Franklin C. Spinney |
5/8/2011, Franklin C. Spinney, Counterpunch
The Whack a Mole Endgame Begins in Afghanistan –
Americans Have the Clock, But the Taliban Have the Time
Americans Have the Clock, But the Taliban Have the Time
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Franklin “Chuck” Spinney foi analista militar do Pentágono.
Atualmente vive num barco no Mediterrâneo. Cap Ferrat, França.
Recebe e-mails em chuck_spinney@mac.com
A “avançada” [surge] do presidente Obama no Afeganistão e, em seguida, sua estratégia de des-avançada, meteu os EUA numa ‘estratégia’ de beco-sem-saída. Enquanto os EUA tentam retirar soldados de áreas remotas do Afeganistão, como os vales Tangi, Korangar e Pech, os guerrilheiros voltam como enxame a agitar a região, o que exige ataques norte-americanos de retaliação, redeslocamentos e mais operações cada vez mais duras para matar guerrilheiros e proteger as unidades afegãs e as populações locais, mesmo que muitas dessas unidades afegãs e populações locais estejam aliadas com os guerrilheiros. Quanto mais tempo dure a retirada, mas se apertará o beco sem saída, porque a cada dia menores serão as forças lá disponíveis para enfrentar a ameaça dos ataques relâmpago de pequenos grupos descentralizados de guerrilheiros que operam com grande agilidade em locais remotos.
Inevitavelmente, a retirada continuada implica que os militares norte-americanos se autoempurrarão cada vez mais para uma postura reativa, na qual respondem aos eventos, em vez de modelá-los. Em situação em que vão perdendo gradualmente a iniciativa, os comandantes militares terão cada vez mais de substituir os soldados em terra por raids aéreos e noturnos, mais reativos, ao mesmo tempo em que, gradualmente, estarão perdendo território para os guerrilheiros. Pode-se descrever esse processo como “varrer e ocupar”, só que ao contrário: os guerrilheiros é que estão varrendo e ocupando cada dia mais terreno no Afeganistão. Para piorar, a dependência cada vez maior do poder aéreo aumentará o número de baixas entre os civis, fator que tem sido como gasolina nas fogueiras da guerrilha afegã.
As avançadas e desavançadas de Obama, assim, criaram uma dinâmica de reforço que trabalha a favor dos guerrilheiros, porque está levando os EUA a confundirem-se cada dia mais numa estratégia sem pé nem cabeça, reativa, sem consistência. Como no judô, os guerrilheiros usarão a força dos EUA para exaurir e paralisar o desejo político dos EUA, induzindo nossos militares a reagirem ou com excesso ou com falta de energia, na luta contra ataques de guerrilheiros cada vez mais dispersos, mais imprevisíveis e mais incontroláveis.
Além do mais, essa dinâmica estará acontecendo ao mesmo tempo em que o presidente Obama luta para arrancar-se ele mesmo e arrancar os nossos soldados – do pântano no qual o presidente pulou tão temerariamente, tão irresponsavelmente, quando decidiu a favor de “avançadas” e escaladas na guerra, logo no seu primeiro ano de governo. Em resumo, a combinação da ameaça sempre presente dos guerrilheiros, com a pesada psicologia da retirada, é receita certa de paralisia, numa derrota militar de mil cortes e, eventualmente, também política.
O resultado mais provável disso tudo é que os EUA não deixarão o Afeganistão por termos e condições que os próprios EUA decidam, mas nos termos e condições que o adversário impuser, porque, como dizem – com muita razão – os propagandistas dos Talibã, “os EUA têm o cronograma, nós temos o tempo”.
Obama pode alegar, com razão, que herdou essa confusão do presidente também estrategicamente incompetente, que o antecedeu. Nem por isso se livra da culpa, porque seus atos, nos últimos 18 meses, agravaram ainda mais as previsões para o Afeganistão. Eventos recentes expuseram com dolorosa clareza o dilema criado pela estratégia de avançada e, em seguida, de desavançada, de Obama; e ilustram o modo pelo qual o perigoso reforço da dinâmica acima exposta já é hoje fato consumado e implantado.
