7/7/2014, [*] M K Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Hossein Amir-Abdollahian |
A diplomacia iraniana está trocando de
marcha, no que tenha a ver com a situação no Iraque. O vice-ministro de
Relações Exteriores, Hossein Amir-Abdollahian, partiu
em viagem pelos Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã.
Antes, no início da semana, o presidente Hassan Rouhani já conversara
separadamente com o Emir do Qatar.
Semana passada, Abdollahian esteve em
Moscou, viagem
que ele já descreveu como bem-sucedida, dado que forjou “uma
posição comum e coordenada” entre os dois países com vistas a combater contra o
terrorismo no Iraque e ajudar Bagdá a proteger a “unidade, independência e
integridade territorial”.
Teerã está deliberadamente deixando de
lado a Arábia Saudita, que está sendo vista como principal protagonista no
Iraque e Síria apoiando o Estado Islâmico do Iraque e Levante [ISIL]. E
adotou a medida bem pouco usual de distribuir uma “declaração”, no domingo, para esclarecer, acima de qualquer dúvida, que
o ministro de Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif absolutamente não
visitara, nem visitaria a Arábia Saudita e que boatos nessa direção não têm
qualquer fundamento.
Javad Zarif |
Essa declaração equivale a “empurrar
para o lado”, diplomaticamente, a Arábia Saudita, ao mesmo tempo em que o Irã “declara”
que nada há a discutir com a Arábia Saudita sobre o Iraque, enquanto os
sauditas mantiverem a estratégia pervertida de desestabilizar o Iraque e forçar
“mudança de regime”. A viagem regional de Abdollahian tem, muito provavelmente,
o objetivo de chamar a atenção para o perigo de um revide a partir do Iraque,
que teria impacto negativo sobre a segurança e a estabilidade regional.
Para garantir, ele levará aos três
países, que são aliados chaves dos EUA, a conclusão a que
Teerã chegou, de que Washington está jogando jogo
duplo no Iraque, fugindo como a raposa e caçando como a cachorrada. As mais
recentes notícias de Teerã sugerem que o Irã concluiu definitivamente, a partir
de informação de inteligência confiável, que o governo Obama faz-se de Janus
bifronte e usa duas caras na crise do Iraque, buscando meios para uma “reestréia”
militar e política dentro do país para tentar proteger seus interesses
econômicos.
Reza Naqdi |
Importante: o comandante da Força Basij,
Mohammad Reza Naqdi alertou, em tom grave, sobre a “formação de uma nova frente
de resistência”, por Teerã, contra os EUA e seus aliados regionais. É o mais
forte sinal de alerta que o Irã envia a Washington, até agora. Naqdi, figura
muito poderosa no establishment de segurança no Irã, reporta-se
diretamente ao supremo líder aiatolá Ali Khamenei. A dura mensagem a Obama é
para que ele ponha fim imediatamente à empreitada do ISIL; ou aguente as
consequências da “resistência”.
Ao mesmo tempo, Abdollahian novamente
refutou os boatos de que o Irã teria enviado tropas
para o Iraque. Claro, são boatos gerados também como
propaganda distribuída por empresas de jornalismo mantidas com dinheiro do governo
dos EUA, como a Radio Free Europe/Radio Liberty. Evidentemente, Teerã sabe que esses
boatos visam, em primeiro lugar, manter a escalada constante, incremental, da presença
militar dos EUA no Iraque [“EUA negam superdistensão da guerra
(“mission creep”), e não param de superdistender a guerra”.
Abu Bakr Al-Baghdadi |
Não surpreendentemente, a névoa da
guerra vai se tornando mais espessa. Apesar da névoa, não param de surgir
inúmeras sempre novas questões incômodas. Por um lado, Bagdá questionou
a autenticidade de um vídeo
recentemente distribuído, em que se vê o chefe
do ISIL Abu Bakr Al-Baghdadi. Se o vídeo é falso, a grande pergunta é:
quem anda pelo mundo a inflar a imagem do ISIL, fazendo de tudo para
atrair na direção dele as atenções planetárias? Dito em outras palavras: quem
tem mais a ganhar, com espalhar mais terror e mais medo?
Interpretação completamente nova surgiu
hoje, segundo a qual o atual tumulto no Iraque foi golpe
cuidadosamente urdido por EUA e seus aliados regionais,
especialmente a Turquia – que mantém silêncio ensurdecedor sobre os desenvolvimentos
no Iraque. Pergunta-se: o sequestro de turcos no consulado deles em Mosul,
ostensivamente pelo ISIL, pode ser golpe de publicidade, para divulgação
global, para apresentar Ancara como vítima, não com mentora do grupo
terrorista? E não há resposta fácil.
O Daily Mail britânico publicou matéria
exclusiva sobre a estranha decisão tomada pelo
governo Obama, de libertar Al-Baghdadi, há cinco anos, da prisão onde estava.
Gesto absolutamente excepcional, tratando-se de suspeito de comandar a
al-Qaeda.
Hmmm... A névoa da guerra só se adensa!
EUA fornece "softwares" e inteligência para o ISIS/ISIL/DAASH |
Novamente, recentes relatos
iranianos selecionados pela imprensa oficial do
governo russo sugerem que os EUA podem estar partilhando inteligência
importante com o ISIL, que, adiante teriam utilidade em campo, no front operacional. Sendo isso verdade, o
envio pelo governo Obama de algumas centenas de “conselheiros militares”, e o
deslocamento de brigadas de drones para os céus do Iraque, assumem
significado absolutamente novo.
Ainda que se deixe de lado tudo isso,
fato é que o governo Obama e os aliados regionais dos EUA – Arábia Saudita e Turquia,
em especial – já não podem confiar que o “projeto” ISIL tenha alguma
serventia para derrubar do poder o primeiro-ministro Nouri Al-Maliki. A melhor
aposta deles era isolar Maliki dentro do próprio campo xiita. Mas as coisas não
estão andando nessa direção.
Grande aiatolá Ali al-Sistani |
Outro duro golpe contra Washington, Riad
e Ancara: Al-Sistani, grande aiatolá do Iraque – e clérigo imensamente
respeitado e reverenciado – tomou a providência excepcional
de esclarecer seus pronunciamentos sobre o impasse
político em Bagdá. O grande aiatolá distribuiu declaração oficial em que diz
que jamais manifestou qualquer oposição a que Maliki se mantivesse como
primeiro-ministro (em direção diametralmente oposta ao que a imprensa-empresa
saudita e dos EUA publicaram que seria a posição de Al-Sistani).
Fato é que Maliki está bem vivo e ativo
e parecia realmente empenhado, quando disse que talvez se interesse por
concorrer ao terceiro
mandato como primeiro-ministro.
Não há dúvidas: Maliki está na liça.
[*]
MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços
na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão
e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança
para várias publicações, dentre as quais The Hindu e
Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch,
Information Clearing House,
e muitas outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994),
famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.
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