Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido na vendinha da Maria Xerêta na Vila
Vudu: Não deixa de ser grande, enormíssima novidade, que os dois mais
importantes e conhecidos dissidentes das políticas dos EUA para o mundo estejam
hoje refugiados em países que, há 20 anos, NINGUÉM consideraria refúgio seguro:
Julian Assange continua refugiado na Embaixada do Equador, que lhe deu asilo
político; e Edward Snowden, que permanece num hotel em Hong Kong, área de
influência da China, à espera de que algum país lhe dê asilo político. ISSO É
NOVIDADE!
Cingapura
– É hora de começar a pensar o impensável: é bem possível que a era da dominação
norte-americana em todos os negócios internacionais esteja chegando ao fim. O
momento se aproxima, e é interessante saber como os EUA preparam-se para essa
experiência difícil.
Ao
longo das últimas décadas, a Ásia cresce e aparece, uma história bem mais
complexa que algum simples rápido crescimento econômico. O que ali se vê é
Região para passar por um renascimento, onde as cabeças se vão reabrindo e
geram-se novos modos de ver o mundo.
O
movimento da Ásia na direção de reassumir o papel central na economia global vem
com tal ímpeto que é virtualmente impossível contê-lo. Embora a transformação
nem sempre se possa fazer sem tropeços e dificuldades, já não é possível não ver
que estamos à entrada de um século da Ásia, e que a química mundial terá de
mudar muito.
Políticos
e intelectuais globais têm a responsabilidade de preparar as sociedades para as
mudanças globais que se aproximam. Nos EUA, a grande maioria dos políticos e
intelectuais só faz fugir, o mais rapidamente que possam, dessa
responsabilidade.
Ano
passado, no Fórum Econômico Mundial em Davos, dois senadores dos EUA, um
deputado da Câmara de Deputados dos EUA e um vice-conselheiro de segurança
nacional participaram de uma mesa de discussão (que ficou sob minha coordenação)
sobre o futuro do poder dos EUA. Perguntados sobre que futuro anteviam para o
poder dos EUA, todos, previsivelmente, responderam que os EUA continuariam como
“a mais poderosa potência mundial”. E perguntados sobre se os EUA estariam
preparados para a eventualidade de se tornarem a segunda economia do mundo,
responderam com evasivas.
É
reação compreensível: qualquer indício de que aceita a simples possibilidade de
os EUA se tornarem “número 2” equivale a suicídio político nos EUA.
Políticos eleitos são obrigados, em diferentes graus, a corresponder aos sonhos
dos que os elegem.
Os
intelectuais, por sua vez, têm uma obrigação especial de pensar o que ninguém
pensa e de dizer o que ninguém diz. No mínimo, devem considerar objetivamente
todas as possibilidades, agradem ou não agradem, para preparar os cidadãos para
o que inevitavelmente virá. A possibilidade de discutir ideias impopulares é
traço chave de sociedades realmente democráticas.
Nos
EUA, infelizmente, a maioria dos intelectuais esqueceu essa obrigação. Richard
Haass, presidente do Conselho de Relações Exteriores, sugeriu recentemente que
“os EUA estariam entrando na segunda década de mais um século norte-americano”.
E Clyde Prestowitz, presidente do Economic Strategy Institute, também
ainda repete que “esse século ainda acabará por ser mais um século
norte-americano”.
De
fato, se essas previsões se confirmarem, será bom para todo o mundo. Uma
economia norte-americana revigorada rejuvenesceria toda a economia global. Mas
esse seria um desenvolvimento para o qual ninguém precisaria preparar-se.
Contudo,
se o centro de gravidade do mundo deslocar-se para a Ásia, os norte-americanos
se descobrirão terrivelmente mal preparados para a nova situação. A maioria dos
norte-americanos dá sinais alarmantes de não saber, de fato, o quanto o resto do
mundo, especialmente a Ásia, progrediu nas últimas décadas.
É
preciso começar a informar os norte-americanos sobre uma verdade elementar,
matemática: com 3% da população mundial, os EUA já não podem dominar o resto do
mundo, pela suficiente razão de que os asiáticos, que são 60% da população
mundial arrancaram-se da miséria em que viviam.
Mas
a crença fundamentalista de que os EUA seriam o único país virtuoso, o único
farol de luz em mundo escuro e instável, ainda modela o pensamento e a visão de
mundo de muitos norte-americanos. O fracasso dos intelectuais norte-americanos,
que não conseguiram abalar essa fé nacionalista fundamentalista – e não
conseguiram modificar a atitude frequente entre os cidadãos norte-americanos, de
arrogância baseada na ignorância – perpetua ali uma cultura de subserviência e
de bajulação da chamada “opinião pública”.
Interessante
é que, por mais que os norte-americanos só se interessem por notícias boas, o
crescimento da Ásia não é, de modo algum, uma má notícia. Para entender, basta
ver que os países asiáticos absolutamente não visam a dominar o ocidente; querem
é copiar o ocidente. Querem construir suas próprias classes médias fortes e
dinâmicas, para alcançar o longo período de paz, estabilidade e prosperidade que
foi apanágio do ocidente, por tanto tempo.
A
transformação social e intelectual profunda pela qual passa a Ásia certamente a
empurrará, da liderança econômica, à liderança política global. A China, que em
vários sentidos ainda é sociedade fechada, preservou a abertura no plano das
ideias. Mas os EUA, que em vários sentidos são sociedade aberta, acabaram por
converter-se em sociedade de pensamento conservador, fechado, de
autorreferência. Com a classe média asiática preparada para saltar dos 500
milhões de pessoas hoje, para 1,75 bilhão de seres humanos em 2020, já é
impossível para os EUA continuar a negar por muito mais tempo, obstinadamente,
as novas realidades da economia global.
O
mundo está posicionado para iniciar uma das mais dramáticas trocas de poder que
jamais se viu na história da humanidade. Para se preparar para a transformação,
os norte-americanos têm de abandonar as ideias já desgastadas e liberar o que
até hoje foi considerado impensável. Esse é o grande desafio que os intelectuais
públicos terão de enfrentar, mais dia menos dia, nos EUA.
[*] Kishore
Mahbubani é Reitor da Lee Kuan Yew
School of Public Policy na National
University of Singapore. Ele é autor de: The Great Convergence: Asia, the West, and
the Logic of One World (Trad.: A grande convergência: Asia, Ocidente, e a
lógica do mundo unificado).
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