15/7/2014, [*] Immanuel
Wallerstein, Al-Jazeera
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
[Os conservadores estão desnorteados e] Não é
pequeno o número de agentes políticos nos EUA que têm clamado por alguma
espécie de “ação” decisiva – seja lá o que isso signifique. E as eleições nos
EUA podem depender em grande parte de como os atores políticos norte-americanos
jogam esse jogo.
Entreouvido na Viela do Xôxo na Vila
Vudu:
Anotem aí: Leilane Neubarth, Maitê Proença, FHC e Ana Maria
Brega “acham que não”; mas sim-sim-sim e sim:
as eleições no Brasil TAMBÉM podem depender, em grande parte, de como
“os atores políticos norte-americanos [conservadores desnorteados] jogam” lá
aquele jogo [violentíssimo!] deles.
Angela Merkel e Barack Obama, 4/7/2014 (G7) |
Dia 10/7/2014, o governo alemão
exigiu a imediata
saída do país do chefe da missão da CIA-EUA em Berlim. Não é exigência
absolutamente inusual, mesmo entre aliados ostensivos. Inusual é que a expulsão
tenha sido anunciada publicamente com barulho máximo. O que explicará o que
para alguns já é “um distanciamento sem precedentes” nas relações entre EUA e a
República Federal Alemã Federal, sempre muito próximas desde 1945?
Em apenas um dia o assunto
apareceu em dois espaços importantes: num editorial do Los Angeles Times
e em reportagem da revista alemã Der Spiegel. Os dois artigos são
pessimistas quanto à possibilidade de o tal distanciamento poder ser “reparado”
rapidamente, se é que será possível alguma reparação.
O editorial do Los Angeles
Times, escrito por Jacob Heilbrun, leva o título de “A
ruptura germano-estadounidense”. A palavra “ruptura” é inequívoca. Ou
quase. Depois de fazer um panorama de vários comentários alemães, Heilbrun finaliza
com uma nota de alerta:
Se Obama não conseguir controlar a espionagem
contra a Alemanha, logo descobrirá que seus espiões estão ajudando a converter
um aliado em adversário. Obama, se disser auf wiedersehen [adeus] a aliado de tantos anos, estará
aplicando tal golpe contra a segurança nacional, que quantidade alguma de
informação secreta conseguirá jamais justificar.
Angela Merkel... |
Se Heilbrun já parece ter bem
pouca esperança de que seu ponto de vista seja levado em consideração em
Washington, ainda pior é o que se lê na matéria
de fundo de Der Spiegel da mesma data. É texto longo e leva o
título de “Quem a Alemanha escolherá: EUA ou Rússia?” Um dos subtítulos da
matéria é “A gota que fez transbordar o copo” (ing. The Last Straw). A opinião citada não é de alguém da “esquerda” ou
que tivesse trabalhado a favor de relações mais próximas com a Rússia. A fonte
é, bem diferente disso, um típico promotor da economia de livre mercado,
conservador e pilar de sustentação das relações com os EUA, presidente de uma
organização chamada “Ponte Atlântica”. Em tom de desespero, diz:
Se for verdade o que se ouve sobre
espionagem, tem de parar imediatamente.
A fonte é bem clara: não fala de
iniciar discussões e negociações para “reduzir” a espionagem. Fala de “parar” e
de “parar imediatamente”.
Há ainda alguns detalhes que têm
de interessantes o que têm de incômodos para os EUA: o embaixador dos EUA na
Alemanha não fala alemão. O embaixador russo, por sua vez, é falante tão
competente do alemão, que praticamente não se percebe o sotaque. A entrada do
gabinete do embaixador dos EUA é cercada de mais segurança do que a se vê no
Salão Oval da Casa Branca. A entrada da embaixada russa é tão fácil e
desimpedida que até surpreende.
O distanciamento em que se veem
hoje EUA e Alemanha será mesmo sem precedente, repetitivo e imprevisível? Por
hora, todos os jornais importantes e menores na Alemanha, EUA, França,
Grã-Bretanha e outros países estão publicando comentários, analisando causas e
tentando prever desdobramentos. De modo geral, todos os comentaristas procuram
alguém a quem atribuir responsabilidades. Os suspeitos de sempre são a Agência
de Segurança Nacional dos EUA e o presidente Obama. Mas será só isso, ou serão
só esses os culpados?
