1/7/2012, La Haine: Salvador López Arnal entrevista
Nicolas González Varela (1)
1/7/2012, La Haine: Salvador López Arnal entrevista
Nicolas González Varela (2)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Nicolás González Varela |
Professor,
filósofo, trabalhador incansável, ativista, autor de um livro indispensável –
Nietzsche contra la democracia [1]
–
e de inúmeros artigos deslumbrantes, Nicolás González Varela é editor,
tradutor, anotador e apresentador de El Cuaderno Spinoza de Karl Heinrich
Marx [O Caderno Spinoza de Karl Heinrich Marx]*, recém
lançado, e um dos marxistas mais eruditos e de maior projeção
internacional.
“O
trabalho de edição foi feito para que seja acessível e possa ser desfrutado
tanto pelo leitor que se inicia nos estudos da filosofia marxiana, como pelo
especialista em busca de precisão e erudição”.
“Na
etapa de Bonn a Berlim, Marx se deslocará para a esquerda com sua incorporação
ao movimento dos “Jovens Hegelianos”.
Salvador López Arnal |
Entrevista:
Salvador López Arnal:
Depois dos parabéns pela tradução
e prólogo deslumbrantes, e pelas notas esclarecedoras, começo perguntando pelo
nome do autor do livro que você editou: por que Karl Heinrich Marx e não Karl
Marx?
Nicolás González Varela: É, é curioso, mas foi o modo que encontrei de ser fiel ao próprio Marx. Desde o título. O trabalho juvenil, sobre o livro mais político de Spinoza, agora na primeira edição em espanhol, leva na capa, escrito à mão, esse nome “Karl Heinrich Marx”. Apenas cuidei de respeitar o espírito original. E ajuda a tirar a ferrugem da marca “Karl Marx”, tão maltratada. Acho que também provoca no leitor uma sensação produtiva, de que lerá um Marx inédito, irreconhecível, incômodo, pouco familiar, um pensamento que se tem de reencontrar e conhecer. É pensamento que nunca foi tão atual quanto é hoje.
Nicolás González Varela: É, é curioso, mas foi o modo que encontrei de ser fiel ao próprio Marx. Desde o título. O trabalho juvenil, sobre o livro mais político de Spinoza, agora na primeira edição em espanhol, leva na capa, escrito à mão, esse nome “Karl Heinrich Marx”. Apenas cuidei de respeitar o espírito original. E ajuda a tirar a ferrugem da marca “Karl Marx”, tão maltratada. Acho que também provoca no leitor uma sensação produtiva, de que lerá um Marx inédito, irreconhecível, incômodo, pouco familiar, um pensamento que se tem de reencontrar e conhecer. É pensamento que nunca foi tão atual quanto é hoje.
Salvador
López Arnal: Era
inédito em espanhol. Já foi editado em outros idiomas?
Nicolás
González Varela: É
a primeira edição em espanhol, primeira tradução, edição crítica, o que me
orgulha, como editor. Os cadernos da fase berlinense de Marx estão depositados
atualmente na Internationale Marx-Engels-Stiftung, fundação que pertence ao
Internationaal Instituut voor Sociale Geschiedenis (IISG) de Amsterdam, no
depósito Marx-Engels Nachlass, com grande parte de seu legado literário.
Publicamos os três cadernos centrados no Tractatus theologicus-politicus,
obra política mais importante de Baruch de Spinoza, escritos por Marx e um
escrevente profissional, um copista desconhecido...
Salvador
López Arnal: “Escrevente
profissional desconhecido”?! O que é isso?
Nicolás
González Varela: Os
cadernos têm uma peculiaridade: mostram, de modo significativo, não só a
personalidade do jovem Marx, mas, também, seus interesses de médio prazo. Com
Spinoza, Marx não se assume como mero selecionador, ou com objetivo de
‘anotador’, mas como “autor”. A escrita, nos cadernos, é de Marx. O título
formal, que aparece na capa (Spinoza's Theologische-politischer
Traktatus) é do copista anônimo (os editores das MEGA o chamam de “Hx”).
Depois do título, volta a aparecer a grafia manuscrita de Marx, como uma
assinatura de autor: von[de] Karl Heinrich Marx. Berlin 1841. Marx
também mandou copiar, pelo mesmo copista, cerca de 60 trechos de cartas de
Spinoza. É curioso. Indica que Marx considerava muito importante esse trabalho,
a ponto de pagar um copista profissional – o que era normal nos trabalhos
acadêmicos de meados do século 19 –, para passar a limpo seus escritos.
Durante
muito tempo, os especialistas em Marx discutiram, por causa da intervenção desse
copista fantasma, se o trabalho sobre Spinoza teria sido motivado por causas
puramente acadêmicas, talvez como item de currículo, para candidatar-se ao
emprego de professor universitário.
Houve uma primeira publicação
parcial de trechos desses escritos, na primeira tentativa de editar a obra
completa de Marx e Engels, iniciada pelo hoje já mítico e trágico marxólogo
David Riazanov [2]
na URSS nos anos 1920s, nos chamados MEGA 1 (sigla de Marx-Engels
historisch-kritische Gesamtausgabe), mas só foram publicados na íntegra, em
1976, na edição seguinte dos MEGA, chamados MEGA 2. Há edição em francês, numa
revista especializada, Cahiers Spinoza, de 1977; e em italiano, em livro,
sob o título Quaderno Spinoza, 1841, de 1987. Foram consultadas e devo
dizer que a edição em espanhol é mais completa.
