quinta-feira, 6 de junho de 2013

Talibã valsam em Teerã

3/6/2013, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Talibã valsam em Teerã
A relação entre Teerã e os Talibã sempre foi tema de especulação. Houve quem dissesse que os Talibã seguem a fé wahhabi e seriam virulentamente antixiitas e, assim, viveriam às turras com Teerã até o Juízo Final. Jamais foi bem assim.

Em termos gerais, os Talibã reúnem várias facções e tudo depende de quem esteja sendo referido, em cada caso. Quanto à inteligência iraniana, conversariam com o demônio em pessoa, se necessário fosse, para promover interesses da segurança nacional.

Pode-se supor que, sim, houve contactos fora do alcance do radar, entre iranianos e os Talibã, ao longo de toda a década passada. Mas nenhum dos envolvidos jamais divulgou coisa alguma. Portanto, o evento da semana passada –Teerã hospedou uma delegação de Talibã – não chega a ser um terremoto. A grande, surpreendente novidade é que os iranianos divulgaram a visita, em primeira mão, no sábado 

E hoje cedo os Talibã confirmaram a informação. Pode-se presumir que Mulá Omar resolveu sair das sombras. Agora se sabe que mais de uma delegação dos Talibã têm visitado o Irã, de tempos em tempos. E também transpirou que a inteligência do Paquistão sempre soube de tudo. 

Interessa registrar que o Irã recebeu representantes dos Talibã que vivem no Qatar. São a menina dos olhos de Omar. Daí, sim, se extraem algumas questões realmente importantes.

Rod Norland
Depois de usufruir a farta hospitalidade qatari – segundo Rod Norland do New York Times  – é altamente improvável que os Talibã tenham feito segredo de suas andanças, para o Emir, em Doha; que tenham simplesmente dado uma corridinha e tomado o avião para Teerã.

Não, não senhor. Não é preciso ser muito esperto, para ter certeza de que os qataris aprovaram a viagem dos quatro principais representantes dos Talibã.

E é aí que começa a parte mais intrigante: se o Emir do Qatar sabia... teria guardado o segredo, sem nada dizer ao Big Boss em Washington? Impossível, inconcebível, implausível, incogitável, inacreditável, incrível. Cada um escolha a palavra que lhe pareça mais apropriada. 

James Dobbins
Pode-se dizer então que aí se vê aquela proverbial ponta do iceberg. Sim, sim, eu já adivinhara que o presidente Barack Obama jogava seu jogo, quando nomeou o embaixador James Dobbins  como novo enviado especial dos EUA para Afeganistão e Paquistão. Que adivinhei, adivinhei – há um mês.

A parte curiosa é que Dobbins visitou Islamabad, 5ª-feira passada. Absolutamente não se falou da visita. Veio, reuniu-se, é claro, com o general Ashfaq Kayani, e partiu sem alarde. Veio para se informar sobre o que fora discutido em Teerã? Ou veio para discutir o passo seguinte?

A razão pela qual os iranianos decidiram divulgar a reunião também é total mistério. Talvez temessem que a notícia “vazasse” – o lobby israelense dedica-se a impedir que assuntos que envolvam o Irã permaneçam secretos por muito tempo em Washington – o que criaria graves dificuldades para os líderes iranianos, a poucas semanas das eleições presidenciais de meados de junho.

Hamid Karzai
Ou, talvez, alguma facção radical ou elementos do establishment de segurança iraniana decidiram torpedear todo o projeto, porque odeiam a ideia de o Irã estar mantendo “conversações” com os norte-americanos? Tampouco se pode descartar essa possibilidade.

Mas a questão chave é: o Irã ter-se-á decidido a favor de um “engajamento seletivo” iniciado por Washington? Minha opinião é que não. Nesse caso, restaria ainda a Obama a via de admitir os iranianos nas conversações “Genebra-2” e estimular, talvez até possibilitar, o início de um engajamento construtivo entre os dois países.

Verdade é que todos nos movimentamos sobre chão instável. Dobbins trabalha nas sombras, à procura de iranianos. Há alguns dias, lendo a notícia de que Dobbins estaria “na Europa”, ocorreu-me um pensamento estranho. “E se ele reativou seus antigos contatos iranianos?”.

Younus Qanooni
Mas, nessa altura, o que os iranianos poderiam fazer para os americanos? Para começar, os iranianos têm influência sobre vários grupos afegãos – não necessariamente xiitas – e podem ser úteis na organização de um consenso afegão que leve a um governo de base ampla em Cabul.

Não esqueçamos que essa, precisamente, foi a missão dos diplomatas iranianos na Conferência de Bonn, agindo em íntima coordenação com Dobbins em dezembro de 2001, quando os EUA precisavam desesperadamente que os rapazes da Aliança do Norte saíssem de cena, para dar lugar a Hamid Karzai, presidente interino em Cabul.

Depois, Dobbins relembrou aqueles dias fatídicos em Bonn, quando ele já perdera todas as esperanças, mas os seus contatos iranianos, de repente, tiraram, literalmente, um coelho da cartola e salvaram a posição dos EUA. Os iranianos, parece, conseguiram dobrar gente realmente difícil, como Younus Qanooni, do qual Dobbins não estava conseguindo extrair coisa alguma.

Nawaz Sharif
Vê-se também, em tudo isso, que, diferente do passado, há hoje muito mais harmonia entre Irã e Paquistão, graças aos empenhados esforços do presidente Asif Ali Zardari para melhorar as relações bilaterais. Nawaz Sharif partilhará igual paixão pelo Irã? 

Nawaz Sharif está sob pesada influência dos sauditas. E os sauditas desejarão manter o Irã bem longe do tabuleiro afegão.

O pior pesadelo para os sauditas seria ver desenvolver-se qualquer proximidade entre EUA e Irã, o que pode acontecer se trabalharem juntos no problema afegão. Os sauditas temem que qualquer normalização que se construa entre EUA e Irã abale a centralidade dos próprios sauditas nas estratégias dos EUA para a Região.




[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistãoe Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

2 comentários:

  1. A Ásia constrói sua fortaleza para proteger e preservar seus recursos para si mesma, reservando para o ocidente p isolamento e a chantagem.
    A vitória de Bashar al Assad, que se conigura aós o levante no Levante, destrói os planos da Europa de romper o quadrilátero formado entre Rússia, China, Índia e Irã.
    Nenhum canudinho vai drenar gás e óleo da Ásia, sem pagar o preço de seus produtores.
    500 anos depois do contorno histórico dos europeus ao bloqueio dos turcos no mediterrâneo, a fatura, a partir de agora, será cobrada.
    Com juros históricos

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    1. A geopolítica privilegia a ocupação direta e/ou a dominação por elites apátridas e venais em países estratégicos. Isso acontece também aqui na AL,na África, etc.. Sempre aconteceu com o passar da História. Cabe resistir...Ou não

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