Ali Younes |
13/8/2011, Ali Younes, Palestine Chronicle
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Desde a deposição do presidente da Tunísia Zinelabidine Bin Ali, em janeiro passado, no primeiro movimento do que viria a ser conhecido como “Primavera Árabe”, o mundo árabe acompanha uma sequência de levantes e revoltas contra ditadores e tem produzido avaliações nem sempre concordantes do próprio contexto político. A Tunísia ainda vive sob o caos controlado que se seguiu ao colapso do antigo regime; o Egito sofre crescente instabilidade, em função das agendas divergentes dos diferentes grupos políticos. Mas nem na Tunísia nem no Egito assistiu-se à destruição massiva e a massacre de civis semelhantes aos que se veem hoje na Líbia e na Síria.
O levante na Síria paga preço elevado em vidas. |
Intelectuais, escritores e jornalistas árabes que apoiaram e saudaram com entusiasmo os levantes na Tunísia e no Egito expõem agora posições mais complexas nos casos de Líbia e Síria. Os intelectuais públicos no mundo árabe estão divididos no que tenha a ver com os eventos na Síria e na Líbia, embora a opinião pública esteja claramente contra as ditaduras que sobrevivem no Iêmen, na Síria e na Líbia.
Contudo, o envolvimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na Líbia e o apoio que deu aos chamados “rebeldes” líbios comprometeram indelevelmente o caráter democrático do levante na Líbia, na opinião de vários intelectuais públicos do mundo árabe.
O fato de o ocidente e a OTAN terem-se envolvido tão profundamente nesses e noutros levantes árabes criou um dilema para muitos pensadores e militantes democráticos árabes. Intelectuais que dedicaram a vida e a carreira a escrever contra qualquer intervenção do Ocidente na política árabe, veem-se agora perplexos ante a extensão do envolvimento e do apoio material e moral que o Ocidente tem garantido a alguns daqueles levantes, embora não a todos.
Abdel Bari Atwan, editor do jornal panárabe Al Quds Al Arabi escreveu editorial, mês passado, declarando-se contra os ataques aéreos da OTAN na Líbia; para ele, além do inaceitável número de civis mortos, a OTAN está destruindo cidades, estradas, infraestrutura em geral. Atwan não esconde sua oposição aos chamados “rebeldes” líbios e suas lideranças políticas, que acusa de serem financiados pela OTAN e pela União Européia. Atwan oferece a hipótese de que aqueles “líderes” que lá estão só assumiram o comando dos “rebeldes” depois de o filósofo e jornalista francês Bernard-Henri Levy ter manifestado publicamente seu apoio a eles, quando visitava Benghazi como enviado especial do presidente Sarkozy da França.
Levy é nome conhecido na Região pelo apoio irrestrito que sempre deu às políticas de Israel; é citado como autor da frase “o exército de Israel é o mais democrático do mundo”. Levy também já exigiu intervenção militar na Síria, para depor o governo de Bashaar Al Assad. O ativismo de Levy parece ter complicado ainda mais as coisas. Atwan diz que Levy é uma das razões pelas quais, embora não apoie o governo de Gaddafi, absolutamente não apoia os planos políticos dos “rebeldes” de Benghazi.
Atwan não está sozinho nessa posição, de desejar apoiar os direitos democráticos das sociedades árabes, sua luta por mais liberdade e por direitos civis respeitados para todos, mas, simultaneamente, rejeitar qualquer tipo de intervenção dos EUA e do ocidente na política da Região.
Lina Abubaker, romancista, poeta e colunista que vive em Londres e também escreve no jornal de Atwan publicou uma nota pelo Facebook no início do mês, alertando para a existência de um “novo mapa do caminho” que visaria a dividir ainda mais os árabes. Para ela, os levantes árabes seriam efeito de uma espécie de conspiração que visaria a “decapitar os governos e manter intactos os corpos”. Para ela, haveria aí uma muito ampla conspiração, pensada pelos EUA para dominar o mundo árabe, servindo-se do que ela chama de “terrorismo dos EUA contra os árabes”. “Os levantes populares são o novo terrorismo norte-americano. Será que vocês nunca aprendem?!” – perguntou ela, em referência à ocupação norte-americana no Iraque.
