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domingo, 21 de junho de 2015

Pepe Escobar: Partição do “Siriaque”


19/6/2015, [*] Pepe Escobar, RT – Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Atual partição do Siriaque
(clique na imagem para aumentar)

Faltando menos de duas semanas para um possível acordo nuclear entre o Irã e o P5+1, a arriscada diplomacia que opera nesse “deserto de espelhos” [orig. wilderness of mirrors] que é a inteligência sobre o Oriente Médio chega a picos sem precedentes de atividade febril. E nada é o que parece ser.
É claro que muito que hoje depende desse acordo nuclear com o Irã tem a ver com o Oleogasodutostão. O Irã, assumindo-se que as sanções entrem rapidamente em colapso, poderá afinal vender gás natural à União Europeia – fazendo, teoricamente, concorrência à Gazprom; mas demorará muito, até que a arruinada infraestrutura iraniana seja recuperada.
E há também o futuro do proposto gasoduto chave Irã-Iraque-Síria, de US$ 10 bilhões – rival de um projeto do Qatar. É fácil identificar os que não querem saber de Iraque estável, capaz de implantar gasodutos por todo o próprio território. O Qatar jacta-se de ter mais gás (que possa ser entregue) – e melhor infraestrutura que o Irã. A viabilidade de construir dutos desde o Qatar, via Arábia Saudita, Jordânia e Líbano já foi estudada. Se Teerã quer resultados rápidos, muito melhor negócio será exportar diretamente para a União Europeia (UE), via a Turquia, do que atravessando Iraque e Síria.
Quanto ao hegemon, as coisas eram muito mais fáceis antes da [operação] Choque e Pavor em 2003. Naquele momento, Washington era dona do mundo; era marchar e ocupar (e destruir) o que quisesse. Disso, afinal, tratava a Dominação de Pleno Espectro. Durou apenas uma fração (histórica) de segundo.
Agora, o autodescrito governo de “Não faça merda coisa estúpida” [orig. Don’t Do Stupid Stuff] de Obama praticamente já quase nem se qualifica, sequer, como espelho quebrado, naquele deserto de espelhos.
Aremos pois o deserto do “Siriaque”
Funcionários da OTAN em Bruxelas parecem crer nos sunitas linha-duríssima treinados pelo Pentágono na província de Anbar para usarem armamento pesado e com esse armamento derrubarem o governo do ex-Primeiro Ministro al-Maliki em Bagdá – que vinha causando problemas a Washington. Mas fato é que o treinamento facilitou a posterior “fusão” desses sunitas com o ISIS/ISIL/Daesh.
Oleogasoduto em operação no deserto

O Pentágono – ou, pode-se dizer, de fato, a OTAN – poderia facilmente esmagar o falso Califato. Não esmagam, porque não querem. Muito melhor é deixar prosperar o caos, a perfeita tática de Dividir para Governar que tão bem serve aos suspeitos de sempre. Já arruinaram a Síria. Já arruinaram o Iraque. Os comboios de suprimentos para o ISIS/ISIL/Daesh partem da fronteira de OTAN e Turquia-Síria, protegidos pela Força Aérea turca; o que equivale a dizer que a OTAN – e a CIA – estão “apoiando” de fato o Califato fake. O Egito está falido. O Irã, quase quebrado. As coisas nunca estiveram tão bem para os suspeitos de sempre.
Agora, vamos até uma alta fonte na inteligência saudita para complicar ainda mais o imbróglio. Segundo aquela fonte, Palmyra foi “dada” ao ISIS/ISIL/Daesh na Síria, assim como cidades chaves na província de Anbar no Iraque:
O Daesh já não é segredo, e os EUA têm tanto interesse nele quanto no [ex-] eixo do mal.
O fato de que o ISIS/ISIL/Daesh, depois de cada vitória em campo, rapidamente incorpora para si grandes quantidades de armamento norte-americano muito avançado, cuja operação exige meses de treinamento intensivo, pode sem dúvida indicar que os capangas do Califa sim, foram adestrados por gente da inteligência ocidental.
Ao mesmo tempo, a fonte na inteligência saudita alimenta a fantasia de um Califato de duas cabeças: uma na Síria, ligada ao governo de Assad em Damasco – o que é perfeita tolice, porque o Califato, no Iraque, combate contra o Irã.
O Presidente Barack Obama dos EUA, entrementes, procrastina e disse que:
(...) o ISIS/ISIL/Daesh pode ser derrotado, mas ao longo dos próximos três anos. Mais uma vez, como sempre, por que não deixar que viceje o caos?
Outra fonte na inteligência saudita está pelo que se poder ver muito desanimada: “Os EUA nunca permitirão mudança de regime” na Síria. Para esse agente, o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) teria a função de “salvar a Síria”, e ele culpa a CIA por “interferir na transferência de armas para o Exército Sírio Livre”. No final, as petromonarquias do CCG “mudaram as rotas das entregas de armas, para evitar as obstruções da CIA”. Quer dizer: atualmente, os islamistas linha-duríssima da Frente al-Nusra, estão, pode-se dizer, armados como melhor se recomenda.
Terroristas da Frente al-Nusra, mantidos por EUA- Arábia Saudita - Qatar, juntaram-se ao ISIS/ISIL/Daesh

