29/8/2011, Stephen Lendman, OpEdNews
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Imagens não mentem, exceto as falsas imagens que a OTAN produz em Doha, Qatar e, provavelmente, por todo o mundo, e nos estúdios de Hollywood. Durante meses, os assaltantes saqueadores da OTAN e a gangue dos “rebeldes” assassinos violentaram e violaram a Líbia – mataram, destruíram, saquearam, sob o pretexto de que estariam protegendo alguém.
Dia 22 de agosto, Obama, que já fez por merecer dois indiciamentos por crimes de guerra, descreveu aquelas falsas imagens como “manifestação do anseio básico e feliz por plena liberdade humana”. [1]
Dia 25 de agosto, a secretária de estado Clinton, mais uma que também já fez por merecer indiciamento por crimes de guerra, disse “os eventos na Líbia essa semana comoveram o mundo”. [2]
Por que não vão, eles e seus aliados na mesma conspiração, a Trípoli, Brega, Misrata e outras cidades líbias reduzidas a ruínas, e veem eles mesmos, com os próprios olhos?
Se fossem, veriam os cadáveres insepultos pelas ruas, o sangue, a agonia no rosto dos sobreviventes, destruição por todos os lados para onde se olhe, miséria humana em escala jamais vista.
Por que não vão a Trípoli, para colher, em primeira mão, os frutos de sua vitória? Ver o que há para ver, sentir o fedor dos mortos, ver, ao vivo, a tragédia cada dia maior que se abateu sobre Trípoli? O que se vê em Trípoli é um devastador desastre humano.
Dia 27 de agosto, o jornal Russia Today noticiava:
“... falta tudo, em Trípoli, combustível, água, eletricidade, e todo o tipo de produtos hospitalares e de primeiros socorros. A situação em campo aproxima-se perigosamente de vasta catástrofe humana. Trípoli enfrenta grave escassez de água potável, eletricidade, gasolina e remédios (...) Todos os serviços públicos estão paralisados”. [3]
Destruição, lixo, cadáveres em decomposição enchem as ruas. Doenças contagiosas e outras logo chegarão como epidemias, não só por causa dos cadáveres mas também por causa de água, terra e ar contaminados.
Que Obama e Clinton comecem a imaginar a fúria e o desejo popular de resistir àqueles horrores e a outros horrores que fatalmente virão.
Eles que comecem a preocupar-se com o que pode vir adiante – resistência crescente, luta, compromisso real e profundo com liberdade humana real, não conformismo ante a servidão que aguarda os líbios sob o jugo dos saqueadores da OTAN.
Contra a ocupação por bancos e banqueiros. Contra o saque dos seus recursos pelo “Big Oil”. Contra Washington, Londres e Paris a decidir o que seria “melhor” para a Líbia.
Contra encolher-se em servidão contra esses ocupantes bandidos que contam com destruir a força da vida, do espírito, do desejo dos líbios. Nada, na Líbia ficará impune.
Os líbios não se renderão. Não escolherão a morte. Escolherão lutar contra a ocupação. Escolherão pagar o preço que custe a resistência, porque não resistir é o pior que lhes pode acontecer. Não podem aceitar e não aceitarão.
Durante o dia 27 de agosto, jornalistas independentes permaneceram como prisioneiros virtuais, sem poder sair do Hotel Corinthia em Trípoli, sem poder expedir suas matérias e comentários sobre o que realmente se passava em Trípoli e em outras áreas.
Fizeram muita falta aquelas matérias e comentários. Esperemos que consigam sair de lá e cheguem em segurança às suas casas.
Dia 26 de agosto, o International Action Center publicou em manchete: “Líbia – Continua a resistência contra o avanço de EUA/OTAN”. A matéria dizia:
“Apesar da OTAN atacar com força máxima, ataques que dão cobertura a todo o tipo de ação de violência dos bandidos ‘rebeldes’ em terra, continua “a heroica resistência ao avanço dos imperialistas (...) Toda a imprensa-empresa insiste em repetir que há rendições em massa, que Gaddafi fugiu, que seus filhos estão presos e outras desinformações e mentiras. Na Líbia, com certeza, ninguém duvida que são mentiras, guerra de propaganda e artifícios de guerra psicológica”.
Como já se viu acontecer no Iraque e no Afeganistão, declarações de arrogância (“vencemos”, “missão cumprida”) não porão fim à resistência popular. A luta continuará “de várias formas”.
Os líbios já resistiram heroicamente não só a meses de bombardeio, mas, também, à propaganda racista da imprensa-empresa (que apresenta os EUA e a máquina de morte da OTAN como “grandes libertadores brancos” [4]).
Nesse momento, os líbios enfrentam pilhagem em grande escala. A “responsabilidade de proteger” está convertida em razão para pilhar, enquanto a matança, a destruição, prosseguem.
O que está planejado para a Líbia é “o capitalismo de desastre”, como Naomi Klein explicou em “A doutrina do Choque”. A democracia do ‘livre mercado’ é mito. Os neoliberais saqueadores exploram a seu favor as ameaças à segurança, os ataques terroristas, as quebradeiras e falências, todos os desastres naturais e, sobretudo, exploram a seu favor todas as guerras.
