26/5/2015, [*] M.K. Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido
na roça do Cherosim na Vila Vudu: Aparentemente, o embaixador
Bhadrakumar, nessa sua fé i-na-ba-lá-vel de que Obama é “grande estadista” ,
ainda não sabe que “os EUA já decidiram que haverá guerra” (ver/ler em 25/5/2015,
Rostislav Ishchenko, redecastorphoto: “Ucrânia:
unida ou não, estado miseravelmente fracassado”).
Por isso, não por qualquer outra
razão, Putin sentiu que tem de tentar todas as possibilidades que haja, para
salvar a paz, inclusive procurar e pôr-se na dependência do que Cameron faça ou
deixe de fazer.
Hoje, todos dependemos de Putin,
até Cameron e a BCC (Besta Conservadora Coroada) [pano rápido].
Vladimir Putin |
O telefonema do Presidente Vladimir Putin para o Primeiro-Ministro britânico, David Cameron na 2ª-feira (25/5/2015) tem de ser tomado como mais um sinal do gradual descongelamento das relações da Rússia com o ocidente, depois da visita que lhe fez o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, em Sochi recentemente (Vide Obama’s overture to Putin has paid off).
Putin usou a reeleição de Cameron como ocasião para reengajar a Grã-Bretanha, politicamente e diplomaticamente. Prima facie, o gesto de Putin é lisonjeiro. Vem num momento em que se ouvem muitas críticas dentro da Grã-Bretanha e nos EUA por a Grã-Bretanha ter-se convertido em ator menor nos assuntos globais.
Como escreveu Fareed Zakaria recentemente, com acerto [embora com aquele ar de idiota arrogante que é sua marca registrada (NTs)], Cameron passa a impressão de que não percebe que é sucessor de Pitt, Gladstone, Disraeli, Lloyd George, Churchill e Thatcher e nada faz além de manifestamente só “olhar para dentro”; e porque não fez grande discurso depois da reeleição sobre “um mundo de desafios” – a provável saída da Grécia da zona do euro, as ondas de migrantes que vêm das costas da África, a crise na Ucrânia, o Estado Islâmico e por aí vai. E por, no solene momento da posse, ter-se dedicado a expor um rascunho de plano para “garantir que melhores equipes de atendimento permaneçam nos hospitais do Reino Unido ao longo dos fins-de-semana”.
Moscou reserva-se o direito de discordar. Moscou sempre entendeu (mesmo no auge da Guerra Fria ou da perestroika de Mikhail Gorbachev) que há um único papel que cabe à Grã-Bretanha na política internacional, papel que, talvez, pode-se dizer, só a GB pode desempenhar – não a Alemanha, a França ou a Itália – a saber: servir de intermediária quando as coisas ficam realmente feias nas elações Rússia-EUA.
O documento distribuído pelo Kremlin sobre o telefonema de Putin para Cameron não foi tão lacônico como é usual, e até registra que Putin deixou uma via aberta para “cooperação construtiva” entre Rússia e Grã-Bretanha para promover a agenda bilateral e sobre questões internacionais. O comunicado sugere que Síria e Ucrânia figuraram entre os principais tópicos.
Bem obviamente, a Rússia vê a luta contra o Estado [Nada] Islâmico [EI] como ponto focal da crise na Síria; e quanto à Ucrânia, a ênfase está em encontrar “acordo duradouro”, o que demanda diálogo entre os representantes da região do Donbass e de Kiev.
nº 10 da Rua Downing, Londres |
Em comparação, o press-release distribuído do n. 10 da Rua Downing é bastante mais informativo sobre os 30 minutos de conversa telefônica de Cameron com Putin. Informa, nas entrelinhas, que há ampla confluência de opiniões sobre a Síria entre Moscou e Londres, no que tenha a ver com pôr fim à guerra civil e deter a maré montante do Estado [Nada] Islâmico (E [Nada] I).
Quer dizer que os dois governantes acertaram que seus conselheiros de segurança nacional “reiniciarão conversas” sobre a Síria. Claramente, significa que os serviços de inteligência russo e britânico retomarão os contatos. Putin e Cameron parecem ter cuidadosamente desviado do ponto nevrálgico desse tema, que é o futuro do governo de Assad num acordo político.