Salvador
López Arnal: O
que há nesse “Caderno Spinoza”?
Nicolás
González Varela:
A leitura do Spinoza mais político, como a faz Marx, assume a forma de uma
apropriação e recomposição pessoal do Tractatus theologico-politicus
(Tractatus) [3].
Salvador
López Arnal: Por
que “mais político”?
Nicolás
González Varela:
O Tractatus, aparecido em 1670, não é texto “normal” de Filosofia, como
os produzem hoje na indústria acadêmica. Na realidade, é exemplo raro e
interessante do que se poderia chamar de “aplicação filosófica” ou de “filosofia
prática”. Quero dizer: é trabalho baseado em todo um sistema filosófico, nesse
caso, na Ética, que, contudo, cuida atentamente de não usar argumentos
filosóficos técnicos, e cujo objetivo imediato é a prática social e política,
mais do que fins estritamente filosóficos.
Como
um segundo nível de intervenção, visa a servir de ferramenta para defender e
sutilmente divulgar e promover as próprias teorias de Spinoza (e do partido
spinozista: os Colegiantes e De Witt). Spinoza escreve com urgência, por
isso se fala de sua obra “mais política”, interrompendo seu trabalho mais
abstrato. É uma espécie, se você permite, de Teses de Abril [de Lênin, de
abril de 1917] spinozianas, num
momento crítico da jovem república holandesa, as Províncias Unidas, numa
conjuntura regressiva, uma deriva autoritária que ameaçava com traços
regressivos.
O
Tractatus propõe-se a fortalecer a liberdade individual e a ampliar a
liberdade de pensamento, em particular; trabalha para desgastar e enfraquecer a
autoridade eclesiástica e ataca a situação de poder da Teologia (calvinista).
Havia a memória inescapável da guerra religiosa dos 30 anos... Para Spinoza,
essas forças fomentavam as tensões religiosas e o ódio, incitavam a sedição
política entre as pessoas comuns, e aplicavam uma censura intelectual
prejudicial aos pensadores não convencionais (como ele próprio).
Mas
o esforço de Spinoza para reforçar a liberdade individual e a liberdade de
expressão gerou uma nova sistematização, um novo tipo de teoria política (apesar
da forte influência de Maquiavel e Hobbes que se vê em Spinoza). O que se cria é um novo
tipo de ideologia liberal urbana, um republicanismo de tipo formal-igualitário e
comercial, que Spinoza mobilizou nesse livro de combate, como veículo para
desafiar as ideias aceitas pela tradição absolutista sobre a natureza da
sociedade e sobre o que é o Estado.
Lembremos
que este livro, o Tractatus , o livro mais político de Spinoza, foi
durante muito tempo considerado livro “maldito”, condenado pela Inquisição, e
que, vergonhosamente, só foi traduzido na Espanha, pela primeira vez, em... 1878
[no Brasil, em 1878, era PROIBIDO editar livros. Ter prensa de impressão era
crime, não esqueçam (NTs)]! Temos de nos situar naqueles idos de 1841. Marx, com
Bruno Bauer, está planejando criar um periódico de filosofia grega, um
radikale Zeitschrift, o abortado Archiv des Atheismus [Arquivo dos
ateísmos]. Em janeiro daquele ano, começara a escrever e anos em cadernos seus
primeiros extratos e comentários sobre vários filósofos clássicos da
Modernidade, Leibniz, Hume, e os mais extensos sobre o texto mais político do
judeu subversivo de Vooburg, como era chamado, Baruch de Spinoza.
Da
última fase do período berlinense do jovem Marx, centrada no ano de 1841,
sobreviveram outros seis cadernos, além dos de Aristóteles, numerados B1 e B2.
Os dedicados a Spinoza baseiam-se na Opera… também em latim, que era a
edição de uso acadêmico naquela época na Alemanha. Os extratos do jovem Marx
concentram-se no Tractatus e em cartas.
Salvador
López Arnal: Como
se deve entender o subtítulo que Marx acrescentou? Rubel, por exemplo,
marxólogo, diz que Marx “parece querer
dar a entender que reteve, de Spinoza, tudo que considerou necessário para
construir sua própria visão de mundo e das relações humanas, que a verdade é
obra de toda a Humanidade, não de um único pensador. (...) O pensamento de
Spinoza confirmava, para Marx sua decisão de dar o sinal para que a Alemanha
começasse a lutar pela democracia (...). Foi portanto na escola de Spinoza – não
na de Hegel – que Marx aprendeu a conciliar Necessidade e Liberdade”.
Especialistas spinozianos importantes, como Matheron, falaram, com argumentos e
documentação persuasiva, que Marx jovem teria feito “uma verdadeira e autêntica
montagem” do pensamento do Spinoza político. Mas não há dúvidas de que o
Caderno de Spinoza é texto do próprio Karl Marx, servindo-se do Spinoza
mais político.
Salvador
López Arnal: É
preciso ser especialista para ler o Caderno? É preciso conhecer bem a
obra de Marx e a obra de Spinoza? Não é livro para especialistas?
