A
direita argentina, a esquerda brasileira e o apoio a
Cuba
James Buchanan |
Escrito
e enviado por Raul Longo [*]
Pelas
esquinas e entre algumas correspondências da internet venho ouvindo rumores de
golpe em curso.
Desde
1857, quando do discurso de posse de James Buchanan, décimo quinto presidente
dos Estados Unidos, a bucha dos golpes políticos nos países latino americanos
não é nenhuma novidade.
Advertindo
de forma inequívoca, então Buchanan explicitou os objetivos que norteiam aquele
império:
‹‹A expansão dos
Estados Unidos sobre o continente americano, desde o Ártico até
a América do Sul, é o destino de nossa
raça››
Portanto,
sem medo e sem susto parti para Foz do Iguaçu, convidado pelos companheiros da
Associação José Martí a participar da XXI Convenção Nacional de Solidariedade a
Cuba.
Bons
companheiros, agradável viagem e talvez tenha até me lembrado de outras
semelhantes, ainda na adolescência, quando se preenchia as horas de estradas
cantando bobagens como: “O Brasil vai lançar foguete/ Cuba também vai lançar/
Cuba lança! Cuba lança! Quero ver Cuba lançar!”
Bobagem
de garoto, mas então a marchinha me dava uma sensação de identificação à luta
pela autonomia do povo cubano. Os anos passaram e, contrariamente, desde 1964
nos tornamos ainda mais subjugados.
XXI Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba (mesa diretora) |
Sobrevivi
até 2003 e pude testemunhar a retomada do Brasil rumo à independência política e
econômica. Apesar disso as inconsequências da sociedade brasileira de forma
alguma compensariam que eu puxasse lembranças de pueris passatempos para animar
as cansativas 14 horas nos acentos de um micro-ônibus.
Três
dias depois, no retorno pelo mesmo trajeto, já não tinha ânimo para brincadeira
alguma, mas se ocorresse a velha lembrança não poderia me envergonhar mais do
que pelas tantas inconsequências de gente adulta perante os cubanos que
integraram o evento.
Não
me refiro às deficiências que tornaram o evento dispersivo e improdutivo pela má
escolha do local, ausência de formação de grupos de análise e discussão sobre
temas específicos, misturando manifestações e atividades num só ambiente,
dificultando o acompanhamento das exposições de palestrantes cubanos e
brasileiros.
Tudo
isso poderia ser compensado com a preparação, pelas Associações José Martí de
cada estado, de pequenas equipes integradas por 3 ou 4 elementos previamente
instruídos sobre os temas da pauta do encontro para ali explorarem e anotarem os
tópicos mais significativos de cada assunto abordado, entrevistando os
representantes de Cuba para coleta de informações pontuais.
Nada
complexa essa atividade poderia ser desenvolvida pelos jovens realmente
interessados que participaram da Convenção, vindos dos mais diversos estados e
cidades. Repassadas a redatores que se incumbissem de conformar notas e pequenas
matérias a serem distribuídas às publicações eletrônicas e impressas destes
estados e municípios, regionalmente essas informações poderiam formar opiniões
sobre o tão omitido e, por isso mesmo, intrigante país.
Seria
muita inocência desejar que este pequeno esforço resulte em ampla divulgação da
realidade cubana, mas ainda mais inocente é imaginar que algum órgão da imprensa
brasileira enviasse à Foz alguém que reportasse as impactantes explanações sobre
as conquistas sociais e científicas de Cuba ou sobre a crueldade sofrida pelo
povo cubano ao longo de meio século de bloqueio internacional imposto pelos
Estados Unidos.
XXI Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba (público) |
Realidades
ilustradas por comprovações, inclusive de insuspeitas fontes internacionais,
irretocavelmente esclarecedoras às manipulações sobre assuntos como Guantánamo;
pesquisas e desenvolvimento médico-laboratorial; aprisionamento dos cinco
investigadores do terrorismo mantido impune pelo governo dos Estados Unidos
apesar de terem assassinado centenas de cubanos e cidadãos de outros países
latino-americanos. Além do igualmente criminoso bloqueio que desde o fim da
Guerra Fria, há mais de duas décadas se comprova uma agressão da maior potência
bélica do mundo contra um povo desarmado e não contra um regime ou governo.
Nítido e inegável crime contra a humanidade.
Além
destas, diversas outras informações que evidentemente jamais serão divulgadas
por quaisquer dos veículos das oligarquias midiáticas francamente orientadas
pelos ideais de James Buchanan ainda que ditas brasileiras, poderiam circular
pelas redações de veículos alternativos através da providência de elementar
trabalho de assessoria de imprensa, tornando mais proveitosos e consequentes os
eventos como a 21ª Convenção Nacional de Solidariedade a
Cuba.
