4/5/2015, [*] Kristin Ross (KR), entrevistada por Manu Goswami do Jacobin Magazine (JM)
The Meaning of the Paris Commune
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Meaning of the Paris Commune
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O
que a Comuna de Paris oferece às atuais lutas por emancipação?
Communards sobre barricadas durante a Comuna de Paris |
A seguir, duas epígrafes acrescentadas pelos tradutores:
Em 12 de abril de 1871, isto é, precisamente durante a Comuna, Marx escrevia a Kugelmann:
Reli o último capítulo do meu 18 de Brumário. Afirmo que a revolução em França deve tentar, antes de tudo, não passar para outras mãos a máquina burocrática e militar – como se tem feito até aqui – mas quebrá-la (zerbrechen: a palavra é grifada por Marx no original). Eis a condição preliminar para qualquer revolução popular do continente. Eis também o que tentaram os nossos heroicos camaradas de Paris. (Neue Zeit, XX, 1, 1901-1902, p. 709)’ (Marx, em carta a Kugelman, de 12/4/1871, in LENIN, V. I., O Estado e a Revolução, cap. 3.1: “Onde Reside o Heroísmo da Tentativa dos Comunardos”, in marxists.org).
Reli o último capítulo do meu 18 de Brumário. Afirmo que a revolução em França deve tentar, antes de tudo, não passar para outras mãos a máquina burocrática e militar – como se tem feito até aqui – mas quebrá-la (zerbrechen: a palavra é grifada por Marx no original). Eis a condição preliminar para qualquer revolução popular do continente. Eis também o que tentaram os nossos heroicos camaradas de Paris. (Neue Zeit, XX, 1, 1901-1902, p. 709)’ (Marx, em carta a Kugelman, de 12/4/1871, in LENIN, V. I., O Estado e a Revolução, cap. 3.1: “Onde Reside o Heroísmo da Tentativa dos Comunardos”, in marxists.org).
De um artigo sobre o mesmo livro, pela autora, em francês, no Le Monde Diplomatique, maio 2015:
Em abril de 1871, no auge da Comuna de Paris, sete mil operários londrinos organizaram uma manifestação de solidariedade com seus camaradas parisienses, do local que a imprensa burguesa britânica chamava de “nossa Belleville” – o quarteirão de Clerkenwell Green até o Hyde Park. Acompanhados de uma fanfarra, erguiam bandeiras e faixas onde se lia “Viva a Comuna!”, “Longa Vida à República Universal!” Na mesma semana, no anfiteatro da Faculdade de Medicina da Sorbonne, abandonada pelos professores – que haviam corrido a refugiar-se em Versailles – os artistas e os artesãos parisienses (“todas as inteligências artísticas”) escutaram Eugène Pottier ler o manifesto da Federação dos artistas de Paris, cuja última frase foi: “O Comitê contribuirá para nossa regeneração, para a inauguração do luxo comunal dos esplendores do futuro, e para a República Universal”.
Em abril de 1871, no auge da Comuna de Paris, sete mil operários londrinos organizaram uma manifestação de solidariedade com seus camaradas parisienses, do local que a imprensa burguesa britânica chamava de “nossa Belleville” – o quarteirão de Clerkenwell Green até o Hyde Park. Acompanhados de uma fanfarra, erguiam bandeiras e faixas onde se lia “Viva a Comuna!”, “Longa Vida à República Universal!” Na mesma semana, no anfiteatro da Faculdade de Medicina da Sorbonne, abandonada pelos professores – que haviam corrido a refugiar-se em Versailles – os artistas e os artesãos parisienses (“todas as inteligências artísticas”) escutaram Eugène Pottier ler o manifesto da Federação dos artistas de Paris, cuja última frase foi: “O Comitê contribuirá para nossa regeneração, para a inauguração do luxo comunal dos esplendores do futuro, e para a República Universal”.
Introdução
Dia 18 de março de 1871, artesãos e comunistas, trabalhadores e anarquistas, tomaram a cidade de Paris e estabeleceram a Comuna. Esse experimento radical de autogoverno socialista durou 72 dias, antes de ser esmagada num massacre brutal que estabeleceu a 3ª República francesa. Mas socialistas, anarquistas e marxistas nunca deixaram de discutir o significado daquela ação.
Kristin Ross, em seu novo livro, o poderoso Communal Luxury: The Political Imaginary of the Paris Commune [O luxo da Comuna: imaginário político da Comuna de Paris], expõe com máxima clareza as polêmicas acumuladas sobre a Comuna, as quais, como ela diz, calcificaram falsas polêmicas: anarquismo versus marxismo, camponês versus operário, terrorismo jacobino revolucionário versus anarco–sindicalismo e por aí vai.
Agora que a Guerra Fria acabou e o Republicanismo francês está exaurido, argumenta Ross, podemos afinal livrar a Comuna dessa esclerose. Essa emancipação pode, por sua vez, revitalizar a esquerda contemporânea para agir e pensar sobre os desafios de hoje. Nenhum trabalho especifica mais completamente o que disse Marx, para quem a maior conquista da Comuna de Paris foi sua “existência real em operação”.
