quinta-feira, 13 de junho de 2013

Pepe Escobar: “Encontro você no lado escuro”

13/6/2013, Pepe EscobarThe Roving Eye, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

The lunatic is in my head / The lunatic is in my head
You raise the blade / you make the change 
You re-arrange me 'til I'm sane. 
You lock the door / And throw away the key
There's someone in my head but it's not me
Pink Floyd, [*] Brain Damage [Dano Cerebral]


Pepe Escobar
Falemos um pouco sobre PRISM.  E vejamos algumas das implicações para a Ciber-Dominação Total, do vazamento, por Edward Snowden, da apresentação em PowerPoint da Agência de Segurança Nacional dos EUA [orig. National Security Agency (NSA)].

O que há num nome? Um prisma, que quebra a luz num espectro de cores. PRISM, como se vê no logotipo com ares de O Lado Escuro da Lua [álbum de Pink Floyd], nada é além de manifestação gráfica do mais enlouquecido sonho molhado do Pentágono dos neoconservadores: a doutrina da Dominação de Pleno Espectro.

A National Security Agency, NSA – também chamada de “No Such Agency” [Não existe essa agência] – é parte do Pentágono.

A doutrina da Dominação de Pleno Espectro foi formalizada no documento 2002 Joint Vision 2020 do Pentágono. É o mapa-a-seguir do Pentágono/Agência de Segurança Nacional para o futuro próximo; em pentagonês marca-registrada, identifica “quatro capacidades” – “manobra de dominação, engajamento de precisão, logística focada e proteção pluridimensional”. Quer dizer: Cobertura Total da Informação [ing. Total Information Awareness (TIA)].

Incomoda-se de ir de carro até Utah?

O novo centro de dados da Agência de Segurança Nacional, que custou US$2 bilhões, em Utah, foi descoberto pela revista Wired há muito tempo, em março de 2012. [1] Podem chamar de a Matrix – ou um nó chave de Matrix. Estará operante em setembro.

O nó de Matrix, em Utah, é o sonho da TIA (Total Information Awareness / Cobertura Total da Informação) transformado em realidade. Essa “Cobertura Total da Informação”, se alguém está lembrado, foi invenção de Bush 1.0, alimentada pela Agência da Defesa para Projetos de Pesquisa Avançada [orig. Defense Advanced Research Projects Agency, DARPA), que o Congresso conseguiu matar em 2003, porque – ou, pelo menos, foi o que disseram – destruiria a privacidade dos cidadãos norte-americanos.

James Clapper
Pois... ela voltooooooou – sob o neodisfarce de nódulo Utah Matrix. E totalmente privatizada, operada pela legião de suspeitos de sempre, fornecedores privados do Departamento de Defesa, todos com acesso liberado até para o mais top, dos top secrets.

Entra em cena – outra vez – a turma da privataria.

Em março, o Diretor da Inteligência Nacional [orig. Director of National Intelligence (DNI)] James Clapper, negou completamente que a Agência de Segurança Nacional recolhesse “qualquer tipo, absolutamente nenhum tipo de dado, de milhões ou de centenas de milhões de norte-americanos” (assista vídeo que se segue). Era descarada mentira. E a senadora Dianne Feinstein deixou passar.


Mike McConnel, ex-diretor da Agência de Segurança Nacional e ex-Diretor da Inteligência Nacional, é hoje vice-presidente da empresa Booz Allen Hamilton – patrão de Snowden até a semana passada. Porta giratória entre estado e empresas privadas é isso! Sai da Agência de Segurança Nacional, vai para a Booz Allen, dali para a Diretoria da Inteligência Nacional... e volta para a Booz Allen. Só nesse ano, McConnell já ganhou US$1,8 milhão, ações e opções da Booz Allen. Clapper, atual Diretor da Inteligência Nacional foi, antes, executivo da Booz Allen.

Mike McConnel
Os “especialistas” e colunistas de jornal do governo dos EUA estão feito o monolito negro de “2001”, de Kubrick. PRISM é do bem. PRISM é legal. Só espiona não norte-americanos fora dos EUA. Quer dizer... ele até “pode” espionar informação digital privada de cidadãos norte-americanos, e é perfeitamente legal, mas não podemos contar a ninguém.

