[*] Adriano
Benayon –
05.06.2013
O criador do Programa do
Álcool, José
Walter Bautista Vidal, faleceu no sábado 01 de junho.
José Walter Bautista Vidal |
O
pesar foi grande para as centenas de milhares de brasileiros e brasileiras que o
conheceram, participaram de suas palestras, leram seus livros e tiveram
conhecimento de suas realizações à frente da Secretaria de Tecnologia Industrial
(STI) do Ministério da Indústria e do Comércio, de 1974 a 1978, e das que levou
adiante e inspirou depois disso.
Mas,
desde logo, veio à mente dos seus amigos a memória da vitalidade e do entusiasmo
produtivo que caracterizou a existência de Bautista Vidal. De fato, uma das
qualidades que o distinguiu, é a de lutador.
Certamente
o que seu espírito está esperando de nós é darmos prosseguimento à luta que foi
sua principal razão de viver: esclarecer nossos compatriotas para que se
libertem do jugo da tirania financeira, que abrange não só o cartel
anglo-americano do petróleo e associados, mas também o que ele denominou a
tirania videofinanceira, a que assegura a escravização por meio da desinformação
e da destruição dos valores civilizatórios.
Os
que estivemos juntos com Bautista Vidal - em palestras, reuniões e encontros em
numerosas cidades brasileiras - sabemos que ele semeou informações científicas e
técnicas e, mais que isso, despertou a chama do sentimento nacional e a
compreensão de que a grandiosidade do País é incompatível com a situação a que
nosso povo está sendo submetido: a de ser pretensamente governado, há decênios,
por medíocres e covardes, meros executantes do que determina a oligarquia
capitalista estrangeira.
Que
não se iluda quem pensar que estas palavras contêm viés ideológico. Com efeito,
entre os que absorveram lições de Bautista Vidal está gente da extrema esquerda
à extrema direita.
O
que tem em comum toda essa gente? Simplesmente o sentimento de nacionalidade e a
percepção de que o Brasil está sendo saqueado, que não merece sê-lo e que há que
abandonar a passividade: mudar esse estado de coisas. Só não compreendem a
demonstração de coisas concretas e objetivas aqueles cujas sinapses
interneuronais estão bloqueadas por preconceitos.
As
veementes condenações de Bautista Vidal dirigiam-se aos que se submetem às
falsas verdades convencionais, veiculadas notadamente por organismos
internacionais, como o Banco Mundial, a OMC e a própria CEPAL, cujas políticas
Vidal desnudou em seu último livro, “A Economia dos
Trópicos”.
Bautista
Vida escreveu 12 livros, entre os quais: “De Estado Servil à Nação Soberana; Civilização Solidária dos Trópicos; Soberania e Dignidade; Raízes da Sobrevivência; O Esfacelamento da Nação; A Reconquista do Brasil; Petrobrás – Um Clarão na História”, no
qual ressalta a importância das ações do presidente Getúlio Vargas.
Na
Secretaria de Tecnologia Industrial (STI), Bautista Vidal fundou o Programa do
Álcool, graças ao qual o Brasil foi o primeiro País a dominar plenamente a
tecnologia de fabricação eficiente de álcool combustível. Em determinada altura
dos anos 80, praticamente todos os carros produzidos no Brasil eram movidos a
etanol.
O
Programa do Álcool só não deu maiores frutos porque sofreu influências
deletérias, determinadas pelo endividamento do País, causado pelo modelo
dependente. Entre essas influências, a do Banco Mundial, que fez privilegiar as
grandes usinas e as plantations de
cana-de-açúcar. Isso difere muito do que foi idealizado pelos técnicos sob a
direção de Vidal: produção descentralizada, evitando os gastos do transporte,
geralmente em caminhões a diesel de petróleo, por centenas de quilômetros, da
cana até as destilarias e o caminho inverso na distribuição do
combustível.