Nicolás
González Varela:
A edição foi pensada para ser proveitosa tanto para o leitor iniciante no campo
da filosofia ou da política, entendida em sentido nobre, como para o
especialista ou pesquisador que procura precisão, erudição. Há vasto aparato
crítico, uma introdução sobre o jovem Marx e o ambiente em que vivia, e
delineia-se o contexto histórico da política de Spinoza. Creio que interessará
ao professor e a interessados na luta política, que queiram saber como nasce, na
produção escrita de Marx, a primeira definição moderna de Democracia – conceito
que, para Spinoza e para Marx é o único em que se revela a natureza social da
humanidade e resolve o enigma da cooperação em comunidade. Spinoza também é, ao
lado de Hegel, sempre referido, um dos fundamentos, no pensamento de Marx, do
conceito de autodeterminação, central em sua teoria da emancipação e da
concepção de que o Direito tem seu fundamento material no Poder.
De
fato, Spinoza é o pivô, o eixo de transmissão, mediante o qual se afirmará, com
todas as mediações do Iluminismo francês e do Socialismo humanista alemão (não
exclusivamente de Feuerbach), a ideia comunista (e socialista) moderna.
Salvador
López Arnal: Para
você, de onde nasceu o interesse do jovem Marx, pela obra do autor da
Ética? Esse interesse continuou, adiante, na vida de Marx?
Nicolás
González Varela: Entre
Baruch, o “judeu virtuoso”, e Marx encontram-se semelhanças, analogias, linhas
gerais que cruzam os dois pensamentos. Um exemplo, da Ética, o livro mais
respeitável de Spinoza, do ponto de vista acadêmico. Ali Spinoza define o
dinheiro como “compêndio de todas as coisas” (livro IV, capítulo XXVIII), no
qual se desenvolve a servidão humana: “Mas o dinheiro chegou a ser um compêndio de
todas as coisas, de onde resulta que sua imagem venha a ocupar a alma vulgar com
a máxima intensidade”. Lida assim, sem outras referências, não é difícil
lembrar a definição de dinheiro que o Marx maduro oferece em O Capital (o
dinheiro como “equivalente geral” no processo de troca de mercadorias).
Mas
é evidente, para qualquer leitor de Spinoza, que sua filosofia prática, mesmo na
Ética, seu livro mais ambicioso, há um grande déficit, um vazio teórico,
tanto na análise das relações sociais como na análise da estrutura econômica,
para que se possa falar de algum tipo de encontro nem, sequer, de influência de
Spinoza no Marx posterior.
Claro
que Marx leu Spinoza. E pode-se, desde que não esqueçamos de Marx, usar Spinoza
para ler Marx de um outro ponto de vista. E, claro, se pode voltar a Spinoza,
depois de lido Marx. Hegel, “o grande obscuro”, como Adorno o chamou, ignorou o
Spinoza mais político, como, de fato, toda a tradição do idealismo clássico
alemão também ignorou Spinoza. Marx, por sua vez, enfrenta e valoriza Spinoza. E
opõe, em primeiro lugar, contra a ortodoxia das interpretações, o Tractatus
de Spinoza. Que foi obra anônima, que só em 1670 apareceu ao público, tida
como exotérica, de onde Marx “pesca” o pensamento de Spinoza.
A
chave hermenêutica da leitura marxiana de Spinoza é a Kritik da política.
Em Marx,
Spinoza encontrou seu mais radical leitor político.
Além
do que, Spinoza será uma das ferramentas na Crítica à Filosofia do Direito de
Hegel [4]
decisiva, de 1843, como na polêmica sobre a diferença entre revolução política e
revolução social (debate com Bruno Bauer, seu antigo professor) e no
desenvolvimento do conceito primitivo de Democracia do jovem Marx. Depois desses
manuscritos, Marx nunca mais voltará a falar do Spinoza político do
Tractatus, exceto em sua correspondência familiar.
Salvador
López Arnal:
Althusser, na autocrítica de 1975, falava também de Spinoza e de seu significado
e importância para a tradição marxista. O que você destaca no que escreveu?
Nicolás
González Varela: Os
estudos dos anos 1970, em especial na França e na
Itália, impuseram, além da ideia demasiado simplista de um Spinoza “materialista
e ateu” (antes, seria preciso explicar de que tipo de ateísmo e de que tipo de
materialismo se trata), um esquema de interpretação, um “clima exegético”, que
se pode definir como idealista e panteísta. A tradição althusseriana na França e as importantes
contribuições de Emilia Giancotti em idioma italiano, que influenciaram Toni
Negri, podem ser resumidas na ideia de que se pode usar Spinoza para ler melhor
Marx.
Althusser
dizia, com razão, que “é preciso ler
[Spinoza] e saber que existe: que existe hoje. Para reconhecer isso, é preciso
conhecer pelo menos um pouco [de Spinoza]”. Mas, ao mesmo tempo em que
reconhecia a grandeza, Althusser buscava em Spinoza uma alternativa genealógica,
tanto ao Dia Mat [materialismo dialético] como ao existencialismo de
corte filomarxista, quer dizer: Spinoza, como uma espécie de Ulisses, lutando
entre Cila e Caribdes, e que permitiria ir além de Marx ou, no mínimo, completar
o parricídio filosófico, por Marx, contra Hegel. Spinoza prima Marx.
Althusser,
réu confesso de spinozismo desde
antes de conhecer Marx, vê em Spinoza um fulcro, definitivo, para ler
corretamente (quer dizer: de modo não hegeliano) Das Kapital. E chega a
considerar a filosofia spinoziana
como “a maior revolução filosófica de
todos os tempos”.
