6/7/2012, François-Alexandre Roy, Asia Times Online - SPEAKING FREELY
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Francois-Alexandre Roy é estudante de Relações
Internacionais e arabismo na Universidade Laval, em Quebec, Canadá.
Escreve habitualmente no “The Middle-East Observer” (Canadá) e
no “Ásia Times Online”.
Quem assista às
televisões e leia os jornais da mídia ocidental, só conhecerá a narrativa,
repetida diariamente, segundo a qual a Síria estaria envolvida num levante
democrático que seria extensão da Primavera Árabe. A verdadeira história é
absolutamente outra.
Manifestação de apoio a Assad em Damasco, na Síria |
Os
sírios que exigem reformas ditas democráticas não são maioria significativa no
país, como eram na Tunísia ou no Egito. Além disso, nem todos os “combatentes da
liberdade”, entre os quais o Exército Sírio Livre, são sírios.
EUA e al-Qaeda: dessa vez, são
aliados
Houve
muitas notícias segundo as quais as forças da “oposição síria” seriam um cadinho
de diferentes ideologias, de curdos separatistas a membros da al-Qaeda. Sabe-se
que há soldados da Al-Qaeda entre as forças de oposição na Síria, como há também
mercenários vindos diretamente da “Revolução Líbia” – outro bom exemplo de golpe
de estado tratado como se fosse parte de alguma Primavera Árabe, pela
imprensa-empresa ocidental.
No
início no levante na Síria, Ayman Al-Zawahiri, líder máximo da al-Qaeda,
convocou diretamente combatentes da al-Qaeda e mercenários sunitas, para
juntar-se às forças de oposição na Síria. Assim sendo, é bem evidentemente claro
que EUA, al-Qaeda, países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) estão hoje todos do mesmo lado,
aliados, no conflito sírio – tentando um golpe de estado na Síria, sem qualquer
preocupação com o futuro da Síria, depois de derrubado o governo de Bashar
al-Assad.
O jogo da Turquia
O
Conselho Nacional Sírio e o Exército Sírio Livre tampouco estão integrados, e
nem sempre lutam do mesmo lado. Contudo, além de derrubar o estado policial de
Assad, lhes caberia traçar algum plano coerente para o futuro da Síria
pós-revolucionária. Mas o Conselho Nacional Sírio e o Exército Sírio Livre têm
um importante traço comum: ambos são pesadamente apoiados pela Turquia, que
conta com vir a ocupar lugar de mais destaque na região.
Abdulbaset Sieda |
Abdulbaset
Sieda, o presidente sírio-curdo do Conselho Nacional Sírio, foi acusado por
outros grupos curdos de só representar a agenda do governo turco – inimigos de
muito tempo das populações curdas na região. O Quartel-General e os campos de
treinamento do Exército Sírio Livre são localizados na província de Hatay, sul
da Turquia; foram ali instalados por forças especiais do Qatar. Através da
Turquia, o Exército Sírio Livre também recebe armas (que foram usadas na Líbia);
e, da OTAN, recebe equipamento de tecnologia avançada, para comunicações.
Já
há algum tempo, a Turquia trabalha para ampliar seu espaço de ação e influência
no Oriente Médio. Com uma “revolução democrática” acontecendo junto à sua
fronteira leste, os turcos logo procuraram estimular a revolta, na esperança de
vir a construir laços fortes com quem vier a governar a Síria, seja governo
democrático ou ditador novo. Bom meio pelo qual a Turquia pode começar a
construir laços com o futuro governo na Síria é apoiar a causa da “mudança de
regime” desde o início, inscrevendo-se entre as forças que tenham ajudado a
derrubar Assad.
Dia
22/6, a força aérea síria abateu um jato de combate F-4 turco, que, como diz a
Síria, invadiu águas territoriais sírias. Além de reforço na presença militar
turca na fronteira leste com a Síria, nada mais resultará desse incidente,
porque a Turquia errou ao invadir águas territoriais sírias.
Phantom turco F4E |
Mas,
ao derrubar o Phantom turco, o
exército sírio mostrou que suas capacidades de defesa antiaérea estão instaladas
e operantes. É o que basta para tornar impraticável qualquer coisa semelhante à
tal “zona aérea de exclusão” que abriu caminho para o golpe contra a Líbia. É
possível que muitos ainda insistam em outras explicações para o “incidente” com
o F-4 turco; nenhum jornal ou
noticiário de televisão ocidental noticiará o fato: os turcos foram apanhados em
operação de espionagem, tentando recolher informação sobre as defesas antiaéreas
sírias; é sinal claro de que há planos para outros tipos de agressão à Síria.
