terça-feira, 19 de maio de 2015

EUA-2105: Patologia da família branca rica

17/5/2015, [*] Chris HedgesTruthdig 
The Pathology of the Rich White Family
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 
 
 
Tive como crença, e permaneço,  que a diplomacia
pessoal pode ser muito útil e produtiva. (Bush-pai)
A patologia da família branca rica é das mais perigosas nos EUA. A família branca rica é amaldiçoada com excesso de dinheiro e privilégios. Não conhece nenhuma empatia, resultado de gerações e gerações de privilegiados. Tem mínimo senso de lealdade, e é incapaz de autossacrifício. A definição de amizade na família branca rica está reduzida a “O que você pode fazer por mim?” A família branca rica é possuída por insaciável ambição de aumentar sempre a própria fortuna e o próprio poder. Acredita que riqueza e privilégio conferem a ela inteligência e virtude superiores. É presa dos mais impenetráveis hedonismo e narcisismo. 
 
E, por tudo isso, a família branca rica interpreta a realidade através de lentes de autoadulação e cobiça que reduzem a realidade a alguma espécie de fantasia distante. A família branca rica é uma perigosa ameaça que vive dentro dos EUA. As doenças dos pobres, se comparadas às doenças dos norte-americanos brancos ricos, são pequena vela ao lado do sol. 
 
Não faltam propagandistas e elogiadores às famílias norte-americanas brancas ricas. Dominam as ondas de rádio e TV em todo o país. Culpam a patologia das famílias negras pobres pela miséria, pela falência da sociedade, pela violência urbana, pelo consumo de drogas, pela violência doméstica – como se não conhecessem algum desses itens. Dizem que as famílias negras pobres estão em desintegração por causa de algum defeito inerente – o que implica dizer que veem os brancos como melhores que os negros – defeito que essas famílias pobres devem tratar de consertar. 
 
Colete e regurgite todo esse lixo simplista racista, e você estará qualificado para assinar coluna no The New York Times. Bajular famílias brancas ricas sempre é bem negócio nos EUA. 
 
Se você é negro, e papagueia as mesmas pirações racistas dos brancos ricos, os brancos ricos enlouquecem de alegria. São capazes de cometer o desatino de oferecer-lhe palanques. Você pode até vir a ser presidente ou juiz da Suprema Corte. Dão-lhe programa de entrevistas na televisão, ou emprego bem remunerado numa universidade. Você receberá dinheiro para a sua fundação. Você pode publicar livros de autoajuda. Aparecerá dinheiro para fazer seus filmes. Pode acontecer até de você ser contratado para presidir uma empresa. 
 
Negro contratado para presidir uma "grande empresa"...
As famílias brancas, dizem os seus elogiadores profissionais, muito tentaram ajudar. As famílias brancas ricas deram incontáveis recursos aos pobres, muitos programas governamentais para erguê-los acima da pobreza. Muita, muita caridade, a mais generosa. Mas os negros, dizem eles, assim como outros pobres de cor, deixam-se derrotar pelas próprias atitudes e pelo próprio comportamento autodestrutivo. Programas governamentais são, pois, desperdiçados, com essa gente irresponsável. 
 
As famílias pobres, dizem os bajuladores de brancos ricos, nunca serão redimidas, se não se autorredimirem. Nós queremos ajudar, dizem os brancos ricos, mas os negros pobres têm vestir as calças, ficar na escola, dar jeito de se educarem, encontrar um emprego, dizer “Não às drogas” e respeitar a autoridade constituída. Se não fazem isso... merecem o que têm. E o que a família negra média consegue em termos econômicos é um níquel para cada dólar embolsado pela família branca média. 
 
