17/6/2013, [*] M K
Bhadrakumar, Asia Times Online - IRANIAN ELECTION
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Hassan Rouhani, Presidente eleito da República Islâmica do Irã |
Há
confusão à vista, depois de uma semana de insistente propaganda segundo a qual o
presidente eleito do Irã, Hassan Rouhani, seria “reformista”. Rouhani,
“reformista”?! E por qual outro motivo Mohammed Khatami, ex-presidente reformista
do Irã, apoiaria sua candidatura? Seria portanto protegido de Khatami?
Aiatolá Ruhollah Khomeini |
Tudo
isso é forçar o argumento. Rouhani tem o título honorário de
Hojatoleslam, que significa “autoridade em Islã”. É homem do
establishment político e religioso iraniano, e há décadas é membro dos
dois mais altos corpos diretivos, intimamente associados ao crème de la
crème do regime – a Assembleia dos Especialistas e o Conselho de
Discernimento. E também presidiu o Conselho Supremo de Segurança Nacional, de
1989 a
2005.
A
carreira política de Rouhani começou no período pré-revolucionário. Foi seguidor
ardente e apaixonado do Imã Khomeini – de fato, leva o crédito de ter sido o
primeiro a chamar Ruhollah Khomeini de “Imã”, o primeiro Supremo Líder do Irã.
O
ardor revolucionário de Rouhani como jovem clérigo chamou rapidamente a atenção
de Khomeini. Foi membro do Parlamento (Majlis) iraniano desde o início em
1980 até 2000. Foi vice-presidente do Parlamento, na presidência de Akbar
Hashemi Rafsanjani no mesmo mandato. Quando Rafsanjani tornou-se presidente em
1989, levou Rouhani para o Conselho de Segurança. Rafsanjani também introduziu
Rouhani no Conselho de Discernimento em 1991, em momento em que o presidente
estava no auge de seu poder político.
Mohammed Khatami |
Ao
mesmo tempo, em 1992, Rafsanjani pôs Rouhani na presidência do Centro para
Pesquisa Estratégica, um think tank que tem papel seminal na construção
das políticas de segurança e de relações exteriores e nos serviços do Conselho
de Discernimento.
Rouhani
foi eleito para a Assembleia dos Especialistas em 2000 – com Rafsanjani, que já
deixara a presidência. (Rafsanjani tornou-se vice-presidente da Assembleia dos
Especialistas e, de 2007
a 2011, ocupou a presidência).
Aliás,
Rouhani ainda é membro da Assembleia dos Especialistas e do Conselho de
Discernimento, além do Conselho de Segurança.
Assim,
o que emerge é que o povo iraniano elegeu, em eleições justas e limpas, com
comparecimento às urnas de mais de 70% dos eleitores, e no primeiro turno, com
maioria absoluta de 50,7%, um candidato que interessa ao establishment
religioso, com impecável currículo de revolucionário, que goza de total
confiança do Supremo Líder e que, pode-se dizer, controla as várias facções
dentro do governo.
Akbar Hashemi Rafsanjani |
Rouhani
só se tornou um grande “conciliador-curador” depois da presidência de Mahmud
Ahmadinejad, de contestação e disputa contra o establishment religioso.
Rafsanjani promoveu sua carreira, mas Rouhani manteve a confiança do Supremo
Líder, Ali Khamenei mesmo depois que começaram a aparecer divergências entre os
dois velhos combatentes, e, evidentemente, há vastas afinidades intelectuais e
políticas também com Khatami.
Rouhani
é, sem dúvida, político muito bem dotado, que se adapta bem às circunstâncias
mutáveis da revolução islâmica. Esse traço permitiu-lhe manter-se na posição
chave de conselheiro de segurança em dois governos, de Rafsanjani e de Khatami,
sem perder, durante décadas, a posição de membro do Conselho de Discernimento e
da Assembleia de Especialistas.
Do
ponto de vista do regime, Rouhani fez a ponte entre as presidências de
Rafsanjani e de Khatami. Obviamente, era figura “grande” demais para trabalhar
sob ordens de Ahmadinejad; e optou por converter-se, naquele momento,
em conselheiro
de Khamenei e seu representante no Conselho de Segurança.