Ainda
assim, essa improdutividade passível de ser corrigida nas próximas realizações
não foi a pior impressão que trouxe de Foz do Iguaçu. Tampouco a do caótico
comércio de Ciudad del Este, já livre
da péssima lembrança do nome do tirânico ditador quando chamada Puerto Stroessner, mas ainda não liberta
da doutrina Buchanan conforme se comprovou no golpe em 2012 ao democrático e
popular governo de Fernando Lugo, logo após ao golpe em Honduras ao também
democrático e popular governo de Manuel Zelaya.
Ciudad del
Este e as Cataratas do
Iguaçu visitamos no sábado, dia seguinte ao do encerramento da Convenção. Ao
contrário de Eleanor Roosevelt que ao se impressionar com tamanho volume de água
exclamou em inglês: “Pobre Niágara!” ali naquela tríplice fronteira, pensei:
“Pobre América do Sul!”
Meu
lamento não foi por comparar aquelas 275 quedas com a do Niágara que antes de
Iguaçu tanto orgulhou Dona Eleanor, mas lembrando do Rio Colorado que na maior
parte do ano já não alcança mais o Golfo na Califórnia no México. Mexicanos
prescindem das águas do Colorado porque seus vizinhos do norte resolveram jogar
golfe no deserto esgotando o rio para irrigar a grama de Palm Springs, uma cidade criada para os
amantes daquele esporte de elite, como outra no mesmo deserto suga o Colorado
nos cassinos e prostíbulos de Las Vegas que após 1959 substituíram os de Havana.
Ao
se deparar como o despencar das águas do Rio Paraná, Dona Eleanor pode não ter
lembrado a doutrina do antecessor de seu marido, mas o que primeiro me veio à
memória foi o futuro prometido pelo profeta Buchanan.
Não
era para tanto, afinal a história da América Latina já me habituou a viver sob a
eterna ameaça de um golpe em curso, mesmo com o alento oferecido por uma
companheira da Argentina na primeira noite no hotel onde me hospedaram os amigos
da Associação José Martí de Florianópolis. A amiga ligou para meu quarto e
sugeriu que sintonizasse o Canal 15. É o da TV Pública de seu país onde, segundo
o noticiário, naquela tarde ocorrera o acidente com um trem que colidiu com
outra composição por falha em seu sistema de freios.
A
imprensa da direita Argentina é igual a do Brasil e imediatamente culpou
Cristina Kirchner. Mas ao contrário do que aconteceu com Ali Kamel e William
Bonner ao conferirem ao então presidente Lula a responsabilidade pelo acidente
da aeronave da TAM em Congonhas; a TV Pública antecipadamente ridicularizou
cinismos como o alegado “jornalismo de hipóteses” inventado pelo editor da TV
Globo e ao sintonizar o canal pude assistir o desmonte da especulação midiática
através de um debate entre apresentadores e analistas convidados por um dinâmico
e atrativo telejornal que é uma aula para quaisquer dos produzidos pelas
emissoras do Brasil.
Pelo
que comentam os brasileiros que visitam Buenos Aires ou amigos argentinos que me
visitam, me é bastante perceptível a consciência da esquerda daquele país e a
consistência do apoio aos inegáveis avanços políticos sociais do continente na
última década. Já o apoio a Cuba pela esquerda brasileira me pareceu dúbio, pois
a maioria dos que se inscreveram para comentários às exposições dos
especialistas cubanos mais evocaram seus feitos depondo contra o atual governo
do Brasil, do que sugeriram alguma ação que pudesse elevar a compreensão de
nosso povo sobre as realidades ali demonstradas.
Um
culpou o governo Dilma Rousseff por se aliar aos Estados Unidos no bloqueio à
Ilha Caribenha. Por pouco não exigiu uma declaração de guerra, mas pretende
imediato rompimento de relações com o ainda ontem maior parceiro comercial do
Brasil que hoje ocupa a segunda posição, atrás da China.
Outra,
apresentando-se como representante de movimento internacional de esquerda,
acusou nossa Presidenta por não aceitar a vinda dos médicos cubanos. Depois de a
lembrarem ser o governo Dilma quem os requer e o Conselho Federal de Medicina
quem desaprova, decidiu por si que se Dilma realmente pretendesse a atuação dos
médicos de Cuba junto às comunidades não atendidas pelos formados no Brasil,
nada a impediria.
Mais
uma “brilhante” dedução foi a da ativista que recriminou a permissão do governo
brasileiro à vinda de Yoani Sánchez, exultando-se pela participação nos
manifestos que da Bahia transformaram a agora já esquecida agente da CIA em
vedete da mídia nacional por mais de uma semana.
Por
fim, quando alguém utilizou o microfone para publicamente requerer passagem e
estadia por algumas semanas no paradisíaco mar caribenho, um dos anfitriões do
evento solicitou que os inscritos se ativessem ao comentário dos temas
referidos. Por sorte Valter Pomar reduziu um pouco da minha vergonha apelando
pela unidade da esquerda brasileira em face da nova fase que se inicia após a
década de avanços sociais dos governos de esquerda do
continente.
