segunda-feira, 24 de junho de 2013

De Tahrir para Taksim: O ocidente sempre interferiu e interfere

24/6/2013, Ramzy Baroud, Asia Times Online  
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Ramzy Baroud
A distância entre a Praça Tahrir no Cairo e a Praça Taksim em Istambul é imensa. Não há mapa do caminho que ajude a usar a experiência popular da primeira, para explicar as circunstâncias que levaram à outra.

Muitos tentaram insistir nas semelhanças entre as duas praças, porque anda na moda atualmente “aproximar” eventos de noticiário de televisão e jornais, mesmo que haja um mundo de diferenças reais a separá-los.

Depois da revolta popular que tomou o Egito no início de 2011, designada midiaticamente pelo nome super amplo de “Primavera Árabe”, não faltaram “especialistas” saltimbancos, dos que dançam para as elites nas televisões, que se puseram a ver “primaveras” eclodindo por todos os lados na Região e longe daqui. Em semanas recentes, quando manifestantes tomaram as ruas de várias cidades turcas, logo recomeçaram as “comparações”.

Manifestação que reuniu 1 milhão de pessoas na entrada da Praça Tahrir no Cairo, Egito
Mas oportunismo intelectual não é fenômeno novo, nem diferente: não passa de repetição amplificada do já velho conhecido, o oportunismo político ocidental. Depois que a “primavera árabe” foi reconhecida como oportunidade para novos arranjos regionais, EUA, Grã-Bretanha e França trataram, rapidamente, de capitalizá-la, tanto politicamente, para reformatar o Oriente Médio, como para assegurar que, daquele fervor revolucionário, nada brotasse que não os favorecesse.

Embora ditadores árabes sempre tenham atacado com brutalidade os manifestantes mais pacíficos, não havia guerras, no pleno sentido da palavra, até que a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) imiscuiu-se.

Líbia antes (E) e depois (D) do bombardeio "humanitário" da OTAN 
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Na Líbia, a OTAN converteu um levante com limitado componente armado, em guerra total sem limites, que resultou em milhares de mortes, feridos e desaparecidos. A guerra na Líbia mudou até a paisagem demográfica de vastas porções do país. Comunidades étnicas foram completamente extintas na região. Benghazi, cujo destino parecia tanto preocupar o primeiro-ministro britânico David Cameron, mal sobrevive hoje, vandalizada por grupos de milícias armadas que ainda competem entre elas. Depois de recentes confrontos na cidade, o chefe interino do exército líbio, Salem Konidi, alertou pela TV estatal, dia 15/6, que havia risco real de “um banho de sangue”. Muito estranhamente, a OTAN não manifestou qualquer sinal de preocupação.

“Intervenções humanitárias” seletivas são políticas ocidentais bem conhecidas na região, mas os recentes protestos na Turquia demonstram o quanto é insaciável o apetite do ocidente, quando se trata de explorar desgraças nacionais de outros países. Mas parte da culpa cabe também ao governo de Erdogan, que tanto fez para, desde sempre, gerar oportunidades para interferências.

Posto ante as altas apostas no novo jogo do Oriente Médio, depois dos levantes violentos dos últimos dois anos, o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, depois de hesitar um pouco, acabou por adotar estilo político em tudo consistente com o da OTAN – organização da qual a Turquia é membro. Por quase dez anos, a Turquia teve papel específico nos mundos árabe e muçulmano – uma escolha a que o país foi forçado, depois de ver fracassar seus esforços para ser admitido na União Europeia, com Alemanha e França chefiando a cruzada contra os esforços da Turquia.

Praça Taksim no parque Gezi, Istambul, Turquia em 2/6/2013
Com os confrontos sangrentos iniciados também na Síria, a chamada “Primavera Árabe” virou ameaça às províncias turcas do sul, o que obrigou o governo Erdogan a uma guinada de realinhamento, voltando ao mesmo campo ocidental que já rejeitara abertamente a Turquia.

A Turquia pôs-se então em posição bem estranha: apresentou-se como “líder dos árabes enfraquecidos”, embora sem deixar de operar pelo tradicional paradigma da OTAN, todo ele construído com vistas a uma agenda intervencionista. A inconsistência das políticas turcas são palpáveis e crescentes: ao mesmo tempo em que negocia com Israel a indenização pelo assassinato de nove ativistas turcos mortos a caminho de Gaza em maio de 2010, hospeda os comandantes do Hamás para conversações de alto nível. Facilita a ação da oposição síria que opera política e militarmente a partir do território turco, ao mesmo tempo em que denuncia conspirações internacionais para desestabilizar a Turquia. E, ao mesmo tempo, não dá nenhuma atenção à situação no norte do Iraque, onde, há anos, prosseguem os confrontos entre seu próprio exército turco e a oposição local armada.

