terça-feira, 4 de junho de 2013

Turquia: 240 mil trabalhadores unem-se aos protestos, em mais de 67 cidades

“Agora já estamos num movimento de resistência”

4/6/2013, 18h, The Real News Network [vídeo]
 Traduzido da transcrição e das legendas pelo pessoal da Vila Vudu


SHAGHAYEGH TAJVIDI, Produtor de TRNN: Há dias, o ar que se respira em Istambul cheira a gás lacrimogêneo. A Polícia continua a usar armas químicas, por toda a parte.

Hoje, os levantes entraram em nova fase, quando a Confederação dos Funcionários Públicos da Turquia (KESK) – 11 sindicatos e cerca de 240 mil trabalhadores – declararam-se em greve geral por dois dias. 

A greve, que estava sendo planejada para futuro próximo, em resposta a novas leis de “flexibilização” da legislação trabalhista na Turquia, foi antecipada para hoje, em resposta à brutalidade e às práticas cada dia mais antidemocráticas da polícia do governo de Erdogan.

A agitação começou em Istambul, dia 27 de maio, quando tratores começaram a arrancar árvores na Praça Taksim, no Parque Gezi, local histórico no coração da cidade. Os planos do governo, de construir ali um shopping center, despertaram a indignação popular, e muitos imediatamente e durante a noite, instalaram-se ali, com barracas e para plantar mudas de árvores, em resposta à demolição de um dos últimos espaços verdes remanescentes em Istambul. Começou assim, o que, nos últimos dias, já foi descrito como cenário de guerra.

Mas o protesto também se ampliou: é hoje movimento de resistência, bem maior e mais radical que modesto ato para proteger parques e árvores.

ADVOGADA, ISTAMBUL (legendas traduzidas): O que posso dizer é que enfrentamos um déspota, governo desrespeitoso, que absolutamente não se interessa nem ouve o povo e nossas ideias. Religião e democracia, para eles, são instrumentos. Com o que está acontecendo aqui, se vê, definitivamente, que não há democracia alguma nesse governo. A imprensa nada diz. Quem fala, é posto na cadeia. Todos nossos generais estão na cadeia.

YASEMEN, MANIFESTANTE: Como é possível?! Mas você viu como tudo começou? As pessoas estavam sentadas, lendo livros! Estavam conversando, na Praça Taksim. E de repente, pelas 5h da manhã, foram atacados pela Polícia, sem aviso – nem avisaram, ninguém disse “saiam, ou usaremos gás lacrimogêneo contra vocês”. Nada, primeiro lançaram as bombas de gás, depois os canhões de água sob pressão. Eles agiram como se... tudo aqui fosse gravíssimo.

ADVOGADO: Como advogado, posso dizer que não há legitimidade nesse comportamento da Polícia. Atacaram o povo, sem que a Polícia fosse sequer provocada. Usaram porretes e força excessiva, e bateram com tal fúria, que podiam ferir braços, pernas, até matar. É ação muito perigosa.

TAJVIDI: Os atuais protestos lançaram luz diferente sobre o governo do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan. A repressão violenta contra os cidadãos, nessas manifestações, não foi notícia nos canais comerciais de televisão. Mostraram, no mesmo horário, o concurso de Miss Turquia e programas de culinária.

Para informar-se sobre as manifestações, as pessoas tiveram de usar seus próprios meios – conectaram-se pelas mídias sociais e procuraram informação em veículos fora da Turquia, tudo para escapar da muralha de censura interna e dos repetidos “apagões” nas redes 3G na área de Taksim.

O canal The Real News Network conseguiu conectar-se por algum tempo com um ativista que estava em Taksim, embora a conexão estivesse muito instável e quase inaudível.

TANYEL, NOS PROTESTOS EM TAKSIM (legendas traduzidas): Quero destacar que o governo Erdogan e sua Polícia atacaram indiscriminadamente o povo, que estava em posição muito vulnerável. A Polícia lançou muitas granadas de gás lacrimogêneo, sem qualquer distinção, contra crianças e outras pessoas vulneráveis. Nesse momento, há centenas de feridos nos hospitais.

A mídia turca tentou cobrir os protestos. Mas não se viu nenhuma notícia nos canais turcos de televisão, desde a noite passada. Só exibiram programas sem importância.

Mas as mídias sociais ajudaram, Twitter e Facebook, e as pessoas conseguiram informar-se e vieram para cá. A manifestação só aconteceu por causa das pessoas, nas mídias sociais. Todos trataram de mostrar o que estava acontecendo para toda a Turquia. Trata-se de muito mais do que de proteger o Parque Gezi. Trata-se de uma batalha entre o governo da Turquia e os jovens turcos. O pessoal quer que Tayyip e seu governo renunciem imediatamente. Agora, estamos já num movimento de resistência.