Lembrando
que se envolvidas no saque petrolífero e posteriormente envoltas pela crise
mundial as forças do Império cederam aos arroubos dos movimentos políticos
populares latino-americanos, agora demonstram reação e doravante teremos um
período de enfrentamento. Mas Pomar acabou ensejando outra crítica à Presidenta
Dilma por alguém que a condenou por aceitar o convite do governo dos Estados
Unidos para servir como interlocutora continental.
Esse
comentário influiu uma jovem amiga a quem tentei demonstrar o aspecto positivo
da inusitada situação, recordando que os pupilos de Buchanan sempre resolveram
aos moldes de golpes políticos como os desferidos contra Lugo e Zelaya, ou Jango
e Allende. A amiga não se demonstrou muito convencida com meus argumentos
durante o almoço, mas quando retorno à convenção, depois de ter perdido a
palestra do início da tarde por motivos alheios à minha vontade, a jovem relatou
que se expusera exatamente o que considerei sobre aquele assunto, levando-a a
também reconsiderar a projeção de liderança hemisférica do Brasil depois de
séculos como um dos mais vergonhosos níveis de subserviência econômica e
injustiças sociais entre as nações do mundo.
Ao
menos com esse conforto chego à Florianópolis para só então ser informado da
vaia à Presidenta na abertura da Copa das Confederações, alegadamente provocada
pelos gastos com o estádio Mané Garrincha. E neste momento, enquanto escrevo
este relatório sobre a Convenção de Apoio a Cuba, a TV reproduz os manifestos
contra o aumento das tarifas de ônibus que se espalham por todas as capitais do
país.
Gostaria
de acreditar que estes protestos sejam o prenuncio de manifestações semelhantes
contra aqueles que preferem as populações das regiões mais distantes relegadas à
absoluta ausência de atendimento de saúde do que aceitar a colaboração dos
médicos de Cuba apesar do New England
Journal of Medicine afirmar:
(...)
o sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um
médico de família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito. Apesar do fato de que
Cuba dispõe de recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o
nosso [dos EUA] não conseguiu resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de
médicos por habitante do que os EUA
E
a Organização Mundial de Saúde considerar aquele país como “a nação melhor
dotada do mundo neste setor”.
Torço
para que tanta revolta pelo reajuste de R$ 0,20 na tarifa do transporte público,
se reflita também contra aqueles governos estaduais que se opõem às reduções das
muito maiores tarifas do consumo de energia. Mas estranho a polícia de Geraldo
Alkmin mirar as caras dos manifestantes ao disparar tiros de borracha e não
prender nenhum dos encapuzados e mascarados como os destas
fotos.
Quanto
à vaia à Presidenta na inauguração do Estádio Mané Garrincha um mês depois das
pesquisas a indicarem como líder inconteste de popularidade na história política
brasileira, suplantada apenas pelo presidente anterior; conhecendo o episódio da
vaia ao então Presidente Lula comandada pela batuta de César Maia na abertura
dos Jogos Panamericanos, esta outra foto me é suficientemente
elucidativa.
A
imediata repercussão internacional dos protestos nas ruas do Brasil confirmam os
rumores das esquinas e das correspondências da internet. Os discípulos
brasileiros de James Buchanan, inclusive aqueles que se imaginam de esquerda
apenas por encimarem bandeiras vermelhas, efetivamente dão curso ao golpe de
sempre.
No
entanto, apesar da esquerda brasileira ser mais estúpida do que a direita
argentina, a de cá que se cuide, pois a multidão é um monstro sem rumo e,
insuflados a brincar de revolucionários nas ruas, caso se percebam manipulados
ao invés de voltar ao conforto de suas casas e apartamentos podem enveredar por
inesperados caminhos e até desenvolver imprevistas consciências.
Vai
que isso toma consistência!... Aí, sim, “quero ver Cuba
lançar”!
Viva
Che!
Raul Longo [*] - Nascido em 1951 na cidade de São
Paulo, atuou como redator publicitário e jornalista nas seguintes capitais
brasileiras: São Paulo, Salvador, Recife, Campo Grande e Rio de Janeiro, também
realizando eventos culturais e sociais como a “Mostra de Arte Sulmatogrossense”,
(Circulo Cultural Miguel de Cervantes/SP), “Mostra de Arte Latinoamericana”
(Centro Cultural Vergueiro/SP) e o Seminário Indigenista (Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul/CG). Premiado em concursos literários nacionais promovidos
pelo Unibanco, Rede Globo e Editora Abril; pelo Circulo Cultural Miguel de
Cervantes; e pelo governo do Estado do Paraná. Publicou Filhos de Olorum – Contos e cantos
de candomblé pela Cooeditora de Curitiba, e
poemas escritos durante estada no Chile: A cabeça de
Pinochet, pela
Editora Metrópolis de São Paulo. Obteve montagem de duas obras
teatrais: Samba/Jazz of
Gafifa, no teatro
Glauce Rocha da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, em Campo Grande;
e Graças & glórias
nacionais, no
Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo.
Atualmente reside em Florianópolis, Santa
Catarina.
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