25/5/2015, [*] Andrew Korybko, The Greanville Post
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Sergey Lavrov |
União Europeia e Rússia começaram as discussões sobre o conceito de segurança democrática, ideia que significa coisas absolutamente diferentes para cada um desses dois lados.
Na mais recente reunião do Conselho da Europa, o Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov e o Secretário-Geral da União Europeia, Thorbjorn Jagland, discutiram a necessidade de segurança democrática, com a Rússia destacando que, no momento, a segurança democrática é questão dramaticamente importante para a Macedônia. Embora não tenham sido distribuídos outros comentários públicos sobre o assunto, é claro que Bruxelas e Moscou têm em mente conceitos diferentes da coisa.
Como se pode ver no caso da Macedônia, a União Europeia vê qualquer líder ou governante pragmático e de pensamento independente como “ameaça” à ordem mundial unipolar (supostamente “democrática”); mas a Rússia vê as tais “revoluções coloridas” e os golpes planejados do exterior contra governantes nacionais como, estes sim, o verdadeiro perigo que ameaça a democracia.
Mesma palavra, diferentes universos de significação
Examinemos um pouco as diferenças entre União Europeia e Rússia, na compreensão implícita que tenha cada lado, do que seja “segurança democrática”.
Definição
Para a União Europeia
A julgar pelo comportamento de Bruxelas para a Macedônia, pode-se pressupor que “segurança democrática” significa manter onde estão e como estão os respectivos peões e os países ocidente-dependentes. No entendimento da União Europeia, a Bulgária governada pelo obediente e servil Primeiro-Ministro Boyko Borissov seria “democraticamente segura”; mas a Macedônia governada pelo pragmaticamente assertivo Primeiro-Ministro Nikola Gruevski seria “democraticamente insegura”. Tampouco é coincidência que Borissov seja “adotado” porque bombardeia o [gasoduto] Ramo Sul; mas Gruevski seja “bombardeado” porque “adota” o Ramo dos Bálcãs [orig. Balkan Stream].
Nikola Gruevski saúda a multidão (18/5/2015) |
Para a Rússia
Moscou sente de outro modo, é claro. Mantém a posição de que o ocidente nada ganha com considerar “ameaças à democracia” (no plano doméstico ou no plano internacional) líderes independentes e pró-multipolaridade. Moscou entende também que as urnas são a única opção que há para que um país “mude o regime”. Assim, do ponto de vista russo, segurança democrática implica salvaguardar governos de governantes eleitos. Por isso mesmo, a Rússia saúda Gruevski por suas credenciais democráticas e democratizantes e por sua posição contra-Revoluções-Coloridas. Mas o líder ucraniano pós-Revolução-Colorida-na-Ucrânia, Aleksander Turchinov foi tratado como governante antidemocrático.
Foco
Para a União Europeia
Moções democráticas, como eleições regulares e “imprensa livre” (definida subjetivamente) são importantes para a Europa, e se algum partido ou candidato enfatiza seu compromisso com valores “euroatlânticos”, nesse caso já andou meio caminho para obter suas “credenciais democráticas”. Tudo isso muda, é claro, se não aceitarem marchar em passo marcado com a política exterior de Bruxelas (a Macedônia, aspirante “oficial” a estado euroatlântico, recusou-se a fazê-lo), atitude que, então, invalida qualquer progresso democrático que tenha sido previamente reconhecido.
Para a Rússia
A Europa avalia a democracia a partir da apresentação de superfície; a Rússia examina a substância real da coisa. Fator chave nessa avaliação é se o governante em questão foi eleito e representa o estado de espírito, o sentimento e os interesses do país naquele momento. Gruevski sem dúvida satisfaz esse critério, e reuniu quase 100 mil pessoas (vídeo abaixo) nas ruas de Skopje para defenderem-se da agressão contra a Macedônia; os revolucionários coloridos mal conseguiram reunir mínima fração disso.
Causa das Preocupações
Na União Europeia
Os europeus alarmam-se quando um governante forte, determinado e pragmático (quer dizer: não é um tecnocrata) é eleito e põe-se a pregar políticas multipolares, servindo-se de retórica independente. No pé em que está, Gruevski exibe precisamente essas características, mas que qualquer outro governante em toda a Europa. Daí o golpe, digo, a Revolução Colorida.
Na Rússia
A Rússia preocupa-se gravemente quando alguma minoria política radical (especialmente se recebe apoio e dinheiro do exterior) tenta (sempre violentamente) derrubar governo eleito e legítimo, precisamente como acontecia no começo desse mês na Macedônia.
Solução
Para a União Europeia
Quando se vê diante do que, para ela, seria “crise na segurança democrática”, a União Europeia (porque assim lhe ordena os chefões norte-americanos) rapidamente oferece uma “revolução colorida” e/ou os mais vergonhosos esforços para arrastar a laço, de volta para o curral unipolar, os governantes e países que eles representem. É o que explica por que alguns políticos europeus (o que mais chama hoje a atenção é Sergey Stanishev da Bulgária) cuidam de jogar todo o peso que tenham a favor do primeiro ato da tentativa de desestabilização como se viu no domingo, porque se sente claramente induzido a interferir nos assuntos domésticos da Macedônia, para “corrigir” sua linha geopolítica.
