Publicado
em 31/07/2012 por Mário Augusto Jakobskind*
Não é de hoje
que os proprietários de estações de rádio estão de olho no horário histórico de
19 às 20 horas, de segunda a sexta-feira. É o espaço reservado à Voz do Brasil,
o mais antigo programa de rádio no mundo, 77 anos, e com uma audiência garantida
de milhões de brasileiros que muitas vezes só têm acesso à informação através
desse espaço midiático, além de ter sido um instrumento relevante no projeto de
integração nacional, juntamente com a Rádio Nacional.
No início, a
atual Voz do Brasil era conhecida como Programa Nacional e em 1938 passou a se
chamar Hora do Brasil. Em 1962 recebeu a denominação
atual.
Pois bem,
neste momento na Câmara dos Deputados há um projeto que pretende flexibilizar o
horário da Voz do Brasil, o que na prática representa o início do fim desse
importante programa radiofônico com informações dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário.
O Ministro
Paulo Bernardo, em reunião da Associação Brasileira de Radio e Televisão
(ABERT), defendeu a flexibilização do horário da Voz do Brasil, para
contentamento dos proprietários de rádio do Oiapoque ao Chuí. Como são 5.556
municípios no país, podem imaginar o total de emissoras.
Flexibilizar o
horário da Voz do Brasil é na prática acabar com o programa. Se isso acontecer,
não haverá como fiscalizar se as emissoras - na verdade concessões públicas -
apresentam mesmo o programa.
Os defensores
da flexibilização usam argumentos insustentáveis e tentam esconder de todas as
formas que o real objetivo é ampliar os lucros no espaço nobre de 19 às 20
horas.
O tema é bem
mais sofisticado do que se imagina. Para se ter uma ideia, o Senador José Sarney
na calada da noite reativou o Conselho de Comunicação Social (CCS) e nomeou os
integrantes sem consultar a sociedade.
Entre os 13
integrantes titulares e suplentes indicados estão dois executivos das
organizações Globo: Gilberto Carlos Leifert, diretor comercial da emissora e
presidente do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária),
como representante das empresas de televisão, e Alexandre Kruel Jobim, filho do
ex-ministro Nelson Jobim e vice-presidente jurídico e de relações governamentais
do grupo RBS, braço da Globo no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, como
representante das empresas da imprensa escrita.
Outros nomes
indicados como representantes da sociedade civil destacam-se o Arcebispo do Rio
de Janeiro, Dom Orani João Tempesta e Fernando Cesar Mesquita, secretário de
comunicação social do Senado, por sinal também ex-assessor de imprensa de
Sarney, interventor nomeado por Sarney em Fernando de Noronha e seu fiel
escudeiro, são outros nomes que comporão o CCS.
O Conselho,
embora não tendo caráter deliberativo, sempre foi defendido pelos movimentos
sociais como um passo importante na área midiática. Foi desativado, em 2006, de
forma atabalhoada e ilegal.
Quando foi
criado, em 1988, ficou decidido que não poderia integrar o Conselho pessoa
ligada direta ou indiretamente a empresas de comunicação. A determinação,
sugerida pelo então deputado Paulo Alberto (Arthur da Távola), foi aprovada na
Constituinte e, segundo testemunho do jornalista José Augusto Ribeiro, na época
cobrindo os debates da Constituinte pela TV Bandeirantes, simplesmente
desapareceu, foi suprimida. E tudo ficou por isso mesmo. Se estivesse em vigor,
os dois nomes vinculados ao esquema Globo não poderiam ser
indicados.
Uma pergunta
deve ser feita: qual o motivo de Sarney, que é proprietário de canais de rádio e
televisão, ter decretado a reativação do Conselho? E logo Sarney, que em toda a
sua história política sempre esteve do lado das elites e, claro, dos barões
midiáticos? Até porque ele é um deles.
O tema
reativação do Conselho é realmente complexo. A reativação pode ter sido
constitucional, mesmo tendo sido feita sem consultas democráticas, na calada da
noite e poucas horas antes do recesso legislativo.
Tem mais um
detalhe, e é aí que mora o perigo. O esquema adotado da reativação é
absolutamente casuístico, porque foi para frente por pressão imediatista da
Abert, que não prega prego sem estopa e mistura alhos com bugalhos, ou seja,
seus interesses particulares com os da sociedade brasileira.
E tem mais uma
sutileza: pela técnica legislativa, não pode ocorrer a aprovação da
flexibilização do horário da Voz do Brasil sem antes ouvir a manifestação do
CCS. Ou seja, a ABERT consultou os seus advogados e técnicos legislativos
chegando a conclusão que sem a manifestação do CCS sobre o tema a flexibilização
daria margem a um embargo da matéria no Supremo Tribunal Federal, como se sabe,
a instância máxima da Justiça brasileira.
Alertado pelos
seus pares, Sarney prontamente decidiu reativar o CCS, que terá como uma de suas
missões dar parecer sobre o projeto de flexibilização do horário da Voz do
Brasil, caso venha a ser aprovado. E pela composição de forças, não será
surpresa recomendar o que desejam os que têm a concessão de emissoras de
rádio.
A ofensiva
pela aprovação do projeto é muito forte. Mas há resistências. O Deputado Jilmar
Tato, do PT de São Paulo, pensa ao contrário do seu colega de partido, o
ministro Paulo Bernardo, e conseguiu retirar da pauta de votação o projeto
alegando que não foi discutido devidamente e ainda por cima se ocorrer a
flexibilização, milhões de brasileiros verão interrompidos a sua fonte
informativa. O tema está em debate.
O Deputado
Fernando Ferro, do PT de Pernambuco, apresentou projeto tornando a Voz do Brasil
Patrimônio Cultural Imaterial do Povo Brasileiro. Para isso, o projeto deve
contar com o apoio do Ministério da Cultura e desta forma seguir caminho para a
Presidenta Dilma Rousseff decretar.
O parlamentar
quer, em suma, que o Ministério da Cultura se aproprie, consolide e dê estatuto
de Patrimônio Imaterial da memória do Brasil ao importante espaço informativo
acompanhado por milhões de ouvintes.
Vale lembrar
que a Voz do Brasil no horário de 19 às 20 horas, além de ser fonte informativa
para milhões de brasileiros, é um programa jornalístico que pode ser até
ampliado, por exemplo, com informações sobre os movimentos sociais existentes no
país, que geralmente são boicotados pela mídia de mercado, a mesma que defende
com unhas e dentes o fim da Voz do Brasil com a flexibilização do
horário.
Mário Augusto
Jakobskind* é
correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do
Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da
Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor,
entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes -
Fantástico/IBOPE.
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