TAJVIDI: Apesar de ter chegado ao poder com promessas de prosperidade econômica e democratização, há dez anos, e apesar de sempre ter contado com apoio popular, o partido Justiça e Desenvolvimento de Erdogan, o AKP, também enfrenta crescente descontentamento, e não por poucas razões. Para começar, o governo de Erdogan mantém a mídia sob um dos mais duros regimes de censura em todo o mundo. Em 2012, a Comissão de Proteção de Jornalistas divulgou que a Turquia aparecia em primeiro lugar na lista de países que tem o maior número de jornalistas presos, à frente da China e do Irã.

Desde 2009, o Partido AKP iniciou investigações contra a União da Comunidade Curda, investigações mediante as quais, o governo tomou por alvo intelectuais, jornalistas e estudantes. O governo alegou que seriam medidas para prevenir ações terroristas, e que atingiriam todos os partidos que tivessem qualquer ligação com a ala urbana do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Fontes independentes em Istambul estimam que essas investigações tenham levado mais de 3 mil pessoas à prisão.

Pouco antes do levante do Parque Gezi, o partido governante, AKP, foi duramente criticado por medidas para proibir a venda de bebidas alcoólicas em estabelecimentos abertos ao público. Embora essas leis ainda não sejam vigentes, ficou bem claro que seria a mais nova ameaça do governo religioso de Erdogan, contra a Turquia secular. O conservadorismo religioso de Erdogan, aliado ao autoritarismo crescente e à intolerância à crítica ou a opiniões diferentes da sua, culminam, agora, em demonstrações de massa, gigantes, por todo o país.

BARIS KARAAGAC, professor, Universidade TRENT: O neoliberalismo crescente, a comercialização das relações sociais na Turquia, é outra razão pela qual, agora, a população está tomando as ruas. É processo que já se vê em andamento há dez anos, desde que o governo AKP chegou ao poder. Esse processo está avançando à custa de prédios históricos, por exemplo. Todos esses fatores operaram como catalisadores. Agora, muitas pessoas decidiram reagir contra o governo de Erdogan, do AKP.

TAJVIDI: E são muitas as pessoas que estão tomando as ruas, já em 67 cidades, em todo o país. Um dos aspectos mais interessantes é a diversidade das pessoas e grupos que se vão unindo aos levantes populares de resistência. O que se vê é que as políticas de Erdogan tiveram efeito polarizador, numa sociedade turca já dividida.

Esta rede The Real News falou com ativistas em Istambul, que comentaram os traços diversos e complexos das multidões nas ruas e suas demandas.

ALP, ATIVISTA (legendas traduzidas): Os primeiros a aparecer nas manifestações foram artistas, gente de vários partidos, de associações, instituições e dos sindicatos. Mas ontem à noite, depois das 19h, o movimento já era público. Só está sendo possível, porque todos distribuem e recebem informação pelas mídias sociais. Acho que a maioria aqui não é gente de partido político, sindicato ou associação. O que se vê aqui são estudantes, professores, médicos, advogados.

YASEMEN: Ontem vi gente que sempre apoiou o AKP, que realmente votou no AKP. E estavam protestando na rua, ali, ao meu lado. Muita gente com véu. Isso é muito importante. Há muitos religiosos que também nos apoiam.

TAJVIDI: Ainda é muito cedo, é claro, para saber a que levará essa resistência, o que conseguirá, se a luta gerará benefícios já em 2014, ano em que haverá a primeira eleição presidencial, com voto direto, na Turquia. Com a ambição de Erdogan, que desejava reconstruir todo o sistema eleitoral, ameaçado agora pelos eventos dos últimos dias, observadores perguntam se Erdogan fará concessões e se o movimento popular nas ruas conseguirá alterar a correlação de forças entre Erdogan e sua tradicional base eleitoral.

KARAAGAC: O que já se vê bem claramente é que o governo percebeu que, doravante, não poderá continuar a agir protegido pela impunidade total, sem dar qualquer atenção à oposição popular. Até agora, sempre agiu assim. Mas o povo, ou parte muito ativa do povo, já disse “Basta!”.


TAJVIDI: Para a rede The Real News Network, Shaghayegh Tajvidi.
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Ver também:
1/6/2013, redecastorphoto, Muftah (editorial) em: Protestos na Turquia: “Um ciclo crescente de descontentamento"

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