Ler
Spinoza, significa na clave althusseriana, apropriar-se da “única
tradição materialista” no Ocidente. Rapidamente Althusser considera que em
Spinoza, em primeiro lugar, encontra-se uma teoria do conhecimento que vai do
abstrato ao concreto (como Marx pratica nos Grundrisse); em segundo
lugar, Spinoza é a antecipação da própria teoria de Althusser, da “causalidade
estrutural”: a causalidade do Deus sive natura [Deus, ou seja, a
natureza], imanente no Mundo, seria a mais clara formulação de seus famosos
princípios do “processo sem sujeito” e da necessidade de articulação do real
(relação spinoziana entre
series e connexio); por fim, Althusser considera Spinoza o
primeiro teórico da Ideologia (por ter elaborado a necessidade da ilusão, na
relação entre estado & povo), que definirá, inclusive, os modos de produção
ideológicos (realidade imaginaria, investimento interno, ilusão do sujeito).
A
partir desse ponto, Spinoza aparece como a autêntica Nêmesis de Hegel,
antagonista materialista e filósofo antidialético par excellence, teórico
avant la lettre do processo sem sujeito, ou seja, do próprio
estruturalismo marxista de Althusser.
A
empreitada de Althusser é escapar da arapuca do estruturalismo burguês e do
materialismo dialético stalinista, usando Spinoza. Significa renunciar in
toto à dialética e expurgar de Marx qualquer resíduo hegeliano. Outras interpretações, com
variações menores, da escola althusseriana, andam na mesma direção
(Macherey, Negri, Balibar e outros). Veem Spinoza como o filósofo da imanência
absoluta, uma possibilidade de renovar os fundamentos do jus naturalismo (direito natural), em
oposição radical e enfrentando declaradamente a genealogia transcendente que
começaria em Hobbes.
Spinoza
é a única, solitária, e real alternativa a Hegel. Spinoza é o caminho nunca
percorrido pela filosofia ocidental. Spinoza não é um “momento” a ser superado.
Nada de aufgehoben [subsunção] como Hegel explicava em sua História da
Filosofia. Mas o pensamento de Spinoza é um caminho bloqueado, que o
ocidente nunca trilhou.
Por
um lado, haveria uma tradição “perversa” da modernidade burguesa
(Hobbes-Rousseau-Hegel); por outro lado, a crítica ao pensamento alternativo da
transcendência (Maquiavel-Spinoza-Marx des-hegelianizado). A oposição que
Spinoza propõe, com potentia versus podestas nos permite, como diz
Emilia Giancotti, fazer uma leitura puramente conflitual (vale dizer: nem
dialética, nem em clave hegeliana) da
contradição entre a força de trabalho (Arbeitskraft) e as relações de
produção (Verhältnisseproduktion). Spinoza teria começado a desenvolver
uma ontologia da relação (aqui, parafraseio Balibar), uma teoria geral da
comunicação, da qual seria possível derivar diversas formas de vida racional,
imaginativa e política.
Embora
a tradição interpretativa inaugurada por Althusser tenha trazido muito de
positivo para o terreno árido, eu diria, banal, do pós-modernismo francês e
italiano, nem por isso deixam de ser muito evidentes os seus esquematismos, sua
falta de precisão filosófica, em alguns casos suas categorias forçadas e seus
pressupostos ideológicos.
(fim
da parte 1)
Salvador
López Arnal: Estávamos
nos assuntos materialistas. Você observa alguma similitude entre o materialismo
de Marx e o de Spinoza? O que você destacaria, como semelhanças?
Nicolás
González Varela:
Creio que são muito diferentes,
embora Althusser haja refundido Spinoza até convertê-lo no predecessor
“materialista & imanentista” de Marx e dele mesmo. Spinoza (e Descartes seu
mestre) geralmente rotulados, com rapidez e imprecisão, como “materialistas”,
embora se os deva chamar, com mais acerto, de “naturalistas”; um, dualista; e o
outro, Spinoza, que tentou construir um sistema imanentista (o grande centro de
atração para a tradição althusseriana).
Spinoza
não deixou de ser cartesiano crítico, com tudo que isso implica. A
sobrevivência, inesperada e fantasmagórica, da oposição metafísica entre a
extensão e o pensamento, torna muito problemático que se o possa qualificar como
“materialista”, já que continua a haver a oposição entre Ser (pensamento) e
não-Ser (corpo), questão que não tem sentido algum num autêntico materialismo.
Não há dúvidas de que Spinoza tentou renovar o Naturalismo, com aportes de
antigos filósofos materialistas (Epicuro, Demócrito, por exemplo), os quais
adiante, numa feliz coincidência, também interessariam ao jovem Marx.
Em
Althusser, sua ideia materialista (não dialética) baseia-se na impossibilidade
de sair da relação e conexão entre a infraestrutura econômica e a superestrutura
(jurídica, política, etc.); se mantemos esta ideia, é impossível cair no
“delírio idealista”. O materialismo spinozista, como já dissemos, tem essa
carência fundamental, já que nele está ausente qualquer análise social ou
econômica, sem falar de seu
credo
minimum. Spinoza
continuava “ébrio de Deus”, como disse Novalis; e não esqueçamos que a acusação
que mais doía a Spinoza era precisamente ser dito ateu. Sua ideia pode ser
anti-idealista, mas é muito problemático qualificá-la de materialista. Não é
acaso que Althusser reflita, assinalando que, com certeza, nenhum marxista
conseguirá fazer a reviravolta anti-hegeliana, por Spinoza, sem arrepender-se,
“pois a aventura é perigosa e, faça-se o
que se fizer, sempre faltará a Spinoza o que Hegel deu a Marx: a
contradição”. Pode-se pensar o Materialismo de Marx sem o método dialético?
