sexta-feira, 8 de maio de 2015

E agora? O que Washington faz na Ásia Central?

5/5/2015, [*] F. William Engdahl, New Eastern Outlook
What’s Washington Doin’ in Central Asia Now?
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Afeganistão - soldados em treinamento
Desde quando a CIA financiou e treinou mais de cem mujahidin jihadistas islamistas, inclusive um fanático saudita de nome Osama bin Laden, para desencadear uma década de guerra à distância contra forças do Exército Soviético no Afeganistão, Washington vive obcecada com a ideia de penetrar profundamente na Ásia Central para meter uma cunha entre China e Rússia.

Nas primeiras tentativas, no início do pós-2001, as forças dos EUA no Afeganistão alcançaram relativo sucesso. Agora parece que Washington tenta freneticamente um bis, e até já arrancou da aposentadoria um idoso embaixador dos EUA, Richard M. Miles, mandando-o comandar mais uma tentativa de mais um golpe de “revolução colorida”.

Parece haver um senso de urgência, no modo como Washington volta a focalizar a Ásia Central. A Rússia absolutamente não parece estar paralisada sob as sanções financeiras que lhe impuseram os EUA e a União Europeia; de fato, parece mais vibrante que nunca, firmando acordos estratégicos econômicos e militares praticamente por todos os cantos do mundo. E a vizinha eurasiana da Rússia, a República Popular da China, lança planos para construir dutos de energia e trilhos para trens de alta velocidade que a unam à Rússia cruzando a Eurásia.

Agora, parece que Washington tenta responder.

O problema com os neoconservadores em Washington é que não são muito criativos, na verdade, em termos de compreender as consequências mais amplas das próprias ações, o que demonstra estupidez considerável. E as confusões que inventam já são bem conhecidas, não só em Moscou, mas também no Uzbequistão, Quirguistão e outras repúblicas da Ásia Central que foram parte da União Soviética.

O próximo boom econômico da Eurásia

As repúblicas centro-asiáticas, muito especialmente Quirguistão e Uzbequistão, estão estrategicamente localizadas entre China, Cazaquistão e Rússia. Estão todas também na região de um boom econômico em andamento, que se materializará completamente com as redes de trens de alta velocidade da Nova Rota da Seda chinesa. Essas redes de ferrovias criarão rota terrestre altamente eficiente, independente de qualquer possível interferência nas rotas marítimas que os EUA controlam, para facilitar o comércio, que se amplia rapidamente, por toda a Eurásia e potencialmente, se a desafortunada União Europeia algum dia criar coragem para enfrentar Washington, também pela Europa.

Asian Infrastructure Investment Bank-AIIB
trad.: Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII) 
Recentemente, a China esteve nas manchetes com a fundação de seu Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII) [orig. Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB)], bem visível rival do FMI e do Banco Asiático de Desenvolvimento controlado pelos EUA. Grã-Bretanha, Alemanha, França e a maioria das grandes nações – todas, exceto EUA, Canadá, México e Japão – já se apressaram a oferecer-se para serem membros fundadores e, assim, embarcarem no que promete ser a locomotiva da economia global para, no mínimo o próximo meio século, e provavelmente mais do que isso, se o novo banco trabalhar direito. O Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura foi fundado pela China, com a contribuição inicial de US$ 50 bilhões, para financiar em parte a Nova Rota da Seda.

Recentemente, Pequim também reviveu um plano já existente de construir linha ferroviária da província chinesa de Xinjiang, no extremo oeste, até o Uzbequistão, cruzando o território do norte do Quirguistão. Os planos iniciais foram suspensos em 2005, quando uma das “revoluções coloridas” instigadas pelos EUA tornou instável demais o Quirguistão.

Dia 21/1/2015 o presidente Almazbek Atambayev do Quirguistão anunciou que seu governo estava enviando uma delegação a Pequim para finalizar os detalhes do lançamento do projeto. Serão 270 km de estrada de ferro, ao custo de US$ 2 bilhões, de Kashgar na província Xinjiang no oeste da China, até Andijan no leste do Uzbequistão, cruzando as oblasts de Naryn e Osh no Quirguistão.

Num recente memorando sobre esse desenvolvimento, o Ministério de Relações Exteriores da Grã-Bretanha observa que o projeto da ferrovia gerará significativo benefício especialmente para o Uzbequistão e também para a China, porque fará avançar os projetos mais amplos de ferrovias eurasianas da Nova Rota da Seda. Observaram também que, para a China, a ferrovia criará mais uma rota terrestre através da Ásia Central pela qual viajarão as exportações chinesas para os mercados europeus, assumindo-se que a ferrovia pode ser interligada às redes ferroviárias uzbeque e turcomena já existentes que chegam ao Mar Cáspio. Também dará melhor acesso aos chineses, até as jazidas de ouro, carvão e outros minérios que há no Quirguistão, estado economicamente quase esquecido desde a dissolução da União Soviética em 1991, quando o país declarou-se república independente.