E vêm com o mantra de que PRISM teria sido essencial para impedir grandes atentados terroristas. Já se sabe que não é verdade. O que ninguém assume é que PRISM é TIA (Total Information Awareness / Cobertura Total da Informação) em ação. Qualquer um – com a autorização adequada – pode usar a Cobertura Total de Informação para recolher informação financeira interna quentíssima e lucrar muito, muitíssimo. Assim sendo, sim senhores, sigam o dinheiro.

Snowden vai de Cobertura Total de Informação

A empresa Google disse e insiste que estaria havendo “grave erro de compreensão” sobre PRISM, nas palavras do principal advogado da empresa, David Drummond. Google insiste que não há “caixa preta”, não há “entrada pelos fundos” e que a Agência de Segurança Nacional não tem acesso direto aos seus servidores. Só que a empresa Google não pode explicar coisa alguma, porque há “impedimentos de lei”.

Edward Snowden
Sem precisar considerar “impedimentos de lei”, não há dúvidas de que Snowden foi suficientemente esperto para farejar um rato, grandes ratazanas. Depois de Clapper ter negado tudo no Congresso, ele já não poderia confiar nem no Congresso. Para nem falar da imprensa-empresa norte-americana, de papagaiada. Chegou a fazer contato com o Washington Post – mas acabou decidindo-se por Glenn Greenwald, que definitivamente não é aliado da mídia dominante. A posição do britânico The Guardian é mais duvidosa. O jornal deseja furiosamente entrar no mercado dos EUA, mas, ao mesmo tempo, descartou Julian Assange, solenemente, tripudiando, depois de obter dele o que interessava ao jornal.

Snowden está surfando como mestre a tsunami de Relações Públicas – controlando-a à perfeição, todo o tempo. Ah, sim, sempre se aprende alguma coisinha na CIA. O momento da revelação foi escolha perfeita, uma beleza: Snowden entregou o melhor presente com que Pequim poderia sonhar, justamente quando Obama empurrava Xi Jinping para as cordas, na reunião da Califórnia sobre ciberguerra.

David Lindorff
Como David Lindorff percebeu, certeiro, Pequim já não pode simplesmente abandonar Snowden à intempérie. É cultural. Trata-se de não se desmoralizar.

E então Snowden até facilitou as coisas para Pequim – e revelou o óbvio: assim como Pequim, se não ainda mais, Washington “hackeia” feito doida.

Seguir o dinheiro, o processo e os atores da privataria da segurança e os movimento de Snowden – tudo ao mesmo tempo – abre vias para muitos, muitos, cenários saborosíssimos... a começar por atores seletos incorporados no nódulo Matrix centrado na Agência de Segurança Nacional e que podem estar abarrotando as burras com muito dinheiro, servindo-se de informação interna, quentíssima. Snowden não divulgou coisa alguma que já não fosse sabida – ou de que muitos suspeitassem – desde 2002. Para os que estão comandando o jogo, tudo é sempre business. A única diferença é que o ethos desse O-grande-irmão-está-de-olho-em-você-Digital, dessa “Blackwater Digital”, está agora completamente exposto. 

O grupo da TIA [Total Information Awareness / Cobertura Total da Informação], um punhado de investidores ricos e um sólido plano de negócios – Dominação de Pleno Espectro privatizada – continua no jogo. Doravante, trata-se só de, cuidadosamente, gradualmente, dirigir a opinião pública até “normalizar” completamente a Cobertura Total da Informação, TIA. Afinal, fazemos todos esses sacrifícios para proteger você.



Nota de rodapé
[1] Março, 2012, “Cuidado com o que você diz: a Agência de Segurança Nacional está construindo o maior centro de espionagem do mundo”, Wired em: The NSA Is Building the Country’s Biggest Spy Center (Watch What You Say)


Nota dos tradutores

[*] “Brain Damage, do álbum “The Dark Side of the Moon” [O lado escuro da lua] 1973. Ouve-se a seguir com legendas da letra original em inglês. Existe também a letra traduzida para português (tradução ruim, mas ajuda a ler). 
 

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