Não consigo. A tentativa – fugir por teoria, do estruturalismo, “buscar
argumentos para o Materialismo” – que Althusser propunha - pode levar ao limite no qual
a interpretatio desfigure não só Spinoza, mas o
próprio Marx.
Salvador
López Arnal: E
o prólogo, aquele seu deslumbrante estudo preliminar que é mais que um prólogo,
mais de 120 páginas de densa, documentadíssima e muito erudita prosa que inclui
257 notas (mais de duas por página!). Qual seu plano, o que pretendia, com
introdução tão brilhante, tão erudita?
Nicolás
González Varela:
Bueno, muito obrigado. O estudo deseja,
não sei se consegue, situar o leitor não especializado, em uma das etapas mais
importantes e, ao mesmo tempo, por diversos fatores ideológicos, menos estudadas
ou conhecidas de Marx. Queria que sua leitura de Spinoza, tão anômala e
inesperada, pudesse ser deduzida a partir do tortuoso desenvolvimento
intelectual juvenil de Marx e do magma ideológico, tão rico em consequências
para nossa modernidade, da esquerda alemã em meados do século 19.
Salvador
López Arnal:
A introdução leva, em epígrafe,
uma frase de Lissagaray de 1876: “Karl
Marx, o investigador genial, desterrado da Alemanha e da França, que aplicou à
ciência social o método de Spinoza…”. De que método é esse?
Nicolás
González Varela: Prosper-Olivier Lissagaray,
republicano e socialista, é sobrevivente do experimento mais avançado de
democracia social de todo o século 19: a Comuna de Paris de 1871. Conhecia Marx
muito bem: manteve longo romance com uma de suas filhas, a menor, Eleanor.
Extraí a frase, das impressionantes memórias de Lissagaray, que, de fato, são
história narrada em primeira pessoa: Histoire da Commune de
1871. É um grande
elogio, uma obra desmesurada.
Não
esqueçamos que Spinoza é consumado pensador científico (basta examinar suas
cartas, para confirmar), inclusive pelos parâmetros de nossa época; que se
“antecipou” a muitos aspectos da Física e da Cosmologia como as conhecemos; mas,
que, ao mesmo tempo, não admitia qualquer divisão absoluta entre Ciência e
Filosofia. Para ele, como para seu mestre Descartes, a Física repousa sobre uma
ideia ontológica, sobre um fundamento último (meta-físico), e nenhum
cientista merece ser considerado cientista, se ignora as perguntas fundamentais.
E não é possível responder nem contra-argumentar, nessas questões básicas, sem a
experiência
sans phrase, ou a partir da experiência: é a
Razão (não a certeza que nos vem dos sentidos) que nos guia na direção do real.
É
por este método, por esta forma de pensar, que Spinoza pode ser definido como
“racionalista” (nunca como empirista), e esta é a causa de sua
demonstração
more
geometrico, a única
na qual a Razão não pode extraviar-se. Todas as verdades da Razão são evidentes
em si ou derivadas de verdades evidentes em si, às quais se chega mediante um
encadeamento de argumentos dedutivos. Não devemos esquecer que Spinoza era
cartesiano holandês crítico, como já dissemos, mas cartesiano até o final. O
fundamento e o saxum
firmissimum de
Spinoza (que é expressão cartesiana) já não é o soberano ego ou a intuição do
eu, mas a Ideia verdadeira; qualquer ideia, desde que seja verdadeira, mas que
todos possam ter (mediante um método dedutivo genético), posto que é o resultado
do vis
natural do
Entendimento. O universo spinoziano é
de ideias e coisas, como o de Marx, não de dúvidas, fantasmas céticos ou vontade
de poder (boa ou má).
Marx
também pode ser considerado “essencialista”, com método racional e um modo de
exposição dialético. O que pode ser mais dialético que o barroco spinozista? – e distanciado de todo o
empirismo (lógico ou não). No posfácio à segunda edição de
Das Kapital, Marx destaca como correta uma
resenha russa de sua obra, do tomo I, aparecida numa revista de São Petersburgo,
na qual afinal se esclarece seu método científico “que foi pouco compreendido”,
qualificando-o de “estritamente realista” com um modo de exposição
“dialético-alemão”, e que é “infinitamente mais realista que todos seus
predecessores no campo da crítica econômica”, com o que Marx concorda
totalmente, citando literalmente o comentarista russo, nessa descrição de
método: “Para Marx, só uma coisa é
importante: encontrar a Lei dos fenômenos de cuja investigação ocupa-se (...)
concebe o movimento social como um processo de História Natural, regido por leis
que não só são independentes da vontade, consciência e intenção dos homens, mas
que, pelo contrário, determinam seu querer, consciência e intenções”.
Marx
conclui assinalando que “ao caracterizar
o que chama de ‘meu verdadeiro método’ de modo tão certeiro, e também benévolo,
no que tange ao emprego que dou ao meu método (...), o que faz o articulista, se
não descrever o método dialético?”.
Não
quero estender-me muito, mas aqui está a problemática tão mal compreendida,
inclusive pelos marxistas, entre Forschungswiese
(modo de investigação) e
Darstellungswiese
(modo de exposição), que Marx
não se cansava de procurar esclarecer. Mais uma semelhança entre os dois
métodos, entre dois grandes pensadores...
Salvador
López Arnal: Rastreando
a influência, você fala do panteísmo militante de Gans. Engels também o elogiou,
com Strauss e Ruge. Como o jovem Marx concebeu o panteísmo?