O governo de Erdogan foi ignorado, justificado ou sancionado pelas potências ocidentais, enquanto Ancara manteve-se solidamente alinhada às políticas da OTAN. Mas os europeus incomodaram-se imediatamente, no instante em que a Turquia avançou sobre as fronteiras fixadas – como no caso da questão turco-israelense. E o problema é que, por mais que Erdogan e seu governo se empenhem, jamais conseguem satisfazer a exigente definição de democracia à europeia – direitos humanos e outros sempre úteis conceitos assemelhados.

Naomi Wolf
A hipocrisia da OTAN, mesmo entre os próprios membros é uma arte. Comparem-se, por exemplo, as respostas europeias ao violento ataque policial contra o movimento Occupy Wall Street (OWS, iniciado dia 17/9/2011) e a massiva campanha de prisões, espancamento e humilhação de manifestantes. Como adiante se soube, o FBI e o Departamento de Segurança Nacional sempre monitoraram o movimento, unindo, para essa finalidade, suas forças especiais antiterrorismo. Foi o que Naomi Wolf revelou ao jornal The Guardian, em 29 de dezembro de 2012.

Mas não se ouviu nenhum clamor de indignação dos aliados europeus dos EUA, contra aquelas práticas. Como tampouco se ouviram clamores no escândalo mais recente, quando se soube que a Agência de Segurança Nacional dos EUA espiona milhões de pessoas, usando as mídias sociais e a tecnologia de internet, em nome de caçar terroristas. De fato, são práticas já tão rotineiras, que ninguém se dá ao trabalho de criticá-las – senão num campo específico. A revista Bloomberg Business Week indignou-se, em manchete: [a Agência de Segurança Nacional espionar cidadãos]: “péssimo para os negócios (17/6/2013). 

 
François Hollande (E) - Barack Obama (C) - David Cameron durante o G8
Enquanto as nações árabes são a parte mais afetada pelas guerras e levantes que desestabilizaram a região, destruíram a Líbia, estão destruindo a Síria e ameaçam o futuro de gerações inteiras, muitos se posicionam como claque, como David Cameron, François Hollande da França e Barack Obama. Dentre outros, esse trio ilustra a via como se determina hoje o futuro da Síria, para promover esses específicos interesses e – claro – a “segurança” de Israel.

Mas a resposta de alguns dos líderes da União Europeia, aos protestos contra o governo de Erdogan em Istambul, Ankara e Izmir nas últimas semanas foi muito diferente. Nem os maiores esforços do primeiro-ministro Tayyip Erdogan bastarão para impedir que a Europa se mobilize para capitalizar os lucros que advenham das desgraças dos turcos.

Angela Merkel
A alemã Angela Merkel rapidamente assumiu a palavra pelo grupo: quer bloquear, desde já, qualquer movimento para “reabrir conversações sobre incluir a Turquia na UE” – como a agência Reuters noticiou dia 20/6, supostamente como “crítica” ao ataque, pela polícia turca, contra manifestantes. Mas a chanceler é sempre generosa no que tenha a ver com violência extrema, desde que seja violência dos israelenses, contra os palestinos. Nisso, todas as capitais europeias estão sempre absolutamente coesas.

Enquanto isso, as potências ocidentais continuam a obrar contra os interesses dos povos no Oriente Médio, perfeitas engenheiras do caos, para explorar o caos, com a ajuda de inúmeros governos regionais, empenhadíssimos em servir àqueles interesses. Vale observar que nem a Turquia se salvou, apesar de ser instrumento utilíssimo para as práticas políticas e militares da OTAN.

É possível que a dupla cara que a Europa lhes mostra leve os círculos políticos turcos a recalcular os próximos passos. A Turquia pode decidir demitir-se do papel de ferramenta para as políticas da OTAN no Oriente Médio. Não se sabe se escolherá essa via. É questão à qual os turcos terão de dedicar-se, antes de serem empurrados para tumultos sem qualquer controle ou meta, fabricado e ampliado pela interferência ocidental, cujos resultados sempre são letais. Sempre.



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