiram o total delírio, no que dizem
das políticas e decisões dos iranianos. Mas Teerã sente que, doravante, de pouco
servirá tentar influenciar o movimento das engrenagens internas que arrastam as
decisões do governo Obama.
Na avaliação dos
iranianos, o que está acontecendo é que Obama absolutamente não tem interesse
algum em ouvir a narrativa iraniana. Obama está sendo arrastado, agora,
exclusivamente, pela obsessão de reeleger-se em 2012. Os interesses da campanha
para a reeleição obrigam o presidente a distanciar-se, no discurso político, dos
sucessivos fracassos de seu governo no plano econômico. Uma “mudança de regime”
na Síria, e qualquer passo que Obama consiga apresentar à opinião pública como
ataque contra o Hezbollah, são exatamente o que mais interessam a Obama, para
reaquecer sua imagem de “líder que lidera a partir da retaguarda”.
Com espantoso grau
de firmeza, Donilon prosseguiu, no discurso na Brookings:
“O fim do regime de [Bashar al-]
Assad [na Síria] será a maior derrota para o Irã na região, golpe estratégico
que desequilibrará o poder na região, contra o Irã. Teerã terá perdido o seu
principal e mais próximo aliado na região”. [3]
A
verdade é que, quanto mais considera o contexto regional, mais cresce o fervor
“revolucionário” em Teerã. Teerã associou a beligerância de Donilon ao
deslocamento do porta-aviões nuclear USS George H W Bush para a Síria. A 6ª
Frota dos EUA também patrulha o Mediterrâneo ocidental ao largo da Síria. EUA e
Turquia instruíram seus cidadãos a deixar a Síria.
Mais
uma vez, o vice-presidente dos EUA Joseph Biden chegou de surpresa ao Iraque, a
caminho da Turquia, para manifestar o apoio de EUA ao ataque intervencionista da
Turquia contra a Síria. Na 3ª-feira passada, pela primeira vez, o ministro de
Relações Exteriores da Turquia Ahmed Davutoglu sinalizou, embora indiretamente,
que seu país estaria pronto para invadir a Síria. (...) [5]
O dilema que a
Turquia e seus aliados ocidentais enfrentam é que a grande maioria do exército
sírio permanece fiel ao regime. A folha de parreira de sempre – uma suposta
“resistência” síria – não está acessível, dessa vez. E, sem a folha de parreira,
todas as vergonhas de a Turquia e aliados invadirem a Síria ficariam expostas.
Turquia e seus aliados ocidentais contam com mercenários líbios, já deslocados
para a Síria, para superar esse entrave operacional.
Em resumo, o que
se pode ler escrito nas estrelas é que, sim, um ataque ocidental liderado pela
Turquia, contra a Síria, está tomando forma. A França já requereu abertamente
que se crie um “corredor humanitário” apoiado pela União Europeia, que permita
que a inteligência ocidental e conselheiros militares avancem pela Turquia até a
Síria, para coordenar a “mudança de regime”. Na reunião dos ministros de
Relações Exteriores da União Europeia, em Bruxelas, na 3ª-feira, a Turquia foi
convidada especial.
Tudo considerado,
já não há dúvidas em Teerã de que é hora de a nação passar a operar em modo
revolucionário. A intrusão na Embaixada Britânica fez despertar símbolos
arquetípicos de audácia e resistência, sempre presentes, mesmo que adormecidos,
na consciência revolucionária dos iranianos – especialmente quando se mobiliza a
memória coletiva que envolve os britânicos. É a última linha de defesa do Irã –
como foi na crise dos reféns com os EUA, nos meses imediatamente depois da
revolução islâmica, quando o Irã esteve sob sítio.
É bem
claramente visível que Obama, dado a meter-se em jogadas políticas de altas
apostas – e que até agora mais ganhou que perdeu, como se vê em sua meteórica
carreira política – está pisando agora em gelo fino e escorregadio. A Síria não
está fácil de descascar; a poucos passos, o Hezbollah espera; como o Hamás.
Pode-se dizer que as apostas, hoje, são 50-50: é possível que não aconteça o que
Donilon tentou fazer-crer que acontecerá ‘com certeza’, mesmo que não haja
exato replay do resultado que horrorizou Jimmy Carter. Na
3ª-feira à tarde, a situação entre EUA e Irã aproximou-se do ponto de combustão
espontânea.
Notas dos
tradutores
[1]
Sobre isso, ver
“Inteligência
iraniana impõe dura derrota à CIA-EUA”, 30/11/2011, Asia Times Online e, em português.
[2] A Noite das Facas Longas (al. Nacht der langen Messer) ou Noite dos Longos Punhais foi um expurgo que aconteceu na Alemanha Nazista na noite do dia 30/6-1/7/1934, quando a direção do Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores (o Partido Nazista) decidiu executar dezenas de seus membros políticos, sendo a maioria da Sturmabteilung (SA), uma organização paramilitar do partido.
[3] Encontra-se transcrição, edição não corrigida do que disse Donilon, em inglês.
[4] 2/12/2011, “Occupy Embassy”, FarsNews, Teerã, em ingles.
[5] Sobre isso, ver 30/11/2011, MK Bhadrakumar, “Turquia pronta para invadir a Síria”
[2] A Noite das Facas Longas (al. Nacht der langen Messer) ou Noite dos Longos Punhais foi um expurgo que aconteceu na Alemanha Nazista na noite do dia 30/6-1/7/1934, quando a direção do Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores (o Partido Nazista) decidiu executar dezenas de seus membros políticos, sendo a maioria da Sturmabteilung (SA), uma organização paramilitar do partido.
[3] Encontra-se transcrição, edição não corrigida do que disse Donilon, em inglês.
[4] 2/12/2011, “Occupy Embassy”, FarsNews, Teerã, em ingles.
[5] Sobre isso, ver 30/11/2011, MK Bhadrakumar, “Turquia pronta para invadir a Síria”
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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