1/5/2015, [*] MK
Bhadrakumar, Asia
Times Online − rediffBLOGS
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
(...) e surge também uma pergunta de um milhão
de dólares: onde ficam os EUA no cenário que se desdobra no norte do Afeganistão,
onde os Talibã voltaram a atacar? Para dizê-lo do modo mais gentil: a volta dos
Talibã em ataques no norte do Afeganistão pode até, afinal de contas, não ser
tão má ideia, do ponto de vista das estratégias dos EUA para “conter” Rússia e
China, ou das ações norte-americanas para “mudança de regime” na Ásia Central.
Afeganistão - Divisões Administrativas (clique na legenda para aumentar) |
A atual
ofensiva dos Talibã no norte do Afeganistão, focada em capturar Kunduz, faz-me
lembrar os dias finais, tensos e angustiantes, do tempo que servi como
diplomata em Tashkent nos últimos anos da década dos 1990s, e os Talibã
surgiram na região de Amy Darya, deixando um rastro de
sangue, horror e vingança. Quando a cidade de Kunduz caiu sob
controle dos Talibã daquela vez, dois fatores comprovaram-se decisivos.
●– O primeiro foi o tradicional
predomínio do grupo Mujahideen Hizb-i-Islami liderado por Gulbuddin
Hekmatyar (agente favorito dos Interserviços de Inteligência do Paquistão
[orig. Inter-Services Intelligence, ISI durante a “jihad
afegã”) naquela região, onde vive população pashtun de dimensões consideráveis.
●– O segundo foi a
realidade, ali constatável em campo, de que a marcha inexorável dos Talibã para
dentro da região de Amu Darya, depois que capturaram Cabul em 1996, era de fato
operação dos militares paquistaneses, para ir empurrando (e eventualmente estrangulá-las
nos estreitos confins do Vale do Panjshir) as forças residuais da Aliança do
Norte lideradas por Ahmad Shah Massoud.
Afeganistão - Vale do Panjshir (hachurado) (clique na legenda para aumentar) |
Esses dois
fatores voltam à cena hoje – embora de modos diferentes. A verdadeira
“identidade” entre os Talibã e Hezb-i-Islami – que sempre foi muito rala
(apesar da influência do ISI paquistanês sobre os dois grupos) e sempre
intrigou muito a olho nu, porque as dinâmicas locais sempre entravam em ação no
labirinto das políticas tribais e regionais; e dado o papel confuso dos
“comandantes em campo” – continua a ser criticamente importante mesmo hoje.
De fato, a
política durante a presidência de Hamid Karzai consistia em “terceirizar” a
segurança e as redes de inteligência para o Hizb-i-Islami, assim explorando os
medos existenciais desses últimos de serem invadidos por enxames de Talibã.
Evidentemente portanto, se o ISI continua a controlar o Hizb-i-Islami,
o ISI poderia alterar a dinâmica no campo de batalha em Kunduz (embora o
grupo insurgente esteja hoje relativamente muito enfraquecido, se comparado ao
que foi nos últimos anos 1990s).
Claro, o
resumo disso depende de onde, exatamente, está o serviço secreto paquistanês
ante a atual ofensiva dos Talibã. A posição oficial do Paquistão é de que Islamabad não encoraja “o
aumento da violência” que advém da ofensiva de primavera dos Talibã. Até aí,
nada de novo. Mas o fato que realmente conta é que o ISI de modo algum poderia não
ter percebido tamanho influxo de insurgentes, inclusive dos chamados
combatentes “estrangeiros” (chechenos, uzbeques, etc.), que cruzava a fronteira
para dentro do Afeganistão para apoiar uma ofensiva prolongada, dos Talibã,
contra Kunduz. Isso, principalmente quando estão em pleno andamento operações militares paquistanesas nas áreas tribais adjacentes.
Aviação paquistanesa bombardeou alvos na fronteira com o Afeganistão (1/5/2015) |
Nesse caso,
qual o plano de jogo dos serviços secretos do Paquistão? Será o caso de
supormos que os Talibã escaparam completamente ao controle dos paquistaneses?
Ou é o caso de os Talibã terem agora uma agenda própria? Ou os Talibã estão
agindo a serviço de um ou outro ou vários outros serviços de inteligência?
Isso, por um lado.
Há muitos
indícios de que o clima das relações afegãs-paquistanesas possa deteriorar em
breve, se o Talibã pressionar robustamente com a atual ofensiva. O jornal
paquistanês Down observou que
Kabul e Islamabad também abrigam mútuos ressentimentos:
Há também a
questão muito maior da reconciliação interna no Afeganistão que parece não estar avançando – impasse que está
começando a tornar-se visível em termos de acusações nada diplomáticas que
começam a ser ouvidas outra vez entre Paquistão e Afeganistão.