Desde os dez anos, bolsista de uma escola de elite em New England, tive de aprender a conhecer a patologia das famílias brancas ricas. Não é experiência que eu recomende a alguém. Anos depois, por decisão pessoal, mudei-me para Rosbury, Boston, quando estava no seminário. Vivi do outro lado da rua de um dos projetos de moradia mais pobres da cidade, e era responsável por uma pequena igreja no centro do projeto, por quase três anos. Eu já tinha um sentimento de profundo desprezo contra famílias brancas ricas, e ele só aumentou depois de ver o que eles faziam contra os mais pobres. Gente branca rica, concluí depois da minha infância e dos meus anos em Roxbury, são sociopatas. 
 
A miséria e o colapso da família e da comunidade em Roxbury não eram causados por alguma patologia inerente das famílias negras. Os ricos que tratavam os pobres como refugo humano eram a causa de todos os problemas. Camadas superpostas de racismo institucionalizado – os tribunais, as escolas, a polícia, os oficiais de condicional, os bancos, o acesso fácil às drogas, o desemprego endêmico e o subemprego, as estruturas em colapso e o sistema prisional – tudo efetivamente sempre conspirou para assegurar que os pobres permanecessem pobres. Drogas, crime, famílias em desintegração são resultado da pobreza, não da cor da pele. Vê-se o mesmo quadro também entre brancos pobres. Tire todas as oportunidades, encha a vida dos pobres de desespero e desesperança, e o resultado é o mesmo, entre brancos ou entre negros. Mas aí está exatamente o que famílias brancas ricas não querem que ninguém saiba. Se se soubesse de tudo isso, os ricos teriam de ser responsabilizados. 
 
Divisão da riqueza nos EUA
Michael Kraus, Paul Piff e Dacher Keltner, cientistas sociais da Universidade da California, completaram uma pesquisa que os levou a concluir que os pobres têm mais empatia que os ricos. Os pobres, dizem eles, não conseguem dominar o ambiente em que vivem. Têm de construir relacionamentos com outros, para sobreviver. É coisa que só é possível se os pobres aprenderem a ler as emoções à sua volta e responder adequadamente a elas. Para isso, é indispensável que os pobres se olhem, uns os outros. Com isso se tornam mais sensíveis ao próximo. Os ricos, que podem dominar o ambiente em que vivem, não têm de se incomodar com o que outros sintam ou pensem. Estão no comando. Conseguem o que querem. O que querem que seja feito é feito. E quanto mais vivem no centro do próprio universo estanque, mais duros, mais insensíveis e mais cruéis se tornam. 
 
A família branca rica tem excepcional aptidão para o crime. Membros de famílias brancas ricas comandam corporações falidas (pensem nos Irmãos Lehman), fraudam acionistas e investidores, vendem hipotecas podres como se fossem investimentos dourados a fundos de pensão, comunidades e escolas e quando a coisa toda explode, ainda saqueiam o Tesouro dos EUA. Roubam centenas de milhões de dólares em Wall Street mediante fraude e assaltos, pagam poucos impostos ou nenhum, praticamente jamais vão para a cadeia, escrevem as leis e regulações que legalizam seus próprios crimes e, depois, são convidados a participar da direção das universidades de elite, ou tomam assento nos boards das grandes empresas privadas. Inventam fundações e são admirados como filantropos. E se acabam por meter-se em coisa realmente grave, têm os advogados mais caros e todos os seus “contatos” nas elites políticas, para se safarem. 
 
Isso é preciso reconhecer nas famílias brancas ricas: roubam com muito mais finesse que qualquer outra família. Se você é adolescente negro pobre e salta de uma caminhonete com alguns vidros de shampoo que acabou de roubar, o mais provável é que seja assassinado a tiros, pelas costas, ali mesmo na calçada ou, então, é condenado a anos de cadeia. Se houvesse Olímpiadas de crime, as famílias brancas ricas levariam todas as medalhas; as famílias negras pobres teriam sorte se ficassem menos de cem metros atrás do último classificado. Nem sei por que há negros que tentam competir com os brancos, no setor “crime”. Comparados aos criminosos brancos, os criminosos negros são lastimáveis fracassos. Os monarcas do crime são gente branca, que chafurdam na própria riqueza, enquanto vão trancafiando nas prisões porcentagem enorme de homens pobres negros. 
 