Ademais,
nessa indústria, que era nacional – e que, por isso mesmo, realizou importantes
desenvolvimentos tecnológicos no País - o projeto da STI abrangia também a
bioquímica do etanol e a dos óleos vegetais, com enorme potencial para criar
novos produtos substituidores dos obtidos através da petroquímica.
Bautista
Vidal engajou mais de 1.500 técnicos e pesquisadores e estruturou numerosos
centros de pesquisa tecnológica, desmontados pelos governos entreguistas que se
seguiram. A STI legou, entretanto, o modelo e as soluções adequadas, não só para
a produção descentralizada de álcool - combinada com a pecuária e a agricultura
- mas ainda as bases para o aproveitamento das magníficas plantas oleaginosas do
País, como dendê, macaúba e pinhão manso.
Tudo
isso é, até hoje, boicotado e inviabilizado pela ANP, Petrobrás, MME e demais
instituições oficiais, de há muito teleguiadas pelos interesses do cartel
mundial do petróleo.
Bautista
Vidal não obteve êxito em sua proposta de criar a Empresa Brasileira de
Agroenergia, ideia que defendeu em encontros com Lula e
colaboradores do governo deste. A Petrobrás Biocombustíveis, que resultou desses
esforços, não realiza coisa alguma do recomendado desde os anos 70 pela antiga
STI.
Nos
anos 80 e grande parte dos anos 90, Bautista Vidal disseminou seus conhecimentos
e experiências como Professor na Universidade de Brasília, no Departamento de
Tecnologia e coordenador de importantes debates no Núcleo de Estudos
Estratégicos. Aí palestrou e convidou palestrantes dos mais destacados de todas
as áreas de grande interesse para o País.
Suas
intervenções - junto com as do grupo multidisciplinar que, durante muitos anos,
participou desses debates - produziram um acervo de contribuições que teriam
servido de base para o planejamento estratégico de qualquer país dotado de
governos interessados no desenvolvimento nacional.
Entre
os valiosos ensinamentos que Vidal transmitia, mencionarei só um, que costumo
reiterar em meus artigos, tal é a falta de entendimento, para a grande maioria
das pessoas, deste fundamental conceito: a empresa produtiva, concorrendo no
mercado, é o único lugar em que é possível desenvolver tecnologia.
Consequentemente:
1) um país cuja indústria estiver em
mãos de empresas transnacionais estrangeiras jamais desenvolverá tecnologia.
2) Se a quiser desenvolver, terá que
adotar reserva de mercado.
3) De pouquíssimo servem os institutos e
centros de pesquisa, se empresas nacionais (de capital nacional) não operarem no
mercado com condições de se manterem e
desenvolverem.
É
de destacar, ainda, a ação exemplar do professor Bautista Vidal como militante
na defesa do patrimônio nacional saqueado com as privatizações determinadas
pelas potências hegemônicas e impostas pelos governos lacaios de Collor e FHC.
Com elas a União Federal gastou centenas de bilhões de reais (nada recebendo em
valor líquido) para entregar patrimônios públicos de valor imensurável,
avaliados, em visão de curto prazo, em dezenas de trilhões de
dólares.
Recordou-me
uma das admiradoras do Professor tê-lo visto, em pé, a bordo de um caminhão, com
outras figuras ilustres, como o General Antônio Carlos Andrada Serpa,
manifestando contra a criminosa doação (privatização) da Cia. Vale do Rio Doce.
Lembra,
a propósito, o jornalista Beto Almeida, ter o Professor ingressado com
representação na Procuradoria da Justiça Militar contra o ex-presidente FHC,
acusando-o, fundamentadamente, de alienar o subsolo, território nacional, o que
constitui crime dos mais graves entre os cominados pelo Código Penal
Militar.
[*]
Adriano Benayon é
doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento. Foi
vice-presidente do Instituto do Sol, presidido por Bautista Vidal. Após e durante cinco anos suscitar projetos de energia da biomassa em várias cidades
do interior do País, o Instituto foi desativado por falta de interesse do
governos federal e de governos estaduais em promover esse modo democrático,
econômico e ecológico de produzir energia.
Texto enviado pelo autor
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