Mas a versão britânica insistiu incomodamente nas “profundas diferenças” entre Moscou e Londres sobre a crise na Ucrânia, destacando que a prioridade no momento é a plena implementação do Acordo de Minsk e o trabalho do grupo trilateral de contato (Ucrânia, Rússia e a OSCE) para resolver as “questões de destaque”.
Resumo, Putin atou os fios do diálogo de Rússia com Grã-Bretanha e os dois governantes sublinharam que os negócios estão recomeçando, demarcando a trilha luminosa da cooperação produtiva entre os dois países, no quadro do grupo P5+1 que negocia com o Irã.
Isso posto, o objetivo principal de Putin foi engajar Cameron, mesmo, na questão da Síria (sobre a Ucrânia, a Rússia tem motivos para dar-se por satisfeita com o “formato” Normandia existente, que reúne Alemanha, França e Ucrânia).
A última vez que Putin e Cameron falaram sobre a Síria foi em maio de 2013, quando Cameron esteve em Sochi para reunir-se com o russo. E, sim, o mundo já nem parece o mesmo que então havia.
O foco naquele momento foram os esforços para “ajudar a modelar” um governo de transição na Síria, e Putin concordou com a necessidade de pôr fim à violência, para impedir que o extremismo crescesse e deter a “fragmentação” da Síria.
Pode bem ser que as respectivas posições não tenham mudado desde maio de 2013 – GB a bradar que o presidente Bashar al-Assad tem de sair e garantindo apoio à “oposição” síria; e a Rússia, por seu lado, preocupada com um vácuo de poder que se criará no caso de o governo sírio colapsar, e com o crescimento dos grupos terroristas.
Mas, por assim dizer, a posição de Moscou naqueles dias mostra-se hoje perfeitamente correta. Depois das conversas em Sochi há dois anos, Putin disse que Rússia e Grã-Bretanha tinham “interesse comum em pôr fim à violência e em lançar um acordo de paz que preserve a Síria como estado integral e soberano”.
Hoje, e isso não é pouco, esse “interesse comum” só pode ter-se aprofundado. Moscou estará à espera de que Londres atravesse até o âmago do governo Obama, para lá implantar a imperativa, urgente necessidade de reabrir a trilha para moldar uma transição política na Síria.
O dramático avanço do Estado [Nada] Islâmico na Síria, que se consumou com a tomada de Palmira há três dias, fez aumentar a pressão sobre a estratégia dos EUA para a Síria. Os aliados regionais dos EUA já pressionam por uma mudança na estratégia dos EUA, com intervenção maior na Síria. A Turquia já beira literalmente a chantagem, e disse que os EUA estariam inclinados a garantir apoio aéreo aos terroristas rebeldes que lutam na Síria [chamados pelos EUA, pela Reuters e pela Leilane Neubarth de “milícias rebeldes sírias” (NTs)]. Mas funcionários do governo dos EUA têm repetido que nenhuma decisão foi tomada até agora.
Estado (NADA) Islâmico - criação de Israel e EUA |
Claramente a Turquia interessa-se mais pela “mudança de regime” na Síria do que por alguma luta contra o Estado [Nada] Islâmico; e a prioridade de Obama é que a estratégia que ele tinha para combater o Estado [Nada] Islâmico está em frangalhos [e agora se trata de salvar a própria cara (da estratégia e de Obama) (NTs)].
A avaliação de Putin deve ser que Obama não está inclinado a favor de solução militar na Síria, dada a extrema fragilidade da unidade do país, e o perigo real de que só o Estado [Nada] Islâmico ganhará se a Síria fragmentar-se. (DebkaFile, que tem contato com a inteligência de Israel noticiou que uma coluna do Estado [Nada] Islâmico está a caminho da fronteira da Síria com a Jordânia, onde estão 7 mil soldados das forças especiais dos EUA).
Tudo considerado, portanto, o telefonema de ontem para Cameron significa que Putin está levando indiretamente ao conhecimento de Obama que a Rússia está interessada em cooperar com EUA e Grã-Bretanha em termos práticos, na busca por uma solução política e, em termos imediatos, para pôr fim ao levante do Estado [Nada] Islâmico mediante cooperação em tempo real entre as agências de inteligência (as sanções ocidentais contra a Rússia também congelaram a cooperação entre os espiões).
Evidentemente a questão síria está ganhando nova criticalidade, e Putin não tem nenhum problema de ego com Obama. Putin espera que Cameron fale com Obama nos próximos um, dois dias, como desenvolvimento do telefonema de ontem.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.
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