Famílias brancas ricas são também os matadores mais eficientes que há no planeta. É verdade há já 500 anos, começando na conquista da América e no genocídio contra os povos nativos norte-americanos, e continuando hoje, nas guerras dos EUA no Oriente Médio. As famílias brancas ricas não matam com as próprias mãos. Não precisam arriscar o próprio pescoço nas ruas das cidades nos EUA ou no Iraque. Mas contratam gente, quase sempre pobres, para matar por elas. Famílias brancas ricas queriam o petróleo do Iraque, ergueram bandeiras e entoaram slogans patrióticos, e assim arregimentaram legiões de crianças pobres para guerrear em nome delas e passar a mão nos poços de petróleo do Iraque. 
 
Casal branco rico típico
Famílias brancas ricas queriam guerra sem fim para benefício da indústria de armas. Foi só convocar para uma guerra ao terror, que conseguiram o que queriam. Famílias brancas ricas queriam que a polícia usasse impunemente força letal contra os pobres e que os prendessem aos milhares, inchando ainda mais as prisões dos EUA com 25% da população prisional do planeta. Foi só criar uma rede de leis antidrogas e militarizar os departamentos de Polícia, que conseguiram o que queriam. 
 
A beleza de fazer outros matarem por você é que você consegue se fazer passar por “razoável” e “bom”. Assim, você logo pode pôr-se a matar pobres muçulmanos por serem fanáticos furiosos. Você consegue divulgar a mensagem da tolerância num sorriso de querubim – o que implica continuar a tolerar os crimes e a violência cometidos por norte-americanos brancos ricos. 
 
Compare os tiros partidos de um carro em movimento em Watts e o bombardeio de saturação no Vietnam. Compare as guerras de gangues em Chicago e o ataque da polícia militarizada contra pelo menos um homem negro por dia, praticamente todos os dias. Ninguém produz mais rapidamente maior número de cadáveres que os ricos brancos. Só no Iraque, produziram um milhão de cadáveres, só até agora. E os ricos e poderosos que matam números espantosos de pessoas nunca vão para a prisão. Podem aposentar-se e ir viver num rancho em Crawford, Texas, e pintar retratos ridículos de líderes mundiais copiados de Google Image Search
 
Não há decadência como a decadência dos brancos ricos. Conheço um bilionário que, aposentado, passa o dia num iate fumando maconha e tratado por uma resma de prostitutas caras. Os filhos das famílias brancas ricas – cercados de empregados e cevados em escolas privadas, nunca voam em aviões de carreira nem se servem do transporte público – desenvolvem o ócio e a preguiça como meio de vida, quase sempre embalado em drogas, que com frequência os levam a desperdiçar completamente a própria vida, como parasitas sociais. As mães não precisam ser mães. Os pais não precisam ser pais. Babás e porteiros fazem o serviço. Os ricos vivem encastelados em reinos privados, protegidos por sua própria guarda privada, nos quais o mundo real não se intromete. São filisteus culturais ocupados com acumular mais riqueza e mais propriedades. O “sucesso material”, como escreveu C. Wright Mills, “é a única e verdadeira base da autoridade”. Misturam-se ao mundo das celebridades. E jornais e televisões comerciais de massa – que famílias brancas e ricas controlam – convertem-nos em ídolos a serem reverenciados só porque são ricos. Profissionais de “relações públicas” [mas que só sabem de relações privadas! :-D)))))] constroem as personas desses ricos, para o mundo exterior. Legiões de advogados atormentam e silenciam quem critique os ricos e brancos. Profissionais da bajulação promovem a sagacidade deles. Em pouco tempo, os brancos ricos estão convencidos da veracidade da mentira que criaram. 
 