Entrevista
Jacobin Magazine (JM) – Esse livro reencena a Comuna de Paris para nossos tempos. Por que a Comuna é recurso para pensar as demandas de nosso presente?
Kristin Ross (KR) – Fico contente que você tenha escolhido dizer “recurso”, em vez de “lição”. Em geral as pessoas insistem em que o passado nos daria lições ou que ensinaria que erros evitar. A literatura em torno da Comuna é cheia de palpites, de engenheiros-de-obra-feita, de gente que goza ante a lista de erros: ah, se os Communards tivessem feito isso ou aquilo, saqueado dinheiro do banco, marchado sobre Versailles, feito a paz com Versailles, se se organizassem melhor, aí, sim, teriam sido bem-sucedidos!
Para mim, esse tipo de superioridade teórica post-fato é, ao mesmo tempo, estúpida e profundamente a-histórica. Nosso mundo não é o mundo dos Communards. Mas quanto antes se compreenda realmente que nosso mundo não é o mundo deles, tanto mais fácil é perceber os pontos nos quais o mundo deles é, de fato, muito próximo do nosso – mais próximo de nós, talvez, que o mundo da geração dos nossos pais.
O modo como vivem hoje as pessoas, particularmente os mais jovens, assemelha-se muito à instabilidade econômica da situação dos operários e artesãos do século 19 que fizeram a Comuna, muitos dos quais passavam mais tempo, não trabalhando, mas procurando trabalho.
Depois de 2011, com a volta virtualmente em todos os lugares, de uma estratégia política baseada em tomar espaços, ocupar locais e territórios, converter cidades inteiras – de Istanbul a Madrid, de Montreal a Oakland – em teatros para operações estratégicas –, a Comuna de Paris voltou a ser visível, como se recebesse nova iluminação, entrou novamente na figurabilidade do presente.
Suas formas de invenção política tornou-se novamente disponível para nós, não como lições, mas como recursos, ou, como o que Andrew Ross, falando do meu livro, chamou de “um arquivo usável”. A Comuna tornou-se a figura para uma história, e talvez para um futuro, diferente do curso que, por um lado, a modernização capitalista tomou; e por outro, o estado socialista utilitário tomou.
É um projeto que, creio, muita gente partilha hoje, e o imaginário da Comuna é central para aquele projeto. Por essa razão, tentei, no livro, pensar sobre a Comuna ao mesmo tempo como pertencente ao nosso passado e como uma espécie de abertura do campo dos futuros possíveis, no meio de nossas atuais lutas.
JM – O luxo comunal (fr. le luxe communal) foi slogan da seção dos artistas da Comuna e dá título ao seu livro. Você pode nos falar sobre a gênese dessa expressão?
KR – Diferente de “a república universal”, “o luxo comunal” não foi um dos slogans retumbantes da Comuna. Encontrei a expressão metida lá na última frase do manifesto que artistas e artesãos produziram sob a Comuna, quando se auto-organizavam numa federação. Para mim tornou-se uma espécie de prisma pelo qual refratar várias invenções e ideias chaves da Comuna de Paris.
O autor da expressão, o artesão de artes decorativas Eugène Pottier, é mais conhecido até hoje como autor de outro texto, “A Internacional, Terra sem Amos”, composto ao final da Semana Sangrenta, antes de o sangue dos massacres ter secado nas calçadas. O que ele e outros artistas queriam dizer com “luxo comunal” era alguma coisa com um programa de ação para “beleza pública”: melhoria de vilas e cidades, o direito de todas as pessoas viverem e trabalharem em ambiente agradável.
Pode-se ver aí uma demanda pequena, talvez mesmo só “decorativa”. Mas de fato implica não só completa reconfiguração da nossa relação com a arte, mas também com o trabalho, as relações sociais, a natureza e o ambiente vivido. Significa mobilização total na direção das duas palavras de ordem da Comuna: descentralização e participação. Implica arte e beleza “desprivatizadas”, plenamente integradas na vida diária, não escondidas em salões privados ou centralizadas numa monumentalidade nacionalista obscena.
Os recursos e realizações estéticas de uma sociedade não mais tomariam, como os Communards mostraram em ato, a forma do que William Morris chamou de “aquela peça básica da estofaria napoleônica”, a Coluna Vendôme. Na pós-vida da Comuna, no trabalho de Reclus, Morris e outros, mostro como a demanda de que a arte e a beleza florescessem na vida diária continha as ideias chaves do que hoje chamaríamos de desejo “ecológico”, e que pode ser percebido na “noção crítica de beleza” de Morris, por exemplo; ou na insistência de Kropotkin sobre a importância da autossuficiência regional.
Nas suas fronteiras de alcance mais especulativo, “o luxo comunal” implica um conjunto de critérios os sistemas de valorização diferentes do que o mercado fornece, para decidir o que uma sociedade valoriza, o que considera precioso. A natureza é valorizada não como um estoque de recursos, mas como fim nela própria.
