terça-feira, 31 de julho de 2012

Sarney age na calada da noite


 


Publicado em 31/07/2012 por Mário Augusto Jakobskind*

Não é de hoje que os proprietários de estações de rádio estão de olho no horário histórico de 19 às 20 horas, de segunda a sexta-feira. É o espaço reservado à Voz do Brasil, o mais antigo programa de rádio no mundo, 77 anos, e com uma audiência garantida de milhões de brasileiros que muitas vezes só têm acesso à informação através desse espaço midiático, além de ter sido um instrumento relevante no projeto de integração nacional, juntamente com a Rádio Nacional.

No início, a atual Voz do Brasil era conhecida como Programa Nacional e em 1938 passou a se chamar Hora do Brasil. Em 1962 recebeu a denominação atual.

Pois bem, neste momento na Câmara dos Deputados há um projeto que pretende flexibilizar o horário da Voz do Brasil, o que na prática representa o início do fim desse importante programa radiofônico com informações dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

O Ministro Paulo Bernardo, em reunião da Associação Brasileira de Radio e Televisão (ABERT), defendeu a flexibilização do horário da Voz do Brasil, para contentamento dos proprietários de rádio do Oiapoque ao Chuí. Como são 5.556 municípios no país, podem imaginar o total de emissoras.

Flexibilizar o horário da Voz do Brasil é na prática acabar com o programa. Se isso acontecer, não haverá como fiscalizar se as emissoras - na verdade concessões públicas - apresentam mesmo o programa.

Os defensores da flexibilização usam argumentos insustentáveis e tentam esconder de todas as formas que o real objetivo é ampliar os lucros no espaço nobre de 19 às 20 horas.

O tema é bem mais sofisticado do que se imagina. Para se ter uma ideia, o Senador José Sarney na calada da noite reativou o Conselho de Comunicação Social (CCS) e nomeou os integrantes sem consultar a sociedade.

Entre os 13 integrantes titulares e suplentes indicados estão dois executivos das organizações Globo: Gilberto Carlos Leifert, diretor comercial da emissora e presidente do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), como representante das empresas de televisão, e Alexandre Kruel Jobim, filho do ex-ministro Nelson Jobim e vice-presidente jurídico e de relações governamentais do grupo RBS, braço da Globo no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, como representante das empresas da imprensa escrita.

Outros nomes indicados como representantes da sociedade civil destacam-se o Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta e Fernando Cesar Mesquita, secretário de comunicação social do Senado, por sinal também ex-assessor de imprensa de Sarney, interventor nomeado por Sarney em Fernando de Noronha e seu fiel escudeiro, são outros nomes que comporão o CCS.

O Conselho, embora não tendo caráter deliberativo, sempre foi defendido pelos movimentos sociais como um passo importante na área midiática. Foi desativado, em 2006, de forma atabalhoada e ilegal.

Quando foi criado, em 1988, ficou decidido que não poderia integrar o Conselho pessoa ligada direta ou indiretamente a empresas de comunicação. A determinação, sugerida pelo então deputado Paulo Alberto (Arthur da Távola), foi aprovada na Constituinte e, segundo testemunho do jornalista José Augusto Ribeiro, na época cobrindo os debates da Constituinte pela TV Bandeirantes, simplesmente desapareceu, foi suprimida. E tudo ficou por isso mesmo. Se estivesse em vigor, os dois nomes vinculados ao esquema Globo não poderiam ser indicados.

Uma pergunta deve ser feita: qual o motivo de Sarney, que é proprietário de canais de rádio e televisão, ter decretado a reativação do Conselho? E logo Sarney, que em toda a sua história política sempre esteve do lado das elites e, claro, dos barões midiáticos? Até porque ele é um deles.

O tema reativação do Conselho é realmente complexo. A reativação pode ter sido constitucional, mesmo tendo sido feita sem consultas democráticas, na calada da noite e poucas horas antes do recesso legislativo.

Tem mais um detalhe, e é aí que mora o perigo. O esquema adotado da reativação é absolutamente casuístico, porque foi para frente por pressão imediatista da Abert, que não prega prego sem estopa e mistura alhos com bugalhos, ou seja, seus interesses particulares com os da sociedade brasileira.

E tem mais uma sutileza: pela técnica legislativa, não pode ocorrer a aprovação da flexibilização do horário da Voz do Brasil sem antes ouvir a manifestação do CCS. Ou seja, a ABERT consultou os seus advogados e técnicos legislativos chegando a conclusão que sem a manifestação do CCS sobre o tema a flexibilização daria margem a um embargo da matéria no Supremo Tribunal Federal, como se sabe, a instância máxima da Justiça brasileira.

Alertado pelos seus pares, Sarney prontamente decidiu reativar o CCS, que terá como uma de suas missões dar parecer sobre o projeto de flexibilização do horário da Voz do Brasil, caso venha a ser aprovado. E pela composição de forças, não será surpresa recomendar o que desejam os que têm a concessão de emissoras de rádio.

A ofensiva pela aprovação do projeto é muito forte. Mas há resistências. O Deputado Jilmar Tato, do PT de São Paulo, pensa ao contrário do seu colega de partido, o ministro Paulo Bernardo, e conseguiu retirar da pauta de votação o projeto alegando que não foi discutido devidamente e ainda por cima se ocorrer a flexibilização, milhões de brasileiros verão interrompidos a sua fonte informativa. O tema está em debate.

O Deputado Fernando Ferro, do PT de Pernambuco, apresentou projeto tornando a Voz do Brasil Patrimônio Cultural Imaterial do Povo Brasileiro. Para isso, o projeto deve contar com o apoio do Ministério da Cultura e desta forma seguir caminho para a Presidenta Dilma Rousseff decretar.

O parlamentar quer, em suma, que o Ministério da Cultura se aproprie, consolide e dê estatuto de Patrimônio Imaterial da memória do Brasil ao importante espaço informativo acompanhado por milhões de ouvintes.

Vale lembrar que a Voz do Brasil no horário de 19 às 20 horas, além de ser fonte informativa para milhões de brasileiros, é um programa jornalístico que pode ser até ampliado, por exemplo, com informações sobre os movimentos sociais existentes no país, que geralmente são boicotados pela mídia de mercado, a mesma que defende com unhas e dentes o fim da Voz do Brasil com a flexibilização do horário.



Mário Augusto Jakobskind* é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE.

Enviado por Direto da Redação

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