Manifestação de negros pobres
Daniel Patrick Moynihan escreveu em 1965 o que se conhece como “Relatório Moynihan”, ou “The Negro Family: The Case for National Action” [A Família Negra: proposta de ação nacional]. O relatório concluiu que “no coração da deterioração do tecido da sociedade dos negros nos EUA está a deterioração da família dos negros”. Os oprimidos passavam a ser culpados pela própria opressão. Nenhum programa social poderia, sozinho, salvar os pobres. O relatório é exemplo clássico do modelo da economia neoliberal, ali re-embalado como uma ideologia. 
 
As patologias dos ricos logo nos levarão para uma ladeira econômica e ecológica. E quando mais nos afundarmos, mais os ricos, sem qualquer empatia e incapazes de compreender, determinados a manter a riqueza e os privilégios deles, mais usarão a guarda pretoriana deles, os veículos deles da comunicação de massas deles, os fantoches políticos deles, e o aparelho de vigilância e segurança deles para nos manter submissos. 
 
“O segredo de um grande sucesso sem causa aparente é sempre um crime jamais descoberto porque foi bem executado”, escreveu Honoré de Balzac em seu romance Le Père Goriot
 
Os ricos executaram um golpe de estado que transformou os três braços do governo dos EUA e praticamente todas as instituições, inclusive as empresas-mídia e todos os veículos comerciais de comunicação de massa em subsidiárias da empresa-estado. 
 
Esse golpe dá aos ricos autorização e poder para acumular riqueza inimaginável, sempre à nossa custa. O golpe permite que os ricos imponham pobreza cada vez mais incapacitante a círculos sempre crescentes da população. A pobreza passou a ser o pior dos crimes – como George Bernard Shaw escreveu, “todos os demais crimes passam a ser virtudes, se comparados à pobreza”. 

Martin Luther King e Malcolm X assassinados
por serem incômodos à elite branca e rica
E a habilidade de uma elite rapace, para deixar crianças morrerem de fome; para fazer homens e mulheres sofrerem a perda da própria dignidade humana e a autoestima, porque não encontram trabalho; a ter de abandonar as próprias casas e cidades; para jogar às ruas os doentes mentais e os velhos sem teto; para cortar sempre mais os magros serviços que ainda dão algum socorro e alguma esperança aos que sofrem, para meter centenas de milhares de pobres em celas de prisões por anos e anos; para fazer guerras sem fim; para fazer curvar os mais moços, sob o peso de dívidas estudantis sem fim; para lançar o estado de terror; e para pôr fim a qualquer esperança entre os menos afortunados, tudo isso demonstra e comprova que os oligarcas brancos e ricos norte-americanos são a força mais destrutiva e mais perigosa ativa hoje nos EUA.

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[*] Chris Hedges, repórter laureado com Prêmio Pulitzer, mantém coluna regular em Truthdig às 2as-feiras. Formou-se na Harvard Divinity School e foi durante quase duas décadas correspondente no exterior do The New York TimesHedges é autor de 12 livros, entre os quais War Is A Force That Gives Us Meaning, What Every Person Should Know About War, e American Fascists: The Christian Right and the War on America o best-seller (New York Times), Days of Destruction, Days of Revolt (2012), do qual é coautor, com o cartunista Joe Sacco. Seu livro mais recente é Empire of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of Spectacle.

7 comentários:

  1. Castor, me dá pelo menos algum número aproximado de brasileiros que lêem essas materias. Cada dia eu me desanimo mais com os analfabetos políticos desse país.

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  2. Que felicidade Vera ! Parabéns por se interessar por temas importantes. Acho que somos minoria neste país. Que bom termos o Castor para nos abrir os olhos! !!

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  3. Esclarecedor e revoltante, parabéns pela matéria.

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  4. Texto atualizado e perfeitamente aplicável à classe dominante brasileira!

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