A empresa-imprensa
ocidental
O
modo como a empresa-imprensa ocidental apresenta os eventos que se desenrolam na
Síria é o melhor indicador de que há um golpe em curso contra a Síria, chamado
sempre “mudança de regime”. O “analista”, o “comentarista” ou o “jornalista”
sempre só vê metade do fato, e sempre a metade que mais ajude a justificar e
promover a agenda de “mudança de regime” da grotesca coalizão de forças que,
hoje, está atacando a Síria: EUA e Turquia (dentro da OTAN), aliados da al-Qaeda
e do Conselho de Cooperação do Golfo.
Imprensa-Empresa Ocidental |
Basta
analisar o modo como a empresa-imprensa ocidental está cobrindo os
desenvolvimentos do conflito na Síria, para ter certeza de que o que está
em andamento na
Síria nada tem a ver com Primavera Árabe e já é guerra civil
provocada e “arrastada” para dentro do território sírio.
Absolutamente
nenhum jornal, jornalista, especialista ou autoridade entrevistada nos veículos
de mídia faz qualquer referência ao povo sírio ou a demandas dos próprios
sírios. Todas as “matérias” e “noticiários” são carregados de imagens de
bombardeios e matanças, sempre imediatamente declaradas ações criminosas do
regime Assad. Mas sem qualquer tipo de prova.
O
mais recente massacre, acontecido em Houla, é bom exemplo do tipo de ação de
guerra operado por jornais e jornalistas, contra a Síria: sem qualquer tipo de
confirmação ou prova, as imagens que chegaram ao ocidente foram imediatamente
identificadas como efeito da ação das forças de Assad.
A
BBC chegou a exibir imagem de centenas de cadáveres envolvidos em mortalhas
brancas, identificados como vítimas do massacre em Houla. Não. Era foto feita no
Iraque, em 2003, pelo fotógrafo Marco di Lauro...
À
guisa de legenda, em letras convenientemente microscópicas, a BBC notificava que: “Essa imagem – que não pôde ser verificada – parece mostrar cadáveres de
crianças mortas no massacre de Houla, à espera de serem enterrados”. A história
espalhou-se pelo mundo, como argumento que comprovaria a crueldade do regime
sírio, induzindo a opinião pública a aprovar alguma espécie de intervenção
militar, para finalidades “humanitárias”, contra a Síria.
Síria e os "mortos de Hula" falsificados pela BBC |
Pouco
depois, o autor da fotografia manifestou-se, o “jornalismo” foi denunciado como
fraude, e afinal noticiou-se que os reais autores do massacre haviam sido
membros do Exército Sírio Livre fantasiados de shabiha (grupos de
mercenários); e os mortos eram manifestantes sírios pró-Assad, cujas
manifestações não recebem qualquer atenção dos “jornalistas”, jornais,
comentaristas de televisão e colunistas e receberam tratamento diferente: a
correção não foi tão amplamente divulgada quanto a notícia errada (ou
propositalmente falsificada).
E
onde se veem, no “jornalismo” das empresas de imprensa ocidental, imagens dos
protestos pacíficos? Não há notícias, porque não há qualquer tipo de levante
democrático ou Primavera Árabe na Síria, como dizem as empresas de imprensa no
ocidente. O que há na Síria é guerra civil, na qual os “rebeldes” são
“importados”, não representam qualquer tipo de maioria da população e não estão
absolutamente unidos sob qualquer tipo de plataforma política; absolutamente não
se sabe por que, afinal, tanto lutam para derrubar o regime de Assad.
Bashar al-Assad |
Mais
provas disso se veem nos confrontos sectários que irromperam no norte do Líbano.
Toda e qualquer prova da guerra civil na Síria é censurada pelas empresas de
imprensa ocidentais, porque não ajudariam a promover a causa do golpe contra
Assad (“mudança de regime”). A opinião pública tem de ser convencida de que o
golpe não é golpe; que há “boas razões” para uma “mudança de regime”.
Se
o regime de Assad for afinal derrubado, será má notícia para o Irã e para o
Hezbollah. O Irã estará cercado por “postos avançados” dos EUA em estados
hospedeiros, a partir dos quais os EUA poderão, afinal, começar a atacar o
regime iraniano: é o sonho, há vários anos, do complexo
militar-midiático-industrial representado no Congresso dos EUA pelos
neoconservadores dos dois principais partidos.
Mas, se houver ataque militar pelos
exércitos dos EUA/OTAN para “libertar” o povo sírio, como “libertaram” o povo
líbio ao preço de destruir a Líbia, acontecerá na Síria o que não aconteceu nem
na Líbia, pelo menos até agora: guerra civil sem prazo para acabar, mais
sangrenta do que se viu até agora. E que permanecerá absolutamente ocultada
pelos jornais, “jornalistas” e empresas de mídia do ocidente.
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