Havia 32 mil soldados no Afeganistão quando Barack Obama assumiu a presidência em janeiro de 2009. Mas já estava aprovado o envio de mais 11 mil soldados, que o governo Bush decidira nos meses finais do governo, e que estavam na pista de embarque para o Afeganistão. Obama ordenou a primeira ‘avançada’ em março de 2009, com mais 21.700 soldados; acrescentou mais 33 mil nas muito lamentáveis decisões de ‘avançar’, a partir de dezembro de 2009.
Portanto, no final de seu primeiro ano de governo, Obama já mais que dobrara o número de soldados dos EUA comprometidos numa guerra que, então, já estava falida, no Afeganistão. Ao mesmo tempo em que agradava aos ‘falcões’ com essas escaladas, adoçava o bico das “pombas” com promessas de que em 18 meses começaria a reduzir o número de soldados, a começar em julho de 2010; e com a ideia, tão vaga quanto rapidamente descartada, de que os demais estariam fora de lá até 2014.
Mas a promessa de iniciar a retirada em julho de 2011 nascera de um pressuposto fatalmente viciado: a saber, que os militares conseguiriam rapidamente se implantar no território e, depois, entregariam aquelas posições sólidas e as responsabilidades pela segurança ao exército afegão – notoriamente corrupto e ineficaz. Discuti as consequências desses pressupostos viciados na edição de 22/9/2009 de CounterPunch em The Huge Hole in Gen. McChrystal’s Afghan Counterinsurgery Strategy, e na edição de 29-30/1/2010 mostrei em Turning Tzu on His Head como essas ramificações foram depois confirmadas pelos telegramas Eikenberry vazados.
É claro que nenhuma avançada de um dos lados em conflito acontece no vácuo. Como Clausewitz sabia, guerra é duelo entre seres animados que reagem de modo imprevisível a condições mutáveis, segundo o que lhes dite o próprio livre arbítrio. E ninguém em sã consciência dirá que os afegãos não sejam combatentes experientes de muitos combates.
Vê-se hoje claramente que os guerrilheiros afegãos cumpriram a promessa de responder às avançadas de Obama, com avançadas dos Talibã. Para tanto, nos últimos meses, aumentaram o volume, a frequência e a eficácia do que os militares norte-americanos têm interpretado como ameaçador aumento de ataques relâmpago, de atacar e desaparecer. Aqui, uma lista de apenas alguns desses ataques, os mais espetaculares:
1. Em abril de 2010, os Talibã organizaram com sucesso a fuga de 480 prisioneiros Talibã, da prisão de Kandahar.
2. Dia 28 de maio, os Talibã explodiram uma bomba num prédio do governo na província de Takhar, no norte do país, matando o comandante da Polícia do norte, um oficial da Polícia e dois soldados da OTAN, além de ferir o comandante alemão da OTAN naquela região e o governador da província de Takhar.
3. Dia 30 de maio, os Talibã lançaram ataque surpreendente contra alvos na cidade de Herat, inclusive contra uma base da OTAN.
4. Menos de uma semana depois de Obama anunciar seu plano para iniciar a retirada dos soldados do Afeganistão, os guerrilheiros lançaram ataque espetacular contra o Hotel Intercontinental, considerado o prédio mais seguro de Kabul, que resultou em cinco horas de tiroteio, que exigiu intervenção até de soldados e helicópteros da OTAN.
5. Dia 12 de julho, um meio irmão do presidente Karzai foi assassinado em circunstâncias misteriosas.
6. Dia 17 de julho, Jan Mohammed Khan, aliado chave e conselheiro do presidente Karzai do Afeganistão, foi assassinado. Etc. etc. ...
Esses ataques demonstram o enorme alcance da guerrilha e parecem ter sido orquestrados por vários grupos de guerrilheiros. Os militares norte-americanos creem que vários daqueles ataques podem ser atribuídos à conhecida Rede Haqqani, crença sem dúvida inspirada na velha predileção dos militares por encontrar nós críticos e alvos “de alto valor” que sempre comandariam o comportamento do inimigo. (A obsessão dos militares norte-americanos com encontrar nós críticos deriva das teorias sobre bombardeamento estratégico desenvolvidas pelo Army Air Corps nos anos 1930s e que, associadas aos sonhos de “guerra de precisão”, levaram a uma mentalidade de “bala de prata”, segundo a qual todas as estratégias militares poderiam ser reduzidas a planos mecânicos, do tipo “desentocar-e-matar” os tais alvos “de alto valor”.)