O que se deve temer para a Líbia é o fim dos serviços públicos, privatizações gerais, a liberdade com a cabeça sobre o cepo, à espera da lâmina do carrasco. O ocidente espera impor uma versão neoliberal da Líbia, que substituirá a Líbia socialmente responsável da era Gaddafi.
Essa foi a principal razão pela qual Gaddafi foi ‘condenado’ pelo ocidente. Foi preciso derrubá-lo do governo da Líbia, para que os predadores corporativos pudessem alimentar-se do cadáver da Líbia.
Resultado disso, o ocidente já disputa os despojos. Até que definam o alvo seguinte, e o outro, e o outro, até que toda a África, todo o Oriente Médio, toda a Ásia Central sejam, afinal colonizadas, seja como for, ocupadas de um modo ou de outros, e, claro, saqueadas.
Latuff - EUA/OTAN "protegem" civis na Líbia |
Para Washington, a pilhagem parasitária é definição triunfalista do livre mercado, incluindo sempre a privatização ensandecida de empresas públicas, nenhuma regulação, cortes de impostos para os ricos e de salários para os pobres, exploração desenfreada, geração incansável de miséria, cada vez maior; e controle militarizado sobre os explorados.
É o que Bilderberg quis dizer ao falar de “sociedade global sem classes” – uma nova ordem mundial onde só haveria senhores armados e servos. Nada de classe média, nada de sindicatos, nada de democracia, nenhuma igualdade e nenhuma justiça, só oligarcas armados, autorizados a fazer o que bem entendam, protegidos por leis que os beneficiam e acobertam.
Está bem claro no livro de Milton Friedman, de 1962, Capitalismo e liberdade. Lá se lê:
“... só uma crise – real ou pressuposta – produz mudança verdadeira. Quando ocorre uma crise, as ações a tomar dependem das ideias que haja à volta. Nossa função básica é desenvolver alternativas às políticas existentes (e nos preparar para suspendê-las) quando o impossível passar a ser politicamente inevitável.”
Para Friedman, as únicas funções do governo seriam “proteger nossa liberdade do assalto de inimigos externos e de outros cidadãos; preservar a lei e a ordem, para garantir que contratos privados sejam cumpridos; preservar a propriedade privada; e promover a competição nos mercados.”
Tudo em mãos públicas é socialismo, ideologia, para Friedman, blasfema. Dizia que os mercados funcionam melhor quando funcionam sem regras, regulações, impostos, barreiras protecionistas, “interesses entrincheirados”, interferência humana. De tal modo que o melhor governo seria, na prática, o nenhum governo.
Em outras palavras, o business faria melhor, tudo o que qualquer governo faça. Ideias sobre democracia, justiça social e sociedade cuidada ou protegida, dizia Friedman, seria tabu, porque interfeririam no capitalismo solto ladeira abaixo, na banguela.
Disse que a saúde pública deveria ser posta em mãos privadas, a acumulação de lucros, ilimitada, abolidos todos os impostos cobrados de todas as empresas, e os serviços sociais reduzidos, ou completamente abolidos. Acreditava que “a liberdade econômica é um fim em si mesma e meio indispensável para que se chegue a liberdade política”.
Em relação à Líbia, nem a liberdade econômica nem a liberdade política são sequer pensáveis, a menos que a resistência popular impeça que prossiga o saque e retome, dos saqueadores ocidentais e seus aliados, o que já saquearam e venham a saquear. Sem resistência, nada restará aos líbios além da servidão.
Essa dura realidade tem de ser mudada, é preciso resistir, não importa o que custe ou quanto tempo dure a resistência. Temos de esperar que os líbios estejam à altura do sacrifício e da luta que se exige deles. Que se alimentem da fúria contra a planejada ocupação pela OTAN e o saque em andamento. Desistir é via que não poderão sequer considerar.
A resistência bem pode ser o coringa contra o qual Washington espera não ser obrigado a disputar. Em outro artigo, escrevi “Líbia: Manter viva a chama da liberdade” [5]. Em outro, “Nada acaba antes de terminar”. [6]
Lembremos os versos de John Lennon, “Imagine nada por que matar ou morrer. Viver a vida em paz. Esperar que um dia o mundo viva como um só mundo”. [7] É preciso tentar.
É preciso tempo para alcançar coisas importantes. O impossível demora um pouco mais.
O primeiro passo é detonar a visão de Friedman do que seria o melhor dos mundos, a OTAN, Washington ocupada pelas grandes corporações.
Conseguindo isso, teremos dado um primeiro passo para ajudar a libertar os líbios e, talvez, mais gente, em outros pontos do mundo, lutando pelo mundo em que todos merecem viver. Não é difícil. Está aí fora, à espera de que nos decidamos a ir buscá-lo.
Notas dos tradutores
[6] “It Ain't Over Till It's Over”; é título de uma canção de Leni Kravitz (vídeo e letra). O artigo (24/8/2011) está em Libya War: It Ain’t Over Till It’s Over (em inglês).
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