Duas outras linhas de ideias estão alimentando as percepções sobre a Primavera Árabe dentro do mundo árabe. Uma delas entende que os levantes sejam movimentos de libertação nacional autóctones que, eventualmente, levarão a governos democráticos. A outra entende que os levantes são, sim, plano inspirado pelo ocidente para fragmentar definitivamente os estados árabes – o que favoreceria as ambições de EUA e Israel para a Região.
Mohammad Dalbah, jornalista árabe-norte-americano que vive em Washington entrevistou intelectuais árabes, aos quais perguntou por que havia entre eles opiniões tão fortemente polarizadas sobre os levantes populares de 2011, e definiu dois grupos. No primeiro grupo Dalbah reuniu os intelectuais que classificou como “nacionalistas e patriotas árabes” – que interpretam os eventos na Região de um ponto de vista estratégico, assumindo, como critério para apoiar ou não cada levante, caso a caso, o conflito entre israelenses e árabes.
No segundo grupo estão os “árabes liberais” – que pregam o fim de todas as ditaduras e a constituição de governos democráticos e não veem qualquer inconveniente em qualquer tipo de intervenção do Ocidente para alcançar esses objetivos (por exemplo, no caso da Líbia). Falta, de fato, um terceiro grupo, no qual se reuniriam os que apoiam o fim das ditaduras mediante luta popular, sem qualquer tipo de intervenção de forças ocidentais.
Explicando a ausência desse terceiro grupo, Dalbah, que é jornalista veterano do mundo árabe, argumenta que o regime sírio, por exemplo, não exige necessariamente o fim da longa ocupação de territórios palestinos pelos israelenses, como tampouco exige o fim da ocupação, pelos israelenses, sequer, das planícies sírias do Golan. “O que distingue o regime sírio, dentre os demais estados árabes, é a recusa a seguir os planos dos EUA para a Região”, diz ele. Mas essa recusa não é feita por princípios e explica-se porque o governo sírio, de fato, aspira a “ter papel central na Região, em troca de promover qualquer acordo que ponha fim ao conflito entre árabes e israelenses” – acrescenta Dalbah.
Em outras palavras, a posição dos sírios na questão do conflito entre israelenses e palestinos e a “resistência” contra EUA e Israel seriam decisões táticas, não estratégicas. Além do mais, os que apóiam o regime sírio apóiam-no porque os sírios recusam-se a render-se à hegemonia dos EUA na Região, a qual, por extensão, segundo esse ponto de vista, implicaria completa rendição a Israel.
Mwaffaq Mahadin, escritor e colunista jordaniano, cujas posições o inserem no grupo dos “nacionalistas árabes” de Dalbah, manifestou-se, em coluna recentemente publicada no diário jordaniano Al Arab Al Yawm, contra qualquer tipo de apoio ao levante contra Bashar. Mahadin argumenta que o pensamento que anima os levantes da Primavera Árabe é um combinado de magnatas das finanças ocidentais (como George Soros) e de cientistas políticos norte-americanos (como Gene Sharp), que pregam a resistência não violenta à opressão.
Em sua mais recente coluna, Mahadin argumenta que Israel, ajudada pelos EUA, trabalha para fragmentar e dividir os países árabes, para continuar a controlá-los. Para chegar a isso, Israel e seus aliados ocidentais recorrem hoje a uma “fragmentação soft” mascarada de “reformismo” e de “democracia”.
Isso não implica dizer que intelectuais como Mahadin sejam contrários às reformas ou à democracia; mas, para eles, nem reformas nem democracia são questões prioritárias nesse momento; a prioridade, agora, para eles, é resistir à ocupação israelense e à dominação do mundo árabe pelos EUA.
Outro grupo que já apoia a derrubada do governo Baath da Síria e quer mais democracia, mesmo que ao custo de intervenção estrangeira, são os signatários da “Declaração de Damasco” – assinada em 2005 por 250 nomes da oposição síria, que advoga transição e reformas graduais na política da Síria. Dalbah argumenta que figuras importantes desse grupo, como o escritor Michel Kilo, já estão bem próximas de aceitar e passar a apoiar a ideia de uma intervenção militar em seu país, se esse for o meio mais eficaz para arrancar o governo Assad do poder.
Têm havido manifestações anti-Assad diárias em Amman, Beirute, Kuwait, Manama e em várias outras cidades, todas exigindo o fim do governo de Assad e família; mas nenhuma manifestação, até agora, em lugar algum, deu sinal de apoiar, ainda que longinquamente, qualquer tipo de intervenção militar ocidental na Síria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.