JM – Seu livro estende a vida da Comuna aos trabalhos de Kropotkin e do socialista britânico William Morris, dentre outros.
KR – É muito fácil deixar-se tomar num transe de horror, pelo que Flaubert chamou de a “goticidade” da Comuna, expressão pela qual espero que ele tenha querido referir-se aos horrores sem mercê da Semana Sangrenta e massacre de milhares, que levou ao fim da Comuna. De modo algum minimizo o significado do massacre. De fato, vejo aquela espantosa tentativa, pelo estado, de exterminar um a um e em massa seus inimigos de classe, como o ato de fundação da 3ª República.
Mas me ocupei mais com documentar o que, para mim, seria o prolongamento da Comuna – o modo como o pensamento Communard continuou a ser elaborado depois do fim da Semana Sangrenta, com sobreviventes da Comuna exilados reunindo-se e trabalhando juntos com os apoiadores que você mencionou – camaradas de uma mesma viagem, para quem os eventos da Comuna haviam alterado profundamente o que Jacques Rancière chamaria de “a distribuição do sensível”.
Descrevo como onda de choque a Comuna como evento, e as discussões e a sociabilidade que se seguiram, com os que sobreviveram à Comuna, mudaram os métodos desses pensadores, as questões sobre as quais se debruçavam, os materiais que selecionavam, a paisagem intelectual e política que mapearam para eles próprios – em resumo, o caminho deles. Essas ondas imediatas de pós-choque são a continuação da luta, por outros meios. São parte do excesso do evento, e são tão absolutamente vitais para a lógica de qualquer evento, como as ações iniciais pelas ruas.
Talvez a maior modificação possa ser detectada na trajetória de Marx, depois da Comuna – uma mudança que assume a forma paradoxal de, tanto um fortalecimento de sua teoria, como uma ruptura com o próprio conceito de teoria. A Comuna mostrou muito claramente aos olhos de Marx que as massas não só modelam a história como também, ao modelá-la, transformam o presente e também transformam a própria teoria. Isso, de fato, é o que Henri Lefebvre tinha em mente, quando falou da “dialética do vivido e do concebido”.
O pensamento e a teoria de um movimento só são desencadeados com o movimento e depois do movimento. São as ações que criam os sonhos, não o contrário. [1]
JM – Piotr Kropotkin, Elise Reclus e William Morris foram, como você argumenta em seu livro, preocupados com mobilizar unidas as “energias do antiquado” associadas com formas pré-capitalistas e não capitalistas e com o potencial radical de práticas emergentes.
KR – Não só esses, mas também Marx era preocupado com a existência “anacrônica” em seu próprio tempo, de formas e modos de vida pré-capitalistas.
O destino das obshchina, aquelas formações agrárias comunitárias russas, que perduraram por séculos, foi importante foco das preocupações dos socialistas ocidentais. O desafio teórico que tomou forma depois da Comuna girava em torno da questão de uma forma-comuna revitalizada: como pensar juntas (I) a espantosa insurreição que aconteceu numa grande capital da Europa e (II) a persistência daquelas antigas formas comunistas no campo.
Esses pensadores eram todos extremamente atentos ao que se pode chamar “fissuras no tempo” – momentos nos quais a ininterrupta continuidade da modernidade capitalista parece rachar-se e abrir-se como um ovo. Historiadores em geral temem o anacronismo como o maior erro possível. São dados a desconsiderar o interesse de Morris pela Islândia daquele tempo, e o passado medieval da Islândia, por exemplo, como nostalgia obcecada. Morris foi realmente capaz de ver formações pré-capitalistas e modos de vida como os que haviam florescido na Islândia medieval como, simultaneamente, idos, passados, parte da história, e, ao mesmo tempo, como figuração de um futuro possível.
Isso é sinal, na minha opinião, não de nostalgia, mas de um modo de pensar profundamente historicizado. Sem isso, não temos como pensar a possibilidade de mudança, nem de viver o presente como algo contingente e sem desfecho conhecido.
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Nota dos tradutores
[1] O prof. Mangabeira Unger, em Conhecimento e Política, ensina que “a esperança é consequência da ação, não é causa dela”. A mesma lição-recurso de pensamento aparece em entrevista que concedeu à Revista Caros Amigos em 1999. É a mesma ideia progressista que se lê acima.
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[*] Kristin Ross é professora de Literatura Comparada na New York University e autora do livro: Communal Luxury: The Political Imaginary of the Paris Commune. Manu Goswani é professora assiciada de História na New York University.
Professora Kristin Ross |
Grato, mais uma vez, ao pessoal da Vila Vudu pela tradução. Alguém sabe informar se há previsão para uma edição em português do livro da Profa. Kristin Ross?
ResponderExcluirNão sabemos, Osmar. É possivel que exista uma edição "online" que poderia ter tradução "ajudada" pelo Google. Seria interessante consultar a NYU sobre o assunto.
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