Em outras palavras: as coisas
poderiam ser diferentes? Poderiam, com certeza, nos detalhes. O governo dos EUA
agiu de modo torpe, estúpido, sem dúvida. Mas o problema é estrutural. Não se
trata só de erros conjunturais ou da estupidez de que esteja no poder nos EUA.
Vladimir Putin explica... |
O problema básico é que os EUA
estão, já há algum tempo, em rota de decadência geopolítica. A coisa não agrada
aos EUA. De fato, os EUA não “aceitam” essa realidade, não sabem como lidar com
ela e tendem sempre a minimizar o que os EUA estão perdendo. Assim, tentam
restaurar o que já é irrestaurável: a “liderança” norte-americana (leia-se: a
hegemonia) dos EUA no sistema−mundo. E isso faz dos EUA ator muito perigoso.
Não é pequeno o número de agentes políticos nos EUA que têm clamado por alguma
espécie de “ação” decisiva – seja lá o que isso signifique. E as eleições nos
EUA podem depender, em grande parte, de como os atores políticos norte-americanos
jogam esse jogo.
Contra isso, precisamente, é que
líderes europeus em geral começam a tomar suas próprias providências
preventivas. Agora, chegou a vez da chanceler Angela Merkel. Os EUA
converteram-se em sócio muito pouco confiável. Por isso, mesmo os que, na
Alemanha e em outros países da Europa vivam ainda a nostalgia do ninho quente
do “mundo livre” começam a aproximar-se dos menos nostálgicos e cuidam de
encontrar meios para sobreviver geopoliticamente sem os Estados Unidos. ISSO,
precisamente, os está empurrando para a alternativa lógica: um teto europeu que
inclua a Rússia.
E conforme alemães e europeus em
general movem-se inexoravelmente nessa direção, os seus problemas mudam. Se não
não podem confiar nos EUA, poderão realmente confiar na Rússia? E o mais
importante: poderão chegar a algum acordo com os russos que os russos
considerem importante e necessário cumprir?
Podem apostar: ISSO é o que se
discute nos círculos internos do governo alemão, hoje.
Absolutamente ninguém está
discutindo como reparar a brecha irreparável na confiança que afastou os
alemães dos EUA.
[*] Immanuel (Maurice) Wallerstein, nascido em New York em 28/9/1930, é um sociólogo estadunidense, conhecido pela sua
contribuição fundadora para a Teoria do Sistema-Mundo. Seus
comentários bimensais sobre questões globais são distribuídos pela Agencia
Global para publicações como Le Monde Diplomatique
e The Nation, dentre muitas outras. Wallerstein
se interessou pela política internacional quando ainda era adolescente, se
encantando com a atuação do movimento anticolonialista na Índia. Obteve os
graus de bacharel (1951), mestrado (1954) e Ph.D. (1959) na Universidade de Columbia,
New York, onde lecionou até 1971.
Tornou-se depois professor de Sociologia na Universidade McGill, Montreal, até 1976,
e na Universidade de Binghamton, New York,
de 1976 a
1999. Foi também professor visitante em várias universidades do mundo. Foi
esporadicamente Diretor de Estudos Associado na École de Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, e Presidente da
Associação Internacional de Sociologia entre 1994 e 1998. Desde 2000, é
investigador sênior na Universidade de Yale. Recebeu o título de Doutor Honoris
Causa pela Universidade de Coimbra em 2006 e pela Universidade de Brasília em 2009.
Comentário de Rafael Alfonso Serrano
Cancino postado
no La Jornada (traduzido do
espanhol):
A relação entre Alemanha e Rússia é cada vez mais próxima, ainda que
discreta e sem arroubos.
Após a queda do Muro de Berlim a Alemanha (Ocidental) reorganizou o
canal da Alemanha (Oriental) com a Rússia o que permitiu revitalizar o comércio,
até então sob influência quase total dos EUA.
Por outro lado, é desnecessário mencionar os benefícios desta reaproximação
face aos parcos benefícios de se manter relações comerciais dominadas pelos
EUA. Imaginam uma União Europeia SEM o comércio com a Rússia?
É provável que devido ao crescimento do papel protagônico da Rússia no
cenário global, não podemos duvidar de que a “queda” do avião da Malasya Airlines possa corresponder a
uma cruel provocação dos EUA causando seu próprio descrédito internacional e, como
menciona Wallerstein, “os falcões estão desorientados”, e eu diria que esses “neocons”
se converteram em ameaça global.
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