“Agora já estamos num movimento de
resistência”
4/6/2013, 18h, The Real News Network [vídeo]
Traduzido da transcrição e das legendas pelo pessoal da Vila Vudu
SHAGHAYEGH
TAJVIDI, Produtor de TRNN: Há dias, o ar
que se respira em Istambul cheira a gás lacrimogêneo. A Polícia continua a usar
armas químicas, por toda a parte.
Hoje,
os levantes entraram em nova fase, quando a Confederação dos Funcionários
Públicos da Turquia (KESK) – 11 sindicatos e cerca de 240 mil trabalhadores –
declararam-se em greve geral por dois dias.
A greve, que estava sendo planejada
para futuro próximo, em resposta a novas leis de “flexibilização” da legislação
trabalhista na Turquia, foi antecipada para hoje, em resposta à brutalidade e às
práticas cada dia mais antidemocráticas da polícia do governo de Erdogan.
A
agitação começou em Istambul, dia 27 de maio, quando tratores começaram a
arrancar árvores na Praça Taksim, no Parque Gezi, local histórico no coração da
cidade. Os planos do governo, de construir ali um shopping
center, despertaram a indignação popular, e muitos imediatamente e
durante a noite, instalaram-se ali, com barracas e para plantar mudas de
árvores, em resposta à demolição de um dos últimos espaços verdes remanescentes
em Istambul. Começou assim, o que, nos últimos dias, já foi descrito como
cenário de guerra.
Mas
o protesto também se ampliou: é hoje movimento de resistência, bem maior e mais
radical que modesto ato para proteger parques e árvores.
ADVOGADA,
ISTAMBUL (legendas traduzidas):
O que posso dizer é que enfrentamos um déspota, governo desrespeitoso, que
absolutamente não se interessa nem ouve o povo e nossas ideias. Religião e
democracia, para eles, são instrumentos. Com o que está acontecendo aqui, se vê,
definitivamente, que não há democracia alguma nesse governo. A imprensa nada
diz. Quem fala, é posto na cadeia. Todos nossos generais estão na cadeia.
YASEMEN,
MANIFESTANTE:
Como é possível?! Mas você viu como tudo começou? As pessoas estavam sentadas,
lendo livros! Estavam conversando, na Praça Taksim. E de repente, pelas 5h da
manhã, foram atacados pela Polícia, sem aviso – nem avisaram, ninguém disse
“saiam, ou usaremos gás lacrimogêneo contra vocês”. Nada, primeiro lançaram as
bombas de gás, depois os canhões de água sob pressão. Eles agiram como se...
tudo aqui fosse gravíssimo.
ADVOGADO:
Como advogado, posso dizer que não há legitimidade nesse comportamento da
Polícia. Atacaram o povo, sem que a Polícia fosse sequer provocada. Usaram
porretes e força excessiva, e bateram com tal fúria, que podiam ferir braços,
pernas, até matar. É ação muito perigosa.
TAJVIDI:
Os atuais protestos lançaram luz
diferente sobre o governo do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan. A
repressão violenta contra os cidadãos, nessas manifestações, não foi notícia nos
canais comerciais de televisão. Mostraram, no mesmo horário, o concurso de Miss
Turquia e programas de culinária.
Para
informar-se sobre as manifestações, as pessoas tiveram de usar seus próprios
meios – conectaram-se pelas mídias sociais e procuraram informação em veículos
fora da Turquia, tudo para escapar da muralha de censura interna e dos repetidos
“apagões” nas redes 3G na área de Taksim.
O
canal The Real News Network conseguiu conectar-se por algum tempo com um
ativista que estava em Taksim, embora a conexão estivesse muito instável e quase
inaudível.
TANYEL,
NOS PROTESTOS EM TAKSIM (legendas traduzidas):
Quero destacar que o governo Erdogan e sua Polícia atacaram indiscriminadamente
o povo, que estava em posição muito vulnerável. A Polícia lançou muitas granadas
de gás lacrimogêneo, sem qualquer distinção, contra crianças e outras pessoas
vulneráveis. Nesse momento, há centenas de feridos nos hospitais.
A
mídia turca tentou cobrir os protestos. Mas não se viu nenhuma notícia nos
canais turcos de televisão, desde a noite passada. Só exibiram programas sem
importância.
Mas
as mídias sociais ajudaram, Twitter e
Facebook, e as pessoas conseguiram
informar-se e vieram para cá. A manifestação só aconteceu por causa das pessoas,
nas mídias sociais. Todos trataram de mostrar o que estava acontecendo para toda
a Turquia. Trata-se de muito mais do que de proteger o Parque Gezi. Trata-se de
uma batalha entre o governo da Turquia e os jovens turcos. O pessoal quer que
Tayyip e seu governo renunciem imediatamente. Agora, estamos já num movimento de
resistência.