A Casa de Saud continua obcecada com derrubar Assad (e “o exílio dele para um enclave que resultará da redivisão da Síria”). Seria golpe mortal contra o Hezbollah, combinado à divisão do Iraque “que dizimaria o sonho de Teerã de restabelecer o império farsi, que Obama ajuda obsessivamente”.
Os sauditas também parecem crer na noção fantasiosa de que os sunitas na província de Anbar teriam descoberto que o ISIS/ISIL/Daesh é uma espécie de cover – alimentado simultaneamente pelo ocidente e pelo Irã – para “provocar disputas sectárias e acelerar a decisão por uma partição do país”. Na verdade, a Casa de Saud não quer qualquer partição do “Siriaque.” Quer dois regimes fantoches e total controle sobre eles. Para dizê-lo em termos suaves, Riad está bastante “frustrada” com as trapalhadas que já são marca registrada de Washington.
Nossa fórmula é caos, cada vez mais caos
Digam o que disserem os “especialistas”, o remapeamento do Oriente Médio pós-Sykes-Picot prossegue sem parar.
A Frente al-Nusra e o grupo Ahrar al-Sham – outro grupamento de jihadismo linha duríssima – continuam a ser integralmente armadas por Turquia, Arábia Saudita e Qatar. É coisa diretamente conectada ao proverbial “papel ativo” do novo capo da Casa de Saud, rei Salman. Assim se vê que Assad em Damasco enfrenta ataque em movimento de pinça: ISIS/ISIL/Daesh no leste, controlando pelo menos metade do país (OK, quase toda essa área é deserto); e Frente al-Nusra, controlando uma “coalizão jihadista de vontades” no norte e no centro. Quanto àquelas armas que o Pentágono forneceu aos incansavelmente elogiados e promovidos “rebeldes moderados”, já foram todas absorvidas pela Frente al-Nusra.
Sabe-se que durante aquela reunião do dia 2/6/2015, perfeita “coalizão de vontades” em Paris, co-patrocinada meio a meio por EUA e França para discutir ISIS/ISIL/Daesh, houve uma discussão “secreta”, de portas fechadas, na qual as petromonarquias do Golfo exploraram características que um acordo para a Síria teria de ter.
A Rússia também está muito ativa nesse front, especialmente com Arábia Saudita e Qatar, tentando conseguir que levassem seus respectivos grupos para a mesa de negociações.
Países do CCG - Conselho de Cooperação do Golfo

O problema é que o CCG não se satisfaz com menos do que exílio para Assad – na Rússia ou no Irã. E Washington, como se poderia adivinhar, só aceita golpe: “mudança de regime” light, a ser perpetrado por oficiais alawitas já familiarizados com a operação da máquina administrativa do estado sírio.
Nem uma nem outra ideia parece ser sequer remotamente exequível, uma vez que Arábia Saudita, Qatar e Turquia têm agendas muito profundamente diferentes e estão obcecadas com assegurar que os respectivos próprios e específicos rebeldes que recebem ordens de cada um desses estados, os rebeldes “deles” – de jihadistas linha super dura a falsos “moderados” – sejam as únicas e indiscutíveis futuras potências por ali.
E isso nos leva de volta para o possível acordo nuclear Irã/P5+1, dia 30/6/2015. A Síria é moeda crucial de barganha discutida em salas fechadas. Mas no que tenha a ver com o Império do Caos – para nem falar das petromonarquias do Golfo – o melhor negócio é a situação atual, mutável, extremamente confusa: um “Siriaque” completamente enfraquecido, guerra em dois fronts, o Irã na defensiva, e o Califato fake impondo a partição em solo, como realidade consumada.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
Adquira seu novo livro Empire of Chaos, publicado no final de 2014 pela Nimble Books