Dia 31/7/2011, o New York Times publicou artigo revelador, no qual se lia que as forças da OTAN, para responder ao número crescente de ataques guerrilheiros, estão “fortalecendo uma defesa em camadas” ao longo da fronteira Afeganistão-Paquistão, para capturar guerrilheiros da Rede Haqqani no momento em que tentem entrar na área de Kabul para perpetrar os ataques. O mais revelador do artigo do Times tem a ver com o que o artigo não diz.
Estranho, naquele artigo é que não diz o que seja uma “defesa em camadas”. Interpretação convencional do termo faz crer que signifique algum tipo de defesa escalonada em profundidade, ao longo da fronteira.
O problema, como Conn Hallinan destacou na edição 5-7/8/2011 de CounterPunch em Peddling Foolishness on Afghanistan, é que a geografia da fronteira do Af-Pak é montanhosa demais, porosa demais, hostil e, sobretudo, longa demais para que a OTAN pudesse manter, sequer, uma fina barreira de defesa. De modo algum é possível ali qualquer tipo de defesa escalonada em profundidade – sobretudo se se considera o baixo – e diminuindo – número de combatentes com que a OTAN conta.
De fato, um dos traços que nunca mudou nas estratégias das guerras soviética e norte-americana no Afeganistão foi e ainda é a incapacidade para vedar aquela fronteira, particularmente nas áreas remotas entre o Afeganistão e o Paquistão, do nordeste ao sudeste de Kabul. Então, ao mesmo tempo, estamos repatriando soldados e inventando algum tipo de defesa em camadas, o que implicaria algum tipo de reforço nas defesas. O que significa tudo isso?
E há mais. Uma segunda curiosidade, no artigo de 31 de julho do New York Times, é que não diz que a missão de reforçar a defesa em camadas incluiu, inter alia, fazer soldados dos EUA voltarem ao perigoso vale Pech, região remota da província de Kunar. Os soldados dos EUA saíram do Pech há menos de seis meses. Estão voltando para lá!
O fato de o New York Times não lembrar esse detalhe é ainda mais estranho, se se sabe que o próprio Times publicou matéria informativa e detalhada sobre a evacuação do vale Pech (“U.S. Pulling Back in Afghan Valley It Called Vital to War”, 24/2/2011.
A recente perda de um helicóptero Chinook, com morte de 31 soldados dos EUA (entre os quais 22 membros da Equipe 6 dosSEALs da Marinha) talvez tenha acontecido numa missão de implantação daquele “reforço” – nesse caso um raid noturno – no vale Tangi na província de Wardak. Em abril passado, os EUA abandonaram o posto avançado de combate no Tangi, cujo comando foi entregue ao exército afegão.
Sobretudo, ao não dizer que os EUA estávamos voltando a áreas que já haviam sido entregues às forças de segurança afegãs, o Times claramente fugiu de ter de explicar o que aquela estratégia de reforço visaria a obter.
Martin Kuz publicou excelente artigo na edição de 4 de agosto de Stars and Stripes, narrando o retorno ao vale Pech em Six months after pullback, U.S. goes back in to contest Pech Valley. Naquele artigo, cita comandantes norte-americanos que usaram, para justificar a volta ao vale Pech em 2011, os mesmos argumentos que usaram para ir para lá pela primeira vez, em 2003, a saber: criar condições para uma transição, ao final da qual o exército e a polícia afegãos passariam a encarregar-se de oferecer segurança à população local.
Em outras palavras, o exército dos EUA está mandando soldados de volta a áreas que já haviam sido repassadas às forças de segurança afegãs, porque a transição deu em nada. O que nos leva de volta, também, à ideia fatalmente viciada que subjaz a todas as decisões a favor do ‘surge’, a avançada, e que já comentamos. Em outras palavras, as análises militares feitas em 2009 para justificar a estratégia do “surge” não foram realistas; não avaliaram corretamente as limitações das forças de segurança afegãs, fator que em todos os casos impediria o sucesso dos planos para entregar aos afegãos a responsabilidade pela segurança.
Quem tenha chegado até esse ponto da leitura já terá percebido que, em vez de inventar escaladas e desescaladas e, na sequência, inverter a mão da retirada e reenviar soldados para pontos dos quais acabavam de ser retirados, a única saída pela qual os EUA podemos tentar sair dessa arapuca é negociar um acordo político com os guerrilheiros.
