11/6/2013, Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
A
avaliação de Daniel “Documentos
do Pentágono” Ellsberg é definitivo: “Nunca houve, na história dos EUA,
vazamento mais importante que a divulgação do material da Agência de Segurança
Nacional, feita por Edward Snowden. Em entrevista
de 12 minutos, publicada peloThe
Guardian, Snowden detalha seus
motivos.
Agora, tudo que gira
Daniel Ellsberg |
Ali se
encontra um conjunto de prédios comerciais, a menos de dois quilômetros de
distância da Agência Nacional de Segurança, área da qual Michael Hayden, ex-diretor da Agência (1999-2005)
disse a Tim Shorrock, da revista Salon
que “é a maior concentração de
ciberpoder do planeta”. Hayden chamou-a de “Blackwater
Digital”.
O blog Pro-Publica
apresenta lista decente de cinco perguntas
chaves ainda não respondidas sobre o buraco negro.
Mas no que tenha a ver com como é possível que
um especialista em TI, de 29 anos, com pouca escolarização formal, tenha tido
acesso a quantidade extraordinária de segredos ultrassensíveis do complexo de
segurança-inteligência nacional dos EUA, a resposta é simples: aconteceu como
efeito direto da orgia de privatização da espionagem – sobre a qual muitos
falam, sempre mediante eufemismos do tipo “responsabilidade do fornecedor”.
Verdade é que toda a operação de praticamente todo o maquinário
(hardware) e de todos os programas (software) com os quais opera a
gigantesca rede de 16 agências de segurança dos EUA foi privatizada.
Investigação
feita pelo Washington Post descobriu que as agências norte-americanas de
segurança interna, de contraterrorismo e de espionagem negociam com mais de 1.900
empresas privadas.
Consequência óbvia desse tsunami de
fornecedores privados – hordas de proletários high-tech “do conhecimento” em cubículos-tocas – é o acesso
indiscriminado a peças ultrassensíveis do aparato de segurança. Um administrador
de sistemas como Snowden tem acesso a praticamente tudo.
Edward Snowden |
A “porta giratória” nem
remotamente basta para explicar todo o problema.
Snowden foi um dos 25 mil empregados da empresa Booz
Allen Hamilton (“Somos visionários”), nos últimos três meses.
Mais de 70% desses empregados, segundo a
empresa, têm passe livre para questões de segurança, fornecido pelo governo; 49%
têm acesso aos “top secrets” (como no caso de Snowden) e acesso ainda superior.
O ex-diretor da Inteligência Nacional, Mike McConnell, é um dos atuais
vice-presidentes da Booz Allen. O novo diretor da inteligência nacional, general
aposentado, de ar sinistro, James Clapper, foi executivo da mesma Booz Allen.
Pelo
menos, a opinião pública nos EUA – e em todo o mundo – pode agora começar a
entender como acontece que uma menina pashtun, no Waziristão, seja assassinada num “ataque predefinido”.
Tudo é efeito dos metadados obtidos pela Agência de Segurança Nacional
privatizada dos EUA, multiplicados num esquema Matrix, que
leva a uma “assinatura”, que é sinônimo de “ataque predefinido”. A menina
pashtun, “terrorista” naturalmente, pode vir a metamorfosear-se em perigosíssima
abraçadora de árvores ou manifestante do tipo que ocupa ruas e parques.
É tudo
culpa da China
Como sempre acontece, no instante
em que Snowden revelou a própria identidade, a
empresa-imprensa nos EUA passou a atirar diretamente na cabeça do mensageiro,
sem dar atenção à mensagem. Esse “jornalismo” foi, da mais reles tentativa de assassinato
de reputação, ao ex-agente
da CIA que diz que muitos suspeitam que Snowden seja agente
de possível golpe da espionagem chinesa.
Também
muito se discutiu o movimento à John Le Carré,
com Snowden abandonando a boa vida no Havaí e voando para Hong Kong dia 20 de
maio, porque “têm profundo envolvimento com a liberdade de expressão e o direito
à divergência política”. O blogueiro Wen Yunchao, que trabalha em Hong Kong,
escreveu, para a posteridade, que Snowden teria “saído da toca do tigre e
entrado no buraco do lobo”. Seja como for, o visto de entrada carimbado no
passaporte de Snowden no aeroporto Chek Lap Kok vale por 90 dias – tempo mais do
que suficiente para pensar sobre o passo seguinte.