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Ucrânia: para a Rússia as questões estratégicas (não só as táticas)

8/7/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

The Saker
Acho que a inesperada queda de Slaviansk nos atingiu com muita força. Estávamos habituados a pensar na cidade como uma nova Stalingrado, versão Donbass de Bint Jbeil, [1] e a repentina retirada das forças de Strelkov nos surpreendeu. E “nós”, aqui, significa mesmo todos nós, inclusive os Ukies (que apostavam que Strelkov lutaria até a última bala). Era o que Strelkov queria.

Eu poderia voltar linha a linha aos argumentos de Auslander ou do general Ukie anônimo, mas o máximo que teria a acrescentar é que concordo com eles. Não vejo por que voltar a tudo isso. Já discuti a evolução provável da situação de combate no Donbass e especificamente discuti a única real importância de Slaviansk, que é importância simbólica. Se alguém sinceramente ainda crê que a retirada comandada por Strelkov tenha sido qualquer coisa menos que movimento perfeito, em perfeito timing, de posição insustentável, não tenho mais o que argumentar para demovê-lo dessa crença.

Aos demais, lembro o seguinte: a retirada é uma dos movimentos mais difíceis e importantes em qualquer combate e exige competências complexas e refinadíssimas; é movimento sempre completamente subestimado por civis, e é o teste mais radical a que se pode submeter a qualidade do comando que a ordene e das forças que a executem. Pelo que se sabe, Strelkov fez retirada perfeita, em perfeita ordem e cronometrada com precisão impecável, de uma Slaviansk já cercada. Não há melhor prova de que é homem de soberbos talentos táticos.

O que quero fazer agora é considerar, não as questões táticas, mas as opções estratégicas da Rússia. Não como a Rússia tentará fazer isso ou aquilo, mas, em vez disso, considerar o que me parece que seja o provável objetivo final dos russos nessa campanha.

Os objetivos e motivos de Putin

Primeiro, tenho de dizer que a única hipótese de trabalho lógica sobre Putin é que ele está fazendo o que crê que seja o melhor para a Rússia e o povo russo. A noção de que seria “covarde”, ou que estaria “vendido” são ridículas prima facie: fosse esse o caso, não teria ordenado que as forças russas cercassem e protegessem imediata e completamente da Península da Crimeia, bem sob o nariz dos EUA e da OTAN. Nem teria ousado desafiar abertamente os anglo-sionistas na questão da Síria. Não. Se Putin ainda não mandou forças russas para o Donbass, isso nada tem a ver com medo ou com alguma suposta fraqueza russa. Isso tem tudo a ver com o fato de que Putin chegou à conclusão de que a tática certa não é essa, para alcançar o seu objetivo estratégico. Essa é a única explicação lógica.

Putin joga xadrez com o império anglo-sionista
Observo que pesquisa recente mostrou também que 60% (sessenta por cento!) dos russos concordam com ele e não querem que Putin envie tropas para o Donbass. Significará que 60% dos russos são covardes ou foram subornados pela OTAN? Improvável.

Mandar tropas russas para a Novorrússia é uma tática, um meio para alcançar outro objetivo. Não é o objetivo per se, certo? Assim sendo, qual é o objetivo?

A primeira pergunta que temos de propor é a seguinte: a Rússia pode aceitar, ou, no mínimo, conviver com o projeto dos EUA? Outra vez, qual é esse projeto? Uma Ucrânia unitária (não federal), governada por nazistas russófobos absolutamente controlados pelos EUA, com a OTAN dentro da Ucrânia e todas as formas de influência russa fora de lá.

No melhor dos casos, significaria que a Crimeia ficaria sob constante ameaça de ataque; no pior, significaria um ataque de Ukies/OTAN/EUA contra a Crimeia tão logo se tenham concentrado forças suficientes na Ucrânia. Respondam vocês mesmos: esse quadro como resultado final é aceitável para a Rússia? Há qualquer chance de Putin ser convencido a aceitar isso? Minha resposta é um enfático “de jeito nenhum, NUNCA!”. Esse simplesmente não é resultado que a Rússia possa aceitar, independente de quem esteja sentado no Kremlin.