Não há desonra nisso. De fato, praticamente todas as guerras de guerrilhas acabam em acordos políticos negociados.
Para que seja efetivo, esse acordo terá de envolver e atender os interesses legítimos de todos os atores regionais, inclusive, evidentemente, o Irã, o Paquistão e a China, como terá de atender também os interesses do povo afegão, dos EUA e da Rússia, além, provavelmente, de ter de atender também os interesses das repúblicas da Ásia Central.
O objetivo tem de ser estabelecer condições para a emergência de um Afeganistão neutro e próspero. Se se considera o trauma e a destruição que o Afeganistão sofreu, é possível que, no início, essas condições tenham de ser construídas e estabilizadas mediante algum tipo de força-tarefa multinacional islâmica de paz e promoção do desenvolvimento econômico, liderada por algum grande país islâmico que não esteja na região como em área de caça, como, talvez, a Indonésia ou a Turquia.
Pessoalmente, eu escolheria a Turquia: é hoje o principal país islâmico e potência regional indiscutível; tem governo secular e população educada; e o governo reformista que lá está já demonstrou que tem capacidade para modelar uma política exterior excepcionalmente inteligente. Alguns afegãos objetarão que a Turquia está, sim, na região, como em território de caça – a Turquia é membro da OTAN e a OTAN combate contra o Afeganistão. Além disso, os pashtuns terão restrições à Turquia, dadas as conexões com grupos étnicos no norte do Afeganistão e nas áreas de fronteira conhecidas como um Turquistão. O ponto crucial é que é absolutamente essencial que o povo afegão veja o país escolhido para liderar o processo como parceiro honesto, confiável.
Segundo notícias recentes, o Talibã já deu sinais de interesse em firmar um acordo de paz, mas impuseram condição absoluta, tipicamente afegã, a ser atendida antes de qualquer negociação: todos os estrangeiros têm de comprometer-se a deixar o país; especificamente, EUA e OTAN têm de aceitar a completa retirada de todos os exércitos. Sem isso, os Talibã não se sentarão para começar a negociar.
Como aconteceu aos soviéticos e aos britânicos antes deles, o tempo dos EUA no Afeganistão está se esgotando; mas os guerrilheiros têm todo o tempo do mundo. É tarde demais para que os líderes políticos nos EUA possam beneficiar-se da ideia primitiva segundo a qual só se negocia de posição forte, se há sucesso militar no exterior e sucesso econômico em casa. – Essas duas bases de poder evaporaram-se, para os EUA, por causa, sobretudo, da loucura de Bush Filho. E, como nem os soviéticos nem os britânicos, tampouco os EUA conseguirá estabelecer presença militar permanente no Afeganistão. Qualquer tentativa nessa direção enfurecerá o povo afegão e acenderá as chamas da insurreição.
Cabeças mais inteligentes bem fariam se lembrassem hoje que outro presidente dos EUA enfrentou descompasso semelhante entre seu cronograma e o tempo que corria a favor do adversário. O presidente Nixon tentou não ver as implicações desse descompasso e ofereceu ao Vietnã uma retirada lenta, prometendo “paz com honra”.
Se o Vietnã do Norte tivesse respondido àquela promessa com precondição inflexível, como a que hoje o Talibã impõe – exigência de completa retirada militar do Vietnã – o Departamento de Estado e o Pentágono nos anos 1970s teriam considerado as negociações, como hoje, também impensáveis. De fato, nem fez diferença alguma. Em 1975, os EUA fomos obrigados a retirada incondicional, imposta pelo Vietnã aos EUA, como todo mundo viu acontecer.
salve, castor,
ResponderExcluirse essa alternativa de negociação explicitada pelo articulista, num artigo tão bem embasado, proponho o seguinte: todas as tropas da otan se dirigirem pro aeroporto de cabul, seu comandante americano,incontinenti, em vídeo conferência com o obama, declarar a vitória e partir na frotilha de aviôes hércules, sem escala, pros esteites.
solução bem mais barata, tendo em vista a crise finaceira, ne não.
abçs
carlos -fort-ce
Na minha humilde opinião, os eeuuaa não devem sair do afeganistão.
ResponderExcluirEles vão ser derrotados, de um jeito ou de outro, vai ser pior que no Vietnã.