Nicolás
González Varela: Sintomático para nós é que seu pai,
Heinrich (Heschel) Marx, abandonou a religião hebraica milenar de sua família e
abraçou com paixão um racionalismo deísta muito típico do Iluminismo, diríamos
muito cartesio-spinoziano. Em carta
de novembro de 1835, Heinrich recomenda ao jovem Karl que permaneça “fiel numa
crença pura em Deus”, como o fizeram “Newton, Locke e Leibniz”, nada menos.
Prova clara de um credo inicial racionalista, panteísta e iluminista, com muita
afinidade com o pensamento de Spinoza, são seus exames de escola secundária,
osabiturientenarbeit. Neles, Marx elabora, além de um deísmo radical, a
ideia bem iluminista do progresso como caminho até a liberdade e a perfeição; e
também como profissão de fé, declara-se convencido de que a salvação (se existe)
não é nunca individual, mas comunitária. Se você permite, leio um fragmento de
um desses trabalhos de escola.
Salvador
López Arnal: Leia, por favor.
Nicolás
González Varela
[lê]: “Também ao homem, Deus traçou-lhe um fim
geral: o de enobrecer a humanidade e enobrecer-se ele mesmo, mas encarregando-o,
ao mesmo tempo, de encontrar os meios para consegui-lo (...) se as condições da
nossa vida nos permitem escolher realmente a profissão desejada, temos de
escolher a mais digna (...) que abra para nós o maior campo possível para agir
para o bem da humanidade, que nos permita aproximarmo-nos da meta geral a
serviço da qual todas as profissões são apenas meios: a perfeição (...) a
experiência demonstra que o ser mais feliz é o que conseguiu fazer felizes o
maior número de homens; a mesma religião nos ensina que o ideal ao qual todos
aspiram a aproximar-se sacrificou-se pela humanidade”. É a voz do autêntico
jovem Marx, em 1836.
Há
um segundo ensaio muito significativo da época de estudante do curso secundário,
intitulado
Die Vereinigung der
Gläubigen mit Christo nach Joh. 15. 1-14, in ihren Grund und Wesen, in ihrer
Wirkungen dargestellt (“União dos Crentes em Cristo segundo
João 15:1-14, mostrando Suas bases e essência, como Sua
absoluta necessidade e efeitos”). Formalmente o tema era “uma demonstração”,
segundo o Evangelho de São João, mas Marx trata o tema da união crentes-Cristo
em termos exclusivamente éticos de autorrealização do indivíduo e
aperfeiçoamento da virtude, sem qualquer referência ao pecado, aos milagres, ou
céu ou à imortalidade; e, além disso, não se refere a qualquer igreja
organizada. Em muitos casos, o jovem Marx dá a impressão de parafrasear
Voltaire, Kant, Hegel, Lessing ou, até, o próprio Spinoza. Justifica a
necessária união com Cristo tanto do ponto de vista da história dos povos do
mundo (filogênese) como do ponto de vista da história individual do homem
(ontogênese), e conclui dizendo que “portanto, a união com Cristo dá uma alegria
que os epicúreos em vão esforçam-se para obter de sua filosofia frívola ou, ao
mais profundo pensador das profundidades mais ocultas de seus conhecimentos, uma
alegria conhecida só pela mente ingênua, infantil, que está vinculada com Cristo
e, por meio dela com Deus, uma alegria que torna a vida mais sublime e mais
formosa”.
Marx
parte de um deísmo não religioso, em contexto monárquico-liberal; na etapa de
Bonn e Berlin, ele se deslocará para a esquerda, ao incorporar-se ao movimento
dos
Linkshegelianer, Jovens Hegelianos; ao final dos
estudos universitários, já será republicano; para tornar-se comunista em 1843,
já aos 25 anos. Sabemos que ao redor de abril de 1837, Marx começa a estudar
Hegel séria, intensa e diretamente, empurrado, provavelmente, pelo impacto das
aulas, como você lembrou, do liberal hegeliano Eduard Gans. E que chegou, como
confessa, a um ponto sem volta (grenzmark), uma metamorfose,
encruzilhada-limite em seu desenvolvimento intelectual, que muitos consideram o
momento mais decisivo da vida de Marx.
Antes,
havia garatujado um estranho texto filosófico em forma de diálogo platônico,
intituladoKleanthes oder Ausgangspunkt und
notwendigen Fortgang der Philosophie (Cleantes ou o ponto de partida e do
progresso necessário em filosofia), que tem muito evidentes tons spinozianos. Marx confessa que “eu terminava por onde começava o sistema
hegeliano, e este trabalho, para o qual tive de familiarizar-me até certo ponto
com as Ciências Naturais, com Schelling e com a História, causou-me infinitas
dores de cabeça...” Ao pai, Marx confessa que começara Einen Dialog von ungefähr 24
Bogen (“Um diálogo de 24 páginas”) baseado
no desenvolvimento “dialético-filosófico
da Divinidade, e suas manifestações como Potência, como Religião, como Natureza
e como História”.
Salvador López Arnal: Há páginas muito belas, que você dedica ao estilo de trabalho intelectual de Marx (Manuel Sacristán também trabalhava assim). Você pode falar sobre isso? Marx abandonou esse estilo em algum momento? Parece esgotante, quase impossível.
Salvador López Arnal: Há páginas muito belas, que você dedica ao estilo de trabalho intelectual de Marx (Manuel Sacristán também trabalhava assim). Você pode falar sobre isso? Marx abandonou esse estilo em algum momento? Parece esgotante, quase impossível.