Ok, então, quem sabe um acordo com Poroshenko? Algo como “você cede a Crimeia, eu cedo o Donbass”?

Nonsense. Primeiro, porque não há Poroshenko. Bem, OK, há um sujeito que atende pelo nome Poroshenko em Kiev, mas não tem poder algum. O poder real não é, sequer, Obama, mas o “estado profundo” dos EUA: os que manejam os cordões do fantoche Obama e os que manejam os cordões de Poroshenko. Agora, façam a vocês mesmos uma pergunta básica: o “estado profundo” dos EUA precisa do Donbass? Não. Claro que não!

O Donbass – quem precisa e quem não precisa?

O que é o Donbass? Em poucas palavras, o Donbass é região completamente russa a qual pelos absurdos da história, acabou convertida em parte da Ucrânia, exatamente como a Crimeia. Além disso, o Donbass é região quase exclusivamente focada no comércio com a Rússia. Tem carvão e capacidades industriais high tech (inclusive militares). Os EUA, a UE ou mesmo o império anglo-sionistas como um todo têm exatamente ZERO necessidade do Donbass. A Rússia sim, a Rússia poderia com certeza usar muito do potencial do Donbass, mas não outros.

Cidades e áreas controladas no Donbass (legenda)
Agora, se o Donbass for entregue em mãos da Ucrânia falida controlada pelos nazistas (o que costumo chamar de Banderastão) , ele automaticamente perderá todo e qualquer valor que tenha: amputado da Rússia, o Donbass é inútil. Como uma chave que só é útil se necessária para abrir/fechar uma porta, o Donbass só é útil dentro da relação que mantém com a Rússia. Rompa essa relação, e o Donbass vale nada.

Assim sendo, o que aconteceria com uma parte Donbass de um Banderastão unitário? Em primeiro lugar, a Rússia terá de imediatamente excluir o Donbass da Zona Comum de Comércio (para proteger Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão, Armênia e membros futuros), contra os produtos da União Europeia. Além disso, os doidos da Junta em Kiev já anunciaram que o Banderastão não produzirá para a indústria militar russa. Como se não bastasse o Donbass já estar em queda livre – desde o início do ano, as exportações para a Rússia caíram, se não estou enganado nos números, algo como ¼, ou 25%. Por tudo isso, encaremos os fatos: se a Junta nazista de Kiev algum dia vier a invadir e ocupar o Donbass, a região será terra abandonada e de miséria, não a grande fonte de renda que tem sido desde 1991.

Pondo de lado os valores “patrióticos” de um estado imaginário (a Ucrânia) “retomar” terras históricas (que nunca teve), o Donbass tem valor zero. Portanto, nem a Junta nem os EUA jamais aceitarão a tal troca Crimeia pelo Donbass.

Pode-se perguntar então por qual objetivo os Ukies estão lutando tanto, por que tanta luta para pôr as mãos num pedaço de terra inútil. É muito simples.

Luta-se afinal para obter o quê?

Em primeiro lugar, lembrem, os Ukies não decidem coisa alguma. Tudo é decisão do Tio Sam. E Tio Sam quer uma nova Guerra Fria. E Tio Sam inventa e incendeia guerras e crises por todos os cantos, porque é preciso justificar a existência da OTAN e manter à tona o dólar. Para Tio Sam, uma guerra no Donbass que se arraste por uma década é perfeita! E os amaldiçoados russos pagarão pela Síria, a OTAN se infiltra para mais perto da fronteira russa, os europeus borram-se de medo, o euro vira papel picado durante o processo, e a OTAN está explicada! O que seria melhor que isso?!

Mas também a Junta em Kiev precisa de uma guerra. Por um lado, a guerra gera o perfeito bode expiatório: Putin, os Moskals, o todo poderoso FSB, [2] etc.. Também cria uma atmosfera de medo, excelente para abusos políticos, agressões a direitos humanos e civis, etc.. Também permite que os nazistas ponham-se a caçar “sabotadores” e “agentes russos” (qualquer um que discorde da ideologia ou das políticas nazistas). Uma guerra é também meio perfeito para explicar a crise. É útil, até, para fazer muito dinheiro: Kolomoiski já fez milhões, cobrando sobrepreço no combustível que vende aos militares Ukies. Por fim, mas não menos importante, guerras geram caos e os escroques e bandidos sempre gostam de caos e tempos e terras sem lei: é ambiente no qual sempre prosperam.