Eleito
para unir o país
Mahmud Ahmadinejad |
O
que explica a fácil eleição de Rouhani? Primeiro, é mandato no qual se integram
todas as faces da sociedade iraniana – urbana e rural, classe média e
intelectuais, clérigos, o bazaar... Foi eleito, porque encarna a
solidariedade nacional, num momento em que o país enfrenta terríveis ameaças
externas e internas, e qualquer desunião, fragmentação ou polarização só faria
aumentar os perigos.
Para
os eleitores iranianos, o papel principal do presidente sempre foi administrar a
economia. Também a eleição de Ahmadinejad foi baseada em sua promessa de “trazer
os ganhos do petróleo para a mesa do jantar”. O povo manifestou a própria
angústia ante as dificuldades econômicas – principalmente a inflação alta e o
desemprego; a frustração com os erros na administração da economia e com o
crescente isolamento do Irã na Região.
Mohammed Baquer Qalibaf |
É
importante notar que cerca de dois terços dos eleitores manifestaram preferir ou
Rouhani ou o prefeito de Teerã, Mohammed Baquer Qalibaf. É significativo, porque
os dois eram considerados os candidatos menos “ideológicos” e mais
“gerencialmente eficientes”.
As
sanções impostas pelo ocidente feriram muito profundamente a economia do Irã.
Embora os eleitores atribuam as sanções à hostilidade das potências ocidentais
contra a República Islâmica (que já tem 30 anos de história) e saibam que nenhum
presidente conseguirá remover as sanções, eles também se dão conta de que uma
política exterior ativa e criativa pode tornar as sanções menos efetivas – e até
completamente não efetivas – como viram acontecer nas presidências de Rafsanjani
e Khatami.
Dito
de outro modo, a eleição de Rouhani deve ser interpretada como autorização para
buscar interação construtiva com países vizinhos e com toda a comunidade
internacional, consideradas as necessidades da economia iraniana.
Nesse
sentido, chama a atenção que a eleição de Rouhani tenha sido acolhida com
simpatia e bem recebida instantaneamente em todo o Golfo Persa. O
presidente dos Emirados Árabes Unidos, Sheikh Khalifa bin Zayed al-Nahyan foi
rápido na saudação que enviou a Rouhani, em que manifesta o máximo interesse “em
construir relações baseadas na cooperação” com o Irã.
Os
EUA deram jeito de saudar a vitória de Rouhani, e a Casa Branca expressou
“respeito pela manifestação do povo iraniano”, que demonstra que os iranianos
“estão determinados a agir para modelar o próprio futuro”. O governo Obama
declarou-se disposto a “engajar diretamente o governo iraniano”. É passo atrás,
em relação às beligerantes declarações anteriores de altos funcionários, segundo
as quais o resultado da eleição presidencial no Irã nada alteraria.
Washington
foi colhida de surpresa pela votação expressiva e convincente que Rouhani
obteve, que o poupou de um segundo turno desgastante e que o posiciona como
interlocutor efetivo.
Salto
de fé
Mas,
de fato, a eleição de Rouhani faz alguma diferença para a política externa do
Irã? Por um lado, há quem veja Rouhani como reformador “de fundo”,
essencialmente reformador; e há Israel, do outro lado, que insiste em que nada
mudou no Irã, e os EUA devem impor ao país sanções ainda mais duras.
A
verdade está no meio do caminho entre esses dois extremos. Durante a campanha,
Rouhani não se cansou de repetir, bem claramente, que promoveria políticas
domésticas e externas nuançadas, pragmáticas e criativas. Embora clérigo,
Rouhani não subscreve as linhas mais duras da política social. Em termos amplos,
suas declarações ecoavam as mesmas linhas que já seguiu e implementou durante a
presidência de Rafsanjani (e de Khatami).
Seyed Hossein Mousavian |
Na
presidência de Khatami, foi o encarregado do dossiê nuclear, assistido por Seyed
Hossein Mousavian – que hoje vive e trabalha nos EUA. Evidentemente, o governo
Obama conhece bastante bem o pensamento de Rouhani. Mousavian tem defendido uma
fórmula segundo a qual os iranianos preservariam o direito de enriquecer urânio,
sob estritas garantias à Agência Internacional de Energia Atômica que
satisfariam os EUA; em
troca, Teerã seria “recompensada” com um aliviamento das
sanções e com maior integração com a comunidade internacional.
Apesar
de ser figura do establishment, Rouhani é reconhecido pela comunidade
internacional pela visão nuançada e conciliatória que se viu quanto foi o
principal negociador da equipe nuclear iraniana, na presidência de Khatami. Mas,
naquele momento, o próprio Khatami era reconhecido pelo mesmo tipo de abordagem.