Nicolás
González Varela: Os escritos de Marx são muito
especiais, porque sua técnica de trabalho é única e muito singular. Tudo faz
crer que adotou esse modo de trabalhar ainda muito jovem. E aperfeiçoou-o, na
maturidade. Ler muitíssimo; escrever em abundância, não acabar praticamente
nada. Começa a escrever – a grafia é infernal, vacilante, hermética e
indecifrável – notas minuciosas, incansavelmente, sobre os livros “empilhados”,
acumulando cadernos sobre cadernos de citações e extratos das leituras que ia
fazendo. O grande marxólogo Rubel já havia registrado a importância desses
cadernos para acompanhar a evolução e compreender o tortuoso percurso
intelectual de Marx.
Nesses
primeiros esboços durante o semestre de inverno 1836-1837, Marx inaugura um
curioso estilo de trabalho que jamais abandonará e que aplicará no estudo de
Spinoza. Escreve, com uma grafia própria, de “hieróglifos egípcios” (como dirá
Engels, a quem coube decifrar os manuscritos para editar
Das Kapital), transcreve notas de leituras e
comentários sobre os livros que lê em profundidade: até 1849 escreveu 31 desses
cadernos.
Conhecendo
a enorme angústia existencial de Marx, nas belas palavras de Frossard “seu itinerário está pavimentado de folhas
mortas, jornais sem leitores, livros e panfletos arrojados que consomem seu
escassos recursos, e as limitações de sua técnica de investigação,
a
forschungswiese, seu programa de pesquisa sem
biblioteca pessoal; é assombroso o talento para vencer tantas dificuldades e
chegar a um texto limpo, claro, coerente e profundo”.
En
carta ao pai, em 1837, o jovem Marx já lhe confessa que “se tinha habituado a
fazer extratos (exzerpte) de todos os livros que lia”. A
ars de Marx era a seguinte: primeiro
atacava alguns dos autores sobre o tema a estudar; os que supunha que fossem os
melhores e cujos livros encontrava na biblioteca; em segundo lugar, extraía
longos excertos, com a referência bibliográfica e escrevia reflexões e longos
comentários, até que extraía, sendo necessário, o nó argumental; finalmente,
passava à redação “noturna” de seu manuscrito completo, com vistas
in pectore à publicação (a recepção do leitor
proletário, que é o mesmo: a darstellungswiese, exposição dialética). Se lhe
parecesse que o método de exposição falhara, suspendia a aprovação e a
publicação. Coerente até o final com este processo científico e escrupuloso, só
conseguiu levar a cabo, inclusive com edição, duas grandes obras:
Contribuição à Crítica da
Economia Política (1859) e o primeiro tomo
de O
Capital (1867).
Implica que só 15-20% da produção total do Marx “diurno” chegaria a ver luz
pública.
Salvador
López Arnal: 15,
20%!
Nicolás
González Varela: É. Se se catalogan todas as publicações,
inclusive os escritos com Engels, brochuras, panfletos, revisões de traduções
(francesa e russa) e programas, a lista aumenta em apenas 24 obras (excluídos os
artigos para a New
York Tribune).
Pode-se classificar sua metodologia de trabalho da seguinte forma:
1)
leituras de livros, com marcas de leitura e comentários;
2)
redação de cadernos de extratos ou
exzerptes;
3)
elaboração de cadernos de notas marginais ou
memoranda;
4)
confecção de manuscritos monográficos o monotemáticos;
5)
redação de manuscritos “semipúblicos”, para difusão restrita;
6)
confecção de cadernos de rascunhos (borradores) e provas para impressão;
7)
finalmente, os livros e panfletos que chegavam ao público em geral.
Essa
complicada e meticulosa técnica de trabalho intelectual se complicava ainda mais
pela atenção de máximo escrúpulo às fontes, que chega a exasperar. E a tudo isso
se devem acrescentar os sucessivos exílios e a pobreza quase extrema em que
viveu, que o impediram de manter biblioteca pessoal. Por isso serviu-se da
melhor biblioteca que havia no planeta, naquele momento: do Museu Britânico.
No
período londrino, por exemplo, as limitações objetivas obrigavam-no a estudar e
escrever durante o dia na biblioteca pública que houvesse mais à mão (fosse a
Chetham’s Library de Manchester ou a mística Sala de Leitura do Museu Britânico
em Londres).
Ali anotava com garranchos ininteligíveis, nos
Citanhefte e Grundrisse, cadernos de citações e resumos;
depois, à noite, em casa, redigia o texto como o imaginava para ser publicado.
Esse tipo de “laboratório” artesanal de Marx, simultaneamente, gerou um problema
editorial de implicações que nem Marx jamais imaginou: a produção “diurna”, os
longos períodos de estudo na sala nº 0-7 da Biblioteca do Museu Britânico
superaram em muito a parte esotérica e “noturna” de sua obra. Basta comparar o
editado e o seu nachlass literário. A obra conhecida era só
uma ponta do iceberg, menos de um terço da obra, que só
aos poucos começou a emergir de uma massa gigante de manuscritos inéditos, os
famosos Cadernos, um verdadeiro continente construído numa taquigrafia
microscópica. Um problema editorial dos maiores!
Hobsbawm,
por exemplo, disse, dos originais dos
Grundrisse, que eram “uma espécie de
estenografia privada, que se torna impenetrável”, com trechos sublinhados,
partes marcadas com lápis de três cores diferentes.