Por tudo isso, o Tio Sam e sua Junta nazista em Kiev querem guerra, não o Donbass.

O que significa tudo isso para a Rússia?

Ora, já demonstramos que a Rússia não pode permitir que os planos dos EUA para a Ucrânia sejam bem-sucedidos. A Rússia não pode permitir um estado nazista e armado com a OTAN, junto à sua fronteira oeste. Também já demonstramos que nenhum acordo é possível, que nada há a ser negociado, simplesmente porque nem o Tio Sam nem a Junta nazista tem qualquer interesse, absolutamente nenhum interesse, em tipo algum de negociações ou acordo. A única conclusão possível a extrair disso é que só resta à Rússia uma única opção: a vitória. Ou, se vocês preferirem, a derrota total do projeto da Junta em Kiev e do Tio Sam.

Na realidade, a Rússia não tem escolha

Quero deixar bem claro que não há, falando em termos precisos, qualquer “opção” ou “escolha”. Pensem do seguinte modo: se aponto uma arma para o seu peito e digo “a bolsa ou a vida”, pode-se admitir que, em certo sentido, você tenha algo a escolher. Mas ninguém em são consciência chamaria a isso “uma opção”, “uma escolha”. É o mesmo caso: a Rússia pode, é claro, escolher pôr em risco a própria existência, mas nenhum governante russo jamais aceitará a existência de uma Ucrânia nazista unitária na fronteira da Rússia. A Rússia portanto tem de resistir contra essa probabilidade. A Rússia tem de derrotar essa aliança EUA-nazistas e seus objetivos. E para isso a Junta nazista em Kiev tem de cair.

Em termos mais simples: o objetivo real da Rússia na Ucrânia é mudança de regime.

Azul escuro - Banderastão
Amarelo escuro - Área a ser "desnazificada"
(a divisa no mapa acima é o Rio Dniepr)
E não bastará nada menos que isso. A Rússia é absolutamente obrigada a pelo menos desnazificar a maior parte da Ucrânia, no mínimo, tem de desnazificar todo o oeste do rio Dniepr e, provavelmente, também Kiev. Se a Rússia tiver fronteira com uma Ucrânia sã, normal, não nazi-louca, e aquela Ucrânia tiver fronteira comum com algum tipo de pequeno Banderastão Galiciano, acho razoável supor que a Rússia admita. Mas esse mini Banderastão será fatalmente ou inviável, ou altamente subversivo face ao resto da Ucrânia. Não consigo imaginar tal arranjo. Além do mais, as probabilidades sugerem fortemente que o pessoal do oeste da Ucrânia recuperará a racionalidade mais cedo ou mais tarde e dar-se-á conta de que nenhum governo nazista jamais fez ou fará bem a alguém, nem mesmo a eles.

No momento, o povo ucraniano está visivelmente enlouquecido. Pesquisas recentes mostram que Liashko – que é maníaco pedófilo – é a figura política mais popular no Banderastão. Depois dele, vêm Yulia Timoshenko e Vitaly Klitschko. É terrível, sim, mas reexamine esses números: todos esses nomes somados fazem 74%. Há outros 26% de eleitores. Preferem quem?

Liashko tem 23,1% dos votos. Quando o nome mais popular não chega a 25% e os seis mais populares alcançam 74% – é visível que o país está em profunda crise política. E não se sabe por que os eleitores ucranianos preferiram essas figuras. Para “preferir” Liashko é preciso ser doido, perfeito idiota ou as duas coisas. Mas e os demais? Talvez tenham sido escolhidos não como os melhores, mas como os “menos piores”? Seja qual for o caso, entendo que a maioria dos ucranianos é gente decente, mentalmente sã, boas pessoas. Claro que há doidos, mas sempre há; e o número de doidos aumenta em país em crise, em bancarrota, que há 20 anos é alvo de lavagem cerebral por neonazistas russofóbicos. Essa situação tem de mudar. Não há dúvida de que, mais cedo ou mais tarde, mudará.