Sobre o Uzbequistão, o memorando do Foreign Office observa que pode oferecer uma nova rota ferroviária de comércio, com os mercados do Pacífico Asiático. Será especialmente importante para a fábrica montadora de carros GM-UzDaewoo localizada na região de Andijan, que depende da importação regular de partes e componentes da Coreia do Sul. Para o Quirguistão, a ferrovia oferece a possibilidade de recolher taxas de passagem, que podem chegar a US$ 200 milhões ao ano, segundo algumas estimativas, além de criar mais de 20 mil novos empregos na construção da ferrovia. Há também potenciais ganhos com abrir o Quirguistão a investimentos chineses significativos na mineração, algo de que a economia quirguiz muito precisa.

Oleogasodutos IPI e TAPI (em construção)
E em mais um avanço geopolítico na Eurásia, dia 9/4/2015 o Paquistão anunciou que, tão logo sejam levantadas as sanções norte-americanas que ainda pesam sobre o Irã, o país iniciará a construção muitas vezes adiada do gasoduto para gás natural IP (Irã-Paquistão), ao custo de US$ 7,5 bilhões e que passará pelo porto paquistanês de Gwadar até a cidade de Nawabshah no sudeste do Paquistão, provendo o equivalente a 4.500 megawatts de eletricidade, de que a região tem aguda necessidade.

Em 2014, Washington sabotou o projeto, na verdade subornando o governo do Paquistão com US$ 1,5 bilhão de dinheiro dos sauditas, se o país abandonasse o projeto. Washington ameaçou o Paquistão com penalidades, se violasse as sanções econômicas contra ao Irã.

Washington, como Wall Street, sempre prefere queimar dinheiro dos outros para promover a própria agenda. Um ano depois, o dinheiro saudita já devidamente torrado, o Paquistão anunciou que, agora sim, o projeto do gasoduto pode seguir adiante. Entrementes, o Paquistão já assegurou empréstimo de US$ 2 bilhões, que lhe virá... da China. O segmento do Paquistão do gasoduto cobrirá 780,5km, financiado por um empréstimo chinês, e a construção ficará a cargo da empresa estatal chinesa de energia, CNPC. O trecho iraniano do gasoduto, de 901,1km, já está pronto. 


Gasoduto Irã - Paquistão e fase final de construção
Washington tenta a sabotagem

Com o crescimento acelerado dos laços econômicos transnacionais eurasianos, ferrovias e gasodutos, Washington percebeu que tem de reagir, se não quiser ser atropelada pelos estados da Organização de Cooperação de Xangai – Rússia, China, Uzbequistão, Quirguistão, Cazaquistão.

Não só isso. Em janeiro de 2015, Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão e Armênia lançaram sua União Econômica Eurasiana, com o Quirguistão já com planos para incorporar-se. É a mesma união econômica à qual o presidente democraticamente eleito da Ucrânia, Viktor Yanukovich, preferiu associar-se, em vez de aceitar a miserável proposta que lhe fazia a União Europeia, para que o país aceitasse a associação, não como membro pleno, mas como “membro associado”. A Secretária de Estado Assistente de Washington, Victoria Nuland, e a gangue de sempre de neoconservadores obcecados por guerras, lançaram por Twitter os “protestos” da Praça Maidan e o golpe de estado de fevereiro de 2014, em boa parte para bloquear aquele movimento da Ucrânia.
Por tudo isso, vale a pena registrar que o jornal quirguiz Delo No noticiou que um misterioso avião ucraniano entregara 150 toneladas de carga, com o status de “malote diplomático” destinado à embaixada dos EUA na capital do Quirguistão, Bishkek, no fim do mês passado. O status de “malote diplomático” implica que a carga não pode ser inspecionada pela alfândega do Quirguistão. Provavelmente, o pessoal da embaixada dos EUA em Bishkek é gente tão popular, que recebe 150 toneladas de cartões de Páscoa.

O jornal noticiou que a carga foi entregue em dois voos separados de um jato AN-124 de transporte da empresa aérea ucraniana Antonov Avialinii, entre os dias 28 e 30 de março/2015, e nos dois casos o avião estava em rota que partira de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, para o aeroporto internacional Manas. Aí tem coisa.


Asia Central-mapa-político
Também é importante observar que em novembro de 2013, a embaixada dos EUA em Kiev também recebeu “malotes diplomáticos” entregues por aviões de transporte da Força Aérea dos EUA. O ex-chefe do Serviço de Segurança da Ucrânia, Alexander Yakimenko disse à rede russa de notícias que as cargas entregues a Kiev incluía caixas com 60 milhões de dólares em notas miúdas, que foram distribuídas entre os manifestantes na Praça Maidan em Kiev, durante as manifestações antigoverno no final de 2013 – a ideia que Victoria Nuland cultiva do que seja democracia. Até abril de 2014, o governo dos EUA mantinha uma base aérea estratégica em Manas, no Quirguistão, totalmente vedada a qualquer inspeção pelo governo do Quirguistão. A imprensa jamais se cansou de noticiar, que aviões cargueiros norte-americanos carregados de heroína pousavam ali, em rota para a Rússia e a União Europeia.