Charles
Rappoport, social-revolucionário russo que visitou Engels em 1893 perguntou-lhe
pelo andamento do trabalho de edição do 3º tomo de
Das Kapital. Engels mostrou-lhe enorme pilha de
manuscritos sobre uma mesa “e sugeriu que lesse uma linha apenas de alguns dos
cadernos. Não consegui decifrar absolutamente nada. A escrita era completamente
indecifrável. ‘Agora você entende’, disse Engels, como é difícil fixar pelo
menos o texto’”.
Como
Marx trabalhava nessa época? Temos o relato de um britânico, o socialista
Hyndman: “[Marx] já estava no Museu Britânico quando abria as portas pela manhã
e não saía de lá até a noite, quando fechava. Em casa, descansava alguns
momentos, o suficiente para jantar; e voltava a escrever até as primeiras horas
da madrugada. Trabalhava, de rotina, 16 horas por dia; era o ritmo habitual; não
raras vezes, trabalhava mais duas, três horas. E que trabalho
fazia!”
Nota
de rodapé
*
VARELA,
Nicolás González (traducción, estudio preliminar y notas), Karl Heinrich
Marx. Cuaderno Spinoza, Barcelona: Montesinos, 2012, 268 pp.
Sobre
o texto de Marx:
“Na primavera de 1841, um estudante hegeliano de 23 anos, que vivia em Berlim,
chamado Karl Marx, transcreveu/reescreveu em vários cadernos 170 trechos do
Tractatus theologicus-politicus, a obra mais política do filósofo
holandês Spinoza. Esses manuscritos permaneceram inéditos até 1976, quando então
foram incluídos na nova edição alemã das obras completas de Engels e Marx, a
famosa MEGA. O texto é sumamente importante, tanto pelo método de
trabalho, que adiante se tornará habitual de Marx, como pela exposição da
filosofia política spinoziana, que Marx reordena e subverte radicalmente em
relação à exposição original. Trata-se na realidade de texto escrito por Marx,
mas “à maneira” de Spinoza.
É
operação intelectual e de intervenção política de imenso interesse, que se pode
entender tanto como gesto de apropriação espiritual quanto como construção de um
antídoto eficaz contra as próprias premissas liberais do pensamento de Hegel.
É
texto de Marx inédito em língua espanhola, escrito e pensado com as palavras de
outro filósofo subversivo, Baruch de Spinoza, que mostra sua presença decisiva
no itinerário do pensamento político marxiano. Essa presença anuncia a gênese da
crítica da alienação política e do Estado que se verá no Marx maduro, e permitiu
a Marx ampliar a definição moderna de democracia autêntica, como conceito que
permite resolver o enigma da comunidade humana”
[22/3/2012, Spinozianas: filosofía y
política em: “Nicolás
González Varela: Karl Heinrich Marx. Cuaderno
Spinoza”].
___________________________
Notas
dos tradutores
[1] Sobre o livro, ver: “[Libro] Nietzsche. Contra la
democracia” de 11/5/2010.
[2] Há artigo em português, sobre ele
na Revista EconomiA em: “David Riazanov
e a Edição das Obras de Marx e Engels” de Hugo Eduardo da Gama Cerqueira
(jan/abr de 2010).
[3] Há em português: SPINOZA , Baruch
de. Tratado Político de Benedictus de Spinoza. Trad. do latim da edição
estabelecida por Carl Gebhardt, de 1924, de Diogo Pires. Lisboa: Círculo de
Leitores, 2009, ISBN: 978-989-644-016-9. Outra edição da qual se encontra
referência, do mesmo tradutor, é ________, Lisboa: Casa da Moeda, 2004, 3ª. ed.
São as únicas das quais se encontraram referências nas bibliografias de teses
aprovadas pela FFLCH-USP.
[4] MARX, Karl. Crítica
da filosofia do direito de Hegel [Zur Kritik der hegelschen Rechtsphilosophie].
Trad. Rubens Enderle e Leonardo de Deus, São Paulo: Boitempo, 2005, 176
pp.
Prezados,
ResponderExcluirÓtimo trabalho mais uma vez! Aponto apenas pequeno equívoco, no plano em que se apresenta a entrevista, quando a nota dos tradutores sugere que em plena segunda metade do século XIX ainda era impossível a atividade editorial no Brasil. Mesmo durante o período colonial havia a possibilidade da concessão de licenças, embora na prática isso não tenha se concretizado - ou com efeitos muito contidos -, mas, certamente, não era esse o quadro em 1878, de vez que a criação da Imprensa Régia, em 1808, abriu caminho para melhores condições de exercício da atividade editorial. Sem maiores digressões, o fato é que em 1878 não era "proibido editar livros" no Brasil.
Parabenizo mais uma vez os tradutores e o mantenedor do blog, pois sempre consigo boas leituras por aqui.
Grande abraço!
Tem razão o leitor: nosso tradutor precipitou-se, no entusiasmo com a edição de Spinoza, traduzido do latim ao espanhol e publicado na Espanha em 1878. Consultado, ele reconheceu: "É. Errei. Em 1878 já não era proibido nem ilegal editar livros no Brasil: era legal, permitido e IMPOSSÍVEL." [pano rápido, sem maiores digressões]. (Informação interessante sobre o assunto, há em http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_livro_no_Brasil#Mercado_editorial_na_prov.C3.ADncia)
ExcluirCompañeros! Gracias por la difusión! Abrazos! (Nicolás González Varela)
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