Do ponto de vista afegão, a abertura
sem precedentes do presidente Ashraf Ghani para Islamabad não gerou a desejada
cooperação em termos de usar a influência do Paquistão sobre os Talibã Afegãos,
para empurrá-los até a mesa de negociações.
Do ponto de vista paquistanês,
apesar da Operação Zarb-i-Azb, Operação Khyber-II e do massacre da escola em
Peshawar, o estado afegão não respondeu com a presteza necessária às
preocupações de segurança dos paquistaneses, nessa hora de necessidade.
Confiança, como sempre, é item de oferta sempre pequena dos dois lados.
Claro que os
Talibã, praticamente com certeza, há muito tempo têm uma agenda para a Ásia
Central. Ninguém precisa contar novamente sobre o nexo entre os Talibã e os
grupos militantes do Uzbequistão, Xinjiang, Caxemira e Norte do Cáucaso. Esse é
o ponto no qual a atual ofensiva dos Talibã contra Kunduz, na qual os
militantes da Ásia Central estão tendo, como já se sabe, papel chave, ganha seu
significado regional.
Ásia Central - mapa político |
A atual ação
dos Talibã pode bem ter o objetivo de enfraquecer a capacidade da Rússia para
resistir contra as tentativas dos extremistas para desestabilizar a Ásia
Central e o Norte do Cáucaso. O controle sobre o norte do Afeganistão pode
ajudar os Talibã – e seus grupos afiliados na Ásia Central – a negar
“profundidade estratégica” aos grupos tadjiques e uzbeques nos estados vizinhos
da Ásia Central. Tradicionalmente, a inteligência russa sempre trabalhou bem
com esses grupos, na antiga oposição que sempre fizeram aos Talibã e a
afiliados da al-Qaeda.
Por tudo
isso, surge também uma pergunta de um milhão de dólares: onde ficam os EUA no
cenário que se desdobra no norte do Afeganistão, onde os Talibã voltaram a
atacar? Para dizê-lo do modo mais gentil: a presença dos Talibã no norte do
Afeganistão pode até, afinal de contas, não ser tão má ideia, do ponto de vista
das estratégias dos EUA para “conter” Rússia e China, ou das ações
norte-americanas para “mudança de regime” na Ásia Central.
Leiam um
colunista da revista National Interest, que explica o que a Rússia pode estar
enfrentando: “ISIS em movimento: o mortal problema islamista, na
Rússia”. Significativamente, o presidente Putin “revelou” (porque era
informação sigilosa), em entrevista à televisão, que a inteligência russa tem provas de negociações clandestinas,
inclusive com troca de logística, entre os EUA e os separatistas chechenos. Mas aqui
entramos em região de fumaça e espelhos.
Por fim, as
“Iniciativas do Cinturão e Estradas” [as Rota(s) da Seda”] da China, podem nem
decolar, se tiverem de dar o primeiro passo nessas terríveis circunstâncias na
Ásia Central.
China e Paquistão fecham acordo de investimento em infraestrutura de US$ 40 bi (20/4/2015) |
Será que se
viam ares de “xeque-xeque-mate” na manhã depois da recente visita do presidente chinês Xi Jinping ao Paquistão? Ou agora, às
vésperas da esperada inclusão do Paquistão (e do Irã) como membros plenos da
Organização de Cooperação de Xangai – o que converte esses dois estados
regionais em garantidores da segurança e da estabilidade na Ásia Central?
Não há
respostas fáceis. Entrementes, nos informam que o “Estado Islâmico” (EI) está
trabalhando para renascer em Kunduz. Um comentarista afegão disse à rádio Deutsche
Welle essa semana, que:
(...) o EI recrutou várias centenas de combatentes
no Chardarra, distrito de Kunduz. O governador da província já
confirmara a informação há alguns meses. Naquele momento, os funcionários
disseram que o grupo poderia lançar algum grande ataque. Agora que já atacaram
Kunduz, as autoridades confirmaram que aumentou muito o número de militantes
estrangeiros em Kunduz, que lutam contra forças afegãs. Testemunhas oculares
dizem também que é muito alto o número de jihadistas
estrangeiros.
Não há dúvidas de que se devem,
sim, considerar as mais sinistras possibilidades, sobretudo agora, quando os
alemães já dizem insistente e veementemente que é indispensável uma
“instalação” de longo prazo, de militares dos EUA e da OTAN, no Afeganistão –
independente do que desejem ou digam o povo afegão e os governos regionais.
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[*] MK
Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou
serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão,
Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio,
Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de
segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia
Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House e
muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o
filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala, Índia.
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