Freak Show no Banderastão
Se se acrescenta a isso o fato de que a Ucrânia está basicamente acabada, em termos econômicos, morta para todas as finalidades práticas, e que não há o que consiga impedir que a crise econômica exploda antes do final do ano, pode-se ver por que a mudança de regime pode acontecer, mesmo sem qualquer intervenção russa.

O único plano de jogo à vista

De tudo que se viu acima, podem-se extrair três conclusões simples e básicas:

1) Em nenhum caso a Rússia pode deixar que a Novorrússia caia.
2) Mudar o regime de Kiev é objetivo estratégico russo vital.
3) Moscou só movimentará suas forças militares como último recurso.

Agora, me parece, o plano de jogo de Putin vai-se tornando claro: manter a Novorrússia capaz de resistir, enquanto espera por mudança de regime em Kiev. Não significa, é claro, que a ajuda russa se tornará oficial, embora possa acontecer, especialmente se os Ukies surtarem completamente e a situação humanitária agravar-se muito. Além disso, e por cínico que possa parecer, a guerra na Novorossia é fantástico fator psicológico de mobilização do povo russo e na Novorrússia a. Mais uma vez, tratemos de encarar, o que chamo de “potencial de resistência” da Novorrússia está longe de ter sido alcançado e muitos novorrussos ainda estão em casa, assistindo a tudo pela TV. Mas agora que Slaviansk caiu e parecem estar próximas a quedas de Donetsk e Lugansk, e agora que do centro da cidade já se ouve a artilharia Ukie, não tenham dúvidas de que mais e mais novorrussos vão dar-se conta de que não se trata de guerra a que possam simplesmente assistir pela televisão: votaram em massa pela independência; agora terão de defender também em massa o próprio voto e a própria escolha.

Quanto à Rússia, posso assegurar que a onda gigante de notícias horríveis, ofensivas, de enfurecer, que chegam da Ucrânia, já tiveram impacto enorme na Rússia. Considerem esses números que um funcionário do Kremlin distribuiu ontem. Oficialmente, há agora 481.268 refugiados da Ucrânia na Rússia; 414.726 só na área da fronteira (Rostov); e 20.461 já solicitaram status oficial de refugiados. Assim, enquanto o Departamento de Estado nega a realidade desse fenômeno, ou, quando não nega, explica que o êxodo se deve ao frio nas “montanhas Rostov” (não existem) ou por pessoas que visitam os avós”, os públicos russos veem enormes aviões Il-76 de transporte abarrotados de passageiros, famílias inteiras, longas filas de refugiados nos postos de fronteira russos (os quais, vale lembrar, os Ukies atingem a tiros regulamente “por engano”), conjuntos de música popular (dentre outros, DDT) fazem concertos beneficentes para levantar fundos para os refugiados, cidades inteiras de barracas são construídas pelo EMERCOM (ministério russo de Defesa Civil, Emergências) e grupos imensos de refugiados são hospedados por toda a Rússia, em hotéis, casas de família ou em centros especialmente organizados ou construídos. Por tudo isso, que ninguém se engane: embora os horrores no Donbass continuem “não vistos” na imprensa-empresa anglo-sionista ocidental, são imagens diárias sempre presentes na imprensa russa; e essa barragem de eventos e imagens está tendo efeito profundo, que é efeito de longo prazo, sobre a população em geral.

Ucrânia: entradas e saídas de gás para a Europa 
Boas notícias para Novorossia e Rússia

O Banderastão está condenado. Nesse momento, ainda está sendo mantido artificialmente vivo pela ajuda ocidental, pelo gás russo (desviado ilegalmente para reservas locais durante a primavera) e, sobretudo, por ação da inércia. Assim como um grande trem não pode parar instantaneamente, assim também um grande estado como a (hoje defunta) Ucrânia não acaba da noite para o dia. Mas vai perdendo energia em altíssima velocidade. Moscou fechou a torneira do gás, os empréstimos externos mal conseguirão cobrir os juros da dívida Ukie, e a guerra no leste do país não só está custando bilhões, como também está destruindo a infraestrutura da parte mais rica da ex-Ucrânia. A Junta de Kiev é constituída de doidos incompetentes, que não têm sequer ideia sobre o que fazer para enfrentar os problemas reais, e que, também por isso, nada fazem além de executar ordens que recebem do Tio Sam. Quanto ao Tio Sam, não só não dá a mínima bola aos Ukies e àquele patético Banderastão-lá-deles – como, também, está felicíssimo por ter conseguido criar uma grande crise entre a União Europeia e a Rússia.