Em novembro de 2014, o presidente da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSeC) [orig. Collective Security Treaty Organization (CSTO)], Nikolay Bordyuzha, acusou o ocidente de tentar desestabilizar os países da OTSeC. A Organização do Tratado de Segurança Coletiva é uma aliança para segurança coletiva constituída de estados ex-soviéticos, Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia e Tadjiquistão, para cooperação em questões estratégicas relacionadas aos estados membros.

Bordyuzha denunciou que aumentaram as atividades de “ONGs financiadas por agentes ocidentais” na região. Bordyuzha acusou o ocidente de desestabilizar a situação nos países da OTSeC. Como prova, citou um “aumento desproporcionado do número de funcionários nas embaixadas ocidentais, principalmente nas embaixadas dos EUA, além da ativação no trabalho de muitas ONGs financiadas por dotações ocidentais”. Bordyuzha observou que pouco antes do início do golpe de Washington em Kiev, o número de funcionários da embaixada dos EUA saltou para espantosos 1.500, num país que tem um único interesse para os EUA, se servir como cunha metida entre Rússia, China e a União Europeia.

Depois, dia 5/2/2015, o Departamento de Estado dos EUA anunciou que convocara um velho fazedor de “revoluções coloridas”, de 78 anos, Richard M. Miles, nomeado para a função de Chargé d’Affaires ad Ínterim na embaixada dos EUA em Bishkek, Quirguistão. Miles foi o braço operacional da “Revolução Cor-de-rosa” da CIA, que instalou fraudulentamente Mikhail Saakashvili, “eleito” por Washington, na presidência da República da Geórgia, além de ter também participado de operações igualmente sujas nos anos 1990s no Azerbaijão, onde a British Petroleum e empresas norte-americanas de petróleo queriam construir um oleoduto, de Baku a Ceyhan passando pela Geórgia, para contornar o oleoduto russo que passa pela Chechênia.

Países do sul da Ásia e Ásia Central
A nomeação de Miles acontece ao mesmo tempo em que a Secretária-Assistente do Departamento de Estado, Victoria Nuland, a neoconservadora ex-assistente de Dick Cheney e ex-embaixatriz dos EUA na OTAN, que foi personagem chave no golpe em Kiev em 2014, viajava ao sul do Cáucaso para visitar os governos da Geórgia, Armênia e Azerbaijão.

Washington está visivelmente obrando para criar caos e mais caos, sob a forma de “revoluções coloridas” por toda a Ásia Central, num esforço para sabotar os desenvolvimentos econômicos eurasianos, em rápida evolução. O Quirguistão é especialmente estratégico para essa finalidade, porque o caos ali é ameaça direta à cooperação econômica entre China, Rússia e Cazaquistão.

Deve-se esperar nova onda de “revoluções coloridas” orquestradas por Washington no Quirguistão e em toda a Ásia Central. A sabotagem incluirá também o Baloquistão no Paquistão, onde jihadistas extremistas, apoiados pela CIA, estão sendo preparados para sabotar o gasoduto Irã-Paquistão-China que passa também pelo Baloquistão. Na verdade, a ação sempre repetitiva dos EUA já começa a entediar, sempre os mesmos métodos (e até, já, sempre, também, as mesmas caras). Mas superpotência em decadência raramente prima pela inventividade.

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[*] Frederick William Engdahl é jornalista, conferencista e consultor para riscos estratégicos. É graduado em política pela Princeton University; autor consagrado e especialista em questõesenergéticas e geopolítica da revista online  New Eastern Outlook.

Nascido em Minneapolis, Minnesota, Estados Unidos, é filho de F. William Engdahl e Ruth Aalund (nascida Rishoff). F.W. Engdahl cresceu no Texas, e depois de se formar em engenharia e jurisprudência na Princeton University em 1966 (bacharelado), e pós-graduação em economia comparativa da University of Stockholm 1969-1970. Trabalhou como economista e jornalista free-lance em New York e na Europa. Começou a escrever sobre política do petróleo, com o primeiro choque do petróleo na década de 1970. Tem sido colaborador de longa data do movimento LaRouche.
Seu primeiro livro foi A Century of War: Anglo-American Oil Politics and the New World Order, onde discute os papéis de Zbigniew Brzezinski, de George Ball e dos EUA na derrubada do xá do Irã em 1979, que se destinava a manipular os preços do petróleo e impedir a expansão soviética. Engdahl afirma que Brzezinski e Ball usaram o modelo de balcanização do mundo islâmico proposto por Bernard Lewis.Em 2007, completou seu livro Seeds of Destruction: The Hidden Agenda of Genetic Manipulation. Seu último livro foi: Gods of Money: Wall Street and the Death of the American Century (2010).
Engdahl é autor frequente do sítio do Centre for Research on Globalization. É casado desde 1987 e vive há mais de duas décadas perto de Frankfurt am Main, na Alemanha.

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