Rússia
A resposta da Rússia a ameaças à segurança democrática que aconteçam contra seus parceiros é engajar-se em campanhas de informação de apoio, que ajudem aqueles parceiros a expor o complô que tenham sofrido, orientado por Inteligência externa, contra o regime democrático. Orientação estratégica, apoio diplomático, são também meios pelos quais a Rússia ajuda a defender democracias que estejam sendo atacadas.
O xis do problema
O obstáculo insuperável entre essas duas visões do que seja “segurança democrática” é Bruxelas e seus patrões norte-americanos, e a resposta que dão a governantes eleitos, fortes, determinados e pragmáticos. Em vez de esperar que a democracia siga o próprio curso, eles imediatamente se põem a sabotar (tudo: eleições, eleitores, lei, governantes, todo o sistema), com uma encenação de “revolução colorida”.
A maior ironia dessa dicotomia é que o ocidente abraça todas as suas medidas golpistas antidemocráticas ostensivamente para... “proteger a democracia”. E simultaneamente se põe a acusar a Rússia de “apoiar déspotas”, cada vez que Moscou anuncia apoio a governos legítimos – como o governo da Síria, por exemplo.
O coração da contradição entre a União Europeia e a Rússia [no fundo, sempre, é a eterna hipocrisia do ocidente (NEs)] pode ser realmente rastreado, em primeiro lugar, até o momento em que surja um governante independente. Isso é sempre o que mais enlouquece o ocidente, a ponto de imediatamente se pôr em campo para encenar uma “revolução colorida” contra aquele determinado democrata-alvo.
Para começar, são governantes eleitos pelo próprio povo, em eleições livres, justas e internacionalmente reconhecidas, o que significa que quem pôs no poder aqueles governantes foi o povo. Pode ter acontecido de o primeiro-ministro ou presidente-alvo não terem falado muito de política externa durante a campanha, com o resultado de que só depois de instalados democraticamente no poder democrático, aquele presidente-alvo ou primeiro-ministro-alvo deixam ver seus conhecimentos e suas opiniões sobre assuntos internacionais. Nem por isso, evidentemente, o governante perderia o status de legítimo representante no mundo exterior, dos interesses de seu país.
Salvar a alternativa multipolar
O próprio fato de os governantes em todo o mundo poderem afinal escolher entre políticas unipolares e multipolares é efeito das seguintes características muito importantes da ordem pós-Guerra Fria:
● A paridade nuclear entre Rússia e EUA e o renascimento do país como grande potência, graças a Putin, permitiram que a Rússia preservasse sua posição como sólido contrapeso militar ao mundo unipolar.
● Os EUA ajudaram a China a crescer, pensando em criar mais um contrapeso a seu favor e contra a URSS. Com o tempo, Pequim tornou-se “incontrolável” e agora vive a consciência do próprio destino, ao crescer como ator global independente.
● O período de reconhecida popularidade do unipolarismo estendeu-se de 1991 até no máximo 2013 (quando os EUA desistiram de atacar em guerra convencional a Síria, sob contrapressão russa) e trouxe com ele enorme quantidade de erros militares (Iugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia etc.) que desacreditaram (melhor tarde do que nunca!) o modelo de política exterior ocidental; e tornaram os públicos globais mais receptivos à alternativa multipolar.
● A mudança do centro de gravidade econômica, do Ocidente para a área do Pacífico Asiático, mudou o ponto focal global, de solidamente unipolar, para as fronteiras da multipolaridade.
● Duplos padrões ditos “democráticos” – com muitos falando muito de “direitos humanos” e “democracia”, mas amancebados com os reinos do Golfo (alguns dos quais são os estados mais antidemocráticos e anti-humanidade do planeta) – acabaram por provocar dano irreparável, de soft power, à mensagem do ocidente; e plantou sementes de forte desconfiança contra o unipolarismo, na consciência global.
À guisa de conclusão
Segurança democrática é o mais importante campo estratégico emergente hoje no mundo, por que nesse campo forma-se e trava-se o conflito crucial entre os campos multipolar e unipolar. Estados unipolares e seus aliados e procuradores continuaram a tentar derrubar governos não servis ou independentes; ao mesmo tempo em que o mundo multipolar faz o que razoavelmente consegue fazer, para defender e apoiar os governos que sejam escolhidos pelos respectivos povos.
Unipolar Multipolar |
Resumo final disso tudo, porém, a segurança democrática reduz-se ao que o povo-alvo das tentativas de golpe faça para resistir contra a “mudança de regime” que desaba sobre sua cabeça [assumindo-se que compreendam o que esteja acontecendo, nem sempre tarefa fácil, dada a alta habilidade do ocidente para disseminar a falsa consciência (NEs)]. Como diz o jornalista italiano e especialista nos Bálcãs Umberto Pascali, a resistência na Macedônia pode significar uma Stalingrado estratégica, na luta contra “revoluções coloridas”, em todo o mundo.
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[*] Andrew Korybko é Analista Político e escreve extensivamente sobre as relações internacionais da Rússia. É especialista em política do Oriente Médio, Ásia Central e Europa Oriental. Freqüente comentarista de TV e rádio. Originário de Cleveland, Ohio, está concluindo estudos de pós-graduação em Relações Internacionais na Universidade Federal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO).
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