E quanto a chamada “operação antiterroristas” contra a Novorrússia? Bem, digamos apenas que o ministério da Defesa do Banderastão tem exatamente ZERO de experiência militar, e que já anunciou que a estratégia Ukie será cercar e bloquear Lugansk e Donetsk. É, é verdade: os Ukies já anunciaram que não tentarão tomar essas cidades.  Claro: dado que a Junta mentiu sempre em tudo que “declarou”, pode-se ter certeza que tentarão tomar as cidades. Mas, dado que as chances de sucesso estão bem perto de zero (operações de ataque urbano comprometeriam praticamente todas as vantagens que os Ukies conseguiram até agora), tomaram a providência de anunciar que não tentarão.

[Como tema colateral, quero anotar fato interessante: depois da “vitória” Ukie em Slaviansk, uma longa lista de altos oficiais Ukies foram demitidos e substituídos. É informação eloquente sobre o real significado do que aconteceu, ou não é?!].

Não há dúvidas de que o tempo corre a favor da Rússia e que o colapso de todo o estado do Banderastão é inevitável dentro dos próximos 4-6 meses. O que realmente falta saber é se a Novorossia será capaz de resistir por todo esse tempo sem ajuda russa declarada. Meu palpite é que, sim, resistirá, mas com a tomada pelos Ukies de todo o noroeste da Novorossia (a grande área em torno de Slaviansk-Kramatorsk) os novorrussos não têm mais profundidade estratégica. Agora, é tempo de “nem um passo para trás” para a Novorrússia e para a própria Rússia. Outro sucesso dos Ukie poderia virar a maré, sobretudo psicologicamente. Uma coisa é desistir de defender cidade indefensável; outra coisa bem diferente é perder Gorlovka ou Snezhnoe e arriscar-se a perder o núcleo Krasnyi Luch - Antartsit. Se esses núcleos-chaves forem tomados pelos Ukies, defender Lugansk e Donetsk passará a ser o último recurso da Novorossia.

Em conclusão (derrubar alguns mitos)

Acho que, em conclusão, há alguns mitos a serem derrubados. O primeiro é o mito de que a resistência teria sido inútil, que Strelkov ou Putin (ou ambos) fizeram aos novorrussos o que Papa Bush fez aos xiitas iraquianos: disse-lhes que se levantassem em motim, para serem massacrados. Essa ideia assume que nazistas possam operar sem terror e massacres.

Permitam-me lembrá-los de que não houve levante, nem Strelkov, em Odessa, cidade que, mesmo sem levante, foi massacrada e vive hoje em regime diário de terror. Além disso, o mesmo regime de terror vê-se também na Carcóvia que, inicialmente, só queria unir-se à Novorrússia, mas cuja resistência bem efetivamente esmagada pelas forças especiais da Ucrânia e pelos bandidos do Setor Direita (Pravy Sektor). O mesmo vale para Mariupol.

Igor Strelkov -Ministro da Defesa da RPD
Todas essas cidades vivem hoje em atmosfera de medo, governadas pelos esquadrões-da-morte e gangues de bandidos dos oligarcas locais, aos quais essas cidades literalmente *dadas* pela Junta (gente como Kolomoiski ou seu testa-de-ferro Palitsa, em Odessa).

Contra nazistas, recomenda-se sempre resistir até a última bala, e a solução para a parte que os nazistas ocuparam da Ucrânia ainda é a mesma: luta, luta e mudança de regime em Kiev. Culpar Putin e/ou Strelkov pela guerra é simplesmente ridículo.