Deng Xiaoping |
Desde 1996, antes de os britânicos devolverem a cidade à
China, há um tratado de
extradição vigente
entre o tigre e o lobo. O Departamento de Justiça dos EUA já analisa as opções
disponíveis. É importante lembrar que o sistema judicial de Hong Kong é
independente da China – conforme a concepção formalizada por Deng Xiaoping, de
“um país, dois sistemas”. Assim como Washington pode tentar a extradição de
Snowden, ele pode, por sua vez, pedir asilo político. Nos dois casos, poderá
permanecer por meses, talvez anos, em Hong Kong.
O
governo de Hong Kong não pode extraditar ninguém
que se declare perseguido em seu país de origem. E, muito importante: o artigo
6º do Tratado determina que “nenhum fugitivo será entregue, se a ofensa de que a
pessoa é acusada ou pela qual foi condenada é ofensa de caráter político”. Outra
cláusula determina que nenhum fugitivo será entregue, se isso tiver
consequências sobre “a defesa, as relações internacionais ou interesse público
ou política pública essencial para – adivinhem! – a República Popular da China”.
Assim
sendo, é possível que aí esteja um caso em que Hong
Kong e Pequim terão de
chegar a algum acordo. E mesmo que decidam extraditar Snowden, ainda assim ele
poderá argumentar, em sua defesa, no tribunal, que se tratou de “crime
político”. Em resumo – é possível que o caso se arraste por anos a fio. E é
muito cedo para saber como Pequim agirá, para extrair da história o máximo de
proveito. Situação de “ganha-ganha”, do ponto de vista chinês, seria equilibrar
seu compromisso com a absoluta não interferência em assuntos domésticos de
outros países, com o desejo chinês de sacudir o bote das frágeis relações
bilaterais, sempre considerando o movimento de ‘anti-pivoteamento’ que o governo
dos EUA ofereça em troca.
O
mais consumado Panopticon
Panopticon |
A direita furiosa de sempre, nos
EUA, como era de esperar, desconsiderou o gato de que Snowden não vê os analistas de inteligência – nem,
sequer, o próprio governo dos EUA, per
se – como gente
“inerentemente do mal”. Mas chama a atenção para o fato de que todos eles
trabalham sob uma falsa premissa: “se um programa de vigilância produz
informação valiosa, o valor da informação legitimaria o programa. Num só passo,
demos jeito de justificar a operação do Panopticon”.
Ah,
sim, que ninguém se engane! Snowden leu
atentamente seu Michel Foucault (também falou de sua repugnância ante “as
capacidades desse tipo de arquitetura da opressão”).
Michel Foucault |
O trabalho
de Foucault, que desconstruiu a arquitetura do
Panopticon, já é clássico. O Panopticon foi o sistema de vigilância levado ao
ponto máximo, projetado pelo filósofo do utilitarismo, Jeremy Bentham, no século
18. O Panopticon
– uma torre cercada
de celas, exemplo pré-Orwell de “arquitetura da opressão” – foi concebido
originalmente, não para vigiar uma prisão, mas para vigiar uma fábrica cheia de
camponeses sem terra em situação de trabalho forçado.
Oh,
mas esses foram os passados dias dos protocapitalistas rudimentares. Bem-vindos
ao futuro (de privatização selvagem)! Ali, os senhores do buraco negro da
Agência de Segurança Nacional, a “Blackwater Digital”, tudo comandam, desse seu
mais consumado Panopticon de última geração.
Leia mais sobre
“Blackwater” em:
- 24/6/2010, redecastorphoto, Jeremy Scahill (The Nation) em: Sobre o general
Stanley McChrystal e a Blackwater (atualizado)
- 27/6/2010, redecastorphoto, Adam Ciralsky (Vanity Fair) em: “Empresário, soldado,
espião”
- 21/9/2010, redecastorphoto, Jeremy Scahill (The Nation) em: Blackwater & Co.
- A “negabilidade [1] total”
- 8/10/2010, Hora do Povo, em: “Mercenários da
Blackwater atuam na Amazônia e nas...”
- 24/12/2010,
redecastorphoto, WikiLeaks em: “Essa embaixada (dos
EUA) muito apreciaria” (saber o que fazemos quanto à
Blackwater...)
- 23/1/2011, redecastorphoto, Katharine Houreld (Salon & AP) em: EUA & a “livre
iniciativa”: criar guerras locais e privadas, para
exportação
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