TAJVIDI:
Apesar de ter chegado ao poder com
promessas de prosperidade econômica e democratização, há dez anos, e apesar de
sempre ter contado com apoio popular, o partido Justiça e Desenvolvimento de
Erdogan, o AKP, também enfrenta crescente descontentamento, e não por poucas
razões. Para começar, o governo de Erdogan mantém a mídia sob um dos mais duros
regimes de censura em todo o mundo. Em 2012, a Comissão de Proteção de
Jornalistas divulgou que a Turquia aparecia em primeiro lugar na lista de países
que tem o maior número de jornalistas presos, à frente da China e do Irã.
Desde
2009, o Partido AKP iniciou investigações contra a União da Comunidade Curda,
investigações mediante as quais, o governo tomou por alvo intelectuais,
jornalistas e estudantes. O governo alegou que seriam medidas para prevenir
ações terroristas, e que atingiriam todos os partidos que tivessem qualquer
ligação com a ala urbana do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Fontes
independentes em Istambul estimam que essas investigações tenham levado mais de
3 mil pessoas à prisão.
Pouco
antes do levante do Parque Gezi, o partido governante, AKP, foi duramente
criticado por medidas para proibir a venda de bebidas alcoólicas em
estabelecimentos abertos ao público. Embora essas leis ainda não sejam vigentes,
ficou bem claro que seria a mais nova ameaça do governo religioso de Erdogan,
contra a Turquia secular. O conservadorismo religioso de Erdogan, aliado ao
autoritarismo crescente e à intolerância à crítica ou a opiniões diferentes da
sua, culminam, agora, em demonstrações de massa, gigantes, por todo o país.
BARIS
KARAAGAC, professor, Universidade TRENT:
O neoliberalismo crescente, a comercialização das relações sociais na Turquia, é
outra razão pela qual, agora, a população está tomando as ruas. É processo que
já se vê em andamento há dez anos, desde que o governo AKP chegou ao poder. Esse
processo está avançando à custa de prédios históricos, por exemplo. Todos esses
fatores operaram como catalisadores. Agora, muitas pessoas decidiram reagir
contra o governo de Erdogan, do AKP.
TAJVIDI:
E são muitas as pessoas que estão
tomando as ruas, já em 67 cidades, em todo o país. Um dos aspectos mais
interessantes é a diversidade das pessoas e grupos que se vão unindo aos
levantes populares de resistência. O que se vê é que as políticas de Erdogan
tiveram efeito polarizador, numa sociedade turca já dividida.
Esta
rede The Real News falou com ativistas em Istambul, que comentaram os
traços diversos e complexos das multidões nas ruas e suas demandas.
ALP,
ATIVISTA (legendas traduzidas):
Os primeiros a aparecer nas manifestações foram artistas, gente de vários
partidos, de associações, instituições e dos sindicatos. Mas ontem à noite,
depois das 19h, o movimento já era público. Só está sendo possível, porque todos
distribuem e recebem informação pelas mídias sociais. Acho que a maioria aqui
não é gente de partido político, sindicato ou associação. O que se vê aqui são
estudantes, professores, médicos, advogados.
YASEMEN:
Ontem vi gente que sempre apoiou o AKP, que realmente votou no AKP. E estavam
protestando na rua, ali, ao meu lado. Muita gente com véu. Isso é muito
importante. Há muitos religiosos que também nos apoiam.
TAJVIDI:
Ainda é muito cedo, é claro, para saber
a que levará essa resistência, o que conseguirá, se a luta gerará benefícios já
em 2014, ano em que haverá a primeira eleição presidencial, com voto direto, na
Turquia. Com a ambição de Erdogan, que desejava reconstruir todo o sistema
eleitoral, ameaçado agora pelos eventos dos últimos dias, observadores perguntam
se Erdogan fará concessões e se o movimento popular nas ruas conseguirá alterar
a correlação de forças entre Erdogan e sua tradicional base eleitoral.
KARAAGAC:
O que já se vê bem claramente é que o governo percebeu que, doravante, não
poderá continuar a agir protegido pela impunidade total, sem dar qualquer
atenção à oposição popular. Até agora, sempre agiu assim. Mas o povo, ou parte
muito ativa do povo, já disse “Basta!”.
TAJVIDI: Para a rede The Real News
Network, Shaghayegh
Tajvidi.
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Ver também:
1/6/2013, redecastorphoto, Muftah (editorial) em: Protestos na Turquia: “Um ciclo crescente de descontentamento"
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