Outro desses mitos é comparar a Crimeia e o Donbass. Em termos simples, absolutamente não há o que comparar. São regiões completamente diferentes, com geografia radicalmente diferente e formação étnica e ideológica completamente diferente. Supor simploriamente que Putin poderia ter feito no Donbass o que fez na Crimeia é absolutamente fechar os olhos à realidade em campo. Não há absolutamente razão alguma que faça crer que o povo de Novorrússia está todo ele unido num único desejo de ser parte da Rússia – como era o caso na Crimeia.  Sim, eles votaram a favor da soberania, mas “soberania” pode significar qualquer coisa, desde uma entidade soberana numa Ucrânia federal ou confederada, até um status independente como parte da Federação Russa. Não devemos confundir sentimentos antinazistas e sentimentos antiucranianos. Pode-se detestar a Junta nazista em Kiev e, mesmo assim, desejar permanecer ucraniano, na identidade. Assim sendo, sim, há sinais claros de que o Donbass nada quer ter a ver com o regime nazista que está no poder em Kiev; mas absolutamente nada autoriza a concluir automaticamente que uma maioria de novorrussos quer que o Donbass seja parte da Rússia. É possível que isso esteja mudando, agora, com a guerra; mas ainda nada se pode afirmar.

Por fim, há a questão da Rússia potência global. Alguns acreditam que a Rússia é fraca e simplesmente não pode sustentar luta aberta global contra o Império Anglo-sionista. Esses dizem, com razão, que a Rússia depende de vários itens que tem de importar (medicamentos, chips de computadores, etc.). Outros dizem que a Rússia é quase invulnerável, que pode sustentar confronto econômico direto com o ocidente e levar a melhor. Nenhuma dessas avaliações é correta.

A Rússia é dependente de importações para várias coisas. E há muito dinheiro russo no ocidente, em bancos britânicos e em paraísos fiscais. A economia russa está OK, no máximo, mas, com toda a União Europeia em recessão, há sinais de que a Rússia pode, sim, seguir a mesma via. E é normal. Há apenas 15 anos, a Rússia estava a um passo de virar estado falido, como a Ucrânia hoje; e o que Putin conseguiu é um quase milagre, mas também os quase milagres exigem tempo, e a Rússia está longe, muito longe, de ter recobrado sua plena saúde. Há também grandes problemas sistêmicos dentro da Rússia, como corrupção, fuga de capitais, política ensandecida de juros, muitas empresas russas operando fora do país, sistema de impostos sub-par, etc.. Sim, sim, a Rússia está melhorando e melhorando, tem reservas gigantes de dinheiro e de recursos naturais e humanos, e as perspectivas de longo prazo são, sim, excelentes. Mas há coisas que a história, sim, ensina. Também na história da Rússia.

Piotr Stolypin
O brilhante primeiro-ministro e reformador russo Piotr Stolypin disse em frase que ficou famosa, que:

Deem à Rússia 20 anos de paz interna e externa, e vocês não reconhecerão o país.

Foi assassinado por um revolucionário em 1911 e todos sabemos o que aconteceu na sequência. Putin tampouco ganhou seus 20 anos de paz, e nada sugere que venha a ganhar; e nem a Rússia, não, pelo menos, enquanto o anglo-sionistas ocuparem o planeta. Implica que, tão cedo, a Rússia não recuperará saúde plena e todo o seu potencial.

Em outras palavras, não importa que a Rússia possa ou não de algum modo sobreviver a confronto em grande escala com o ocidente– o que interessa, aqui e agora, é que a Rússia tem interesse estratégico em fazer tudo que esteja ao seu alcance para evitar esse confronto.

Essa é a razão pela qual Putin tem sido tão cuidadoso, e é provavelmente a razão pela qual 60% dos russos não querem que o poder militar russo entre na Novorrússia: não querem comprometer o que foi alcançado com tanto esforço e a tão alto preço, pela Rússia de Putin, nos últimos 15 anos. Mais uma vez: se não houver outro meio para salvar a Novorrússia de ser tomada pelos nazistas, forças russas entrarão, muito provavelmente, na Novorrússia. Mas entendo que o Kremlin tem um mandato recebido do povo russo, para guardar essa opção como absoluto último recurso (com ações militares menores, mesmo limitadas, sempre, por definição, possíveis).

The Saker


Notas dos tradutores
[1] A Batalha de Bint Jbeil foi das principais batalhas da guerra de 2006, quando Israel atacou o Líbano e foi derrotada pela Resistência do Hezbollah.
[2] FSB é a sigla, transliterada do russo, de Serviço Federal de Segurança da Federação Russa (substituiu a KGB). Por exemplo, lê-se sobre esses especialistas, em português.