Grande ironia é que George W. Bush tenha escolhido denunciar aquele mesmo Irã de
Khatami, como parte do “eixo do mal”.
A
grande pergunta, portanto, é até que ponto o governo Obama estará preparado para
quebrar a crosta já ossificada, carregada de preconceitos, que encobre qualquer
pensamento sobre o Irã entre influentes grupos das elites políticas nos EUA; e
como o próprio Obama operará, caso decida erguer a cabeça e ignorar ou desafiar
o lobby israelense, tomando nova posição, racional, em relação ao Irã de
Rouhani.
Barack Obama: "Todas as opções estão sobre a mesa" |
Em
resumo, o governo Obama tem pela frente um enorme desafio, se optar por não dar
um salto de fé e se persistir no curso atual. Afinal, qualquer melhora nas
relações com o Irã demandará tempo e terá de ser processo lento e gradual,
porque o clima tenso não cederá facilmente.
Feitas
as contas, nada mais distante da verdade que apresentar Rouhani como
“reformista” disposto a combater contra moinhos de vento, e que opor-se-ia ao
establishment iraniano. Talvez não tenha a retórica combativa de
Ahmadinejad nem a disposição bombástica para se posicionar nos palcos globais,
nem usará o tom provocativo e controverso de seu predecessor nas questões
regionais e internacionais.
Mas
Rouhani não se desviará da rota traçada. Não pode ser diferente. É experiente
demais, conhece o establishment e sabe que, nas eleições de 1997, Khatami
foi eleito por arrasadora votação de 70% dos eleitores, mas as políticas
iranianas permaneceram exatamente na mesma trilha, durante todo seu governo.
Ventos
de mudança
Ali Akbar Velayati |
Isso
posto, os pensamentos e ações de todos os principais atores protagonistas aqui –
não só Rafsanjani, Khatami e Rouhani, mas também outros candidatos como Ali
Akbar Velayati ou Mohammed Aref – sinalizaram que há aguda consciência entre as
elites políticas no Irã de que é preciso mudar, em termos das carências e
necessidades do país e, também, para manterem-se afinados com o espírito do
tempo.
As
sanções foram o principal tópico na campanha eleitoral. O foco está mais
circunscrito, hoje, na necessidade de o Irã ser mais pragmático nas relações com
o mundo e na urgência de modernizar-se no plano doméstico.
As
multidões que acorreram às ruas de Teerã para celebrar a vitória de Rouhani
mostram também que, no plano popular, há altas expectativas de mudança. Rouhani
e o coletivo da liderança política iraniana com certeza sabem disso.
As
primeiras palavras de Rouhani depois da vitória eleitoral mostram o que opera em
sua mente, como construtor de pontes:
Essa é
vitória da sabedoria, vitória da moderação, vitória do crescimento e da
consciência, e vitória do compromisso sobre o extremismo e o
destempero. (...)
Aperto calorosamente a mão de todos os
moderados, reformistas e principistas [leia-se “conservadores”].
Aiatolá Ali Khamenei |
Pode-se
dizer também que Khamenei pôs-se ao lado da nação, até aqui, ao garantir aos
candidatos plena exposição pública pela mídia e por todos os meios, de modo
jamais visto, para que todos apresentassem suas plataformas e programas
políticos. Assim, o livre jogo das paixões pôde acontecer antes das eleições,
não depois, como em 2009.
A
questão hoje, portanto, está reduzida a introduzir mudanças no próprio sistema
islâmico iraniano. Pode-se dizer que a política iraniana está olhando para trás,
para andar avante. Ahmadinejad deixa o legado do que se pode definir como
presidência que mais dividiu, que uniu; e os eleitores definiram um
posicionamento segundo o qual o país não poderá avançar se não houver passado
consensual, do qual todos partilhem.
E
assim aconteceu, paradoxalmente, que uma “terceira geração” de eleitores
iranianos elegeu, para liderá-los, um discípulo-favorito do Imã Khomeini. É o
mesmo que dizer que essa eleição enterrou a divisão entre reformistas e
conservadores, na política iraniana. O cisma tornou-se
irrelevante.
___________________________
[*] MK Bhadrakumar
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e
segurança para várias publicações, dentre as quais The
Hindu, Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais velho
de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de
Kerala.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.