domingo, 7 de agosto de 2011

Super 8 e Beirut Hotel

Publicado em 05/08/2011 por Rui Martins


A USINA DE SONHOS E OS EXTRATERRESTRES

Um filme Super-8 de adolescentes se transforma na trama do filme principal com os ingredientes típicos americanos – extraterrestres, complôs, efeitos especiais, um blockbuster inteligente, divertido, num clima de tensão controlada.

Logo no início do cinema, Hollywood era um exemplo da alienação cultural para os soviéticos, para os quais a Meca do cinema nascente era uma usina de sonhos. Longe estavam de imaginar na sua crítica ortodoxa e fundamentalista, que Hollywood se tornaria sinônimo de entretenimento mundial e que o cinema também poderia ser instrumento social.

Mas a usina de sonhos tinha seus problemas para os fabricantes de sonhos e fantasias, pois Charles Chaplin, ainda no cinema mudo preto e branco, começou a propor filmes de fundo social, tragicomédias com o pano de fundo da crise de 1929 e o próprio Carlitos era um símbolo. O desvio do entretenimento para a crítica social, comum na cinematografia européia, foi definitivamente interrompido durante o macarthismo e o cinema hollywoodiano assim como as séries de televisão, mesmo atuais, privilegiam só o psicológico em lugar do social.

Ou, a simples fantasia, que leva às personagens dotadas de poderes sobrenaturais, como Superhomem, ou aos excitantes filmes sobre os extraterrestres, que durante a guerra-fria poderiam estar vivendo entre nós e, talvez, seriam os soviéticos. Sem se esquecer serem os americanos entusiasmados e ingênuos aficionados das teorias de complôs.

Super-8, o filme de abertura do Festival Internacional de Cinema de Locarno tem fantasia, complô, extraterrestres num clima de filmes antigos de detetives estrelados por jovens desobedientes dentro dos limites e inteligentes.

Com essa receita, de um filme Super-8, rodado com poucos recursos para concorrer num festival regional de curtas-metragens, dentro de um filme de 35 mm ou digital, o diretor J.J.Abrams, ele próprio um superdotado roteirista, diretor e produtor do filme, garante o lazer, num domingo chuvoso, ou para começo de uma soirée num cinema de tela grande.

Um grupo de adolescentes, num lugarejo de Ohio, está rodando uma história de mortos-vivos, numa estação ferroviária, quando ocorre um acidente, provocado por um professor cientista, contra um trem transportando equipamentos secretos do exército, em luta contra um extraterrestre, cuja espaçonave caíra no nosso planeta.

Militares autoritários, como costumam ser, contra um cientista, evacuam a cidade sem contar a razão, prendem o prefeito local, mas são os adolescentes que permitem desvendar o complô. Exceto um deles que, nos momentos mais difíceis, nada viu por estar fumando maconha.    

Veja o vídeo com o trailer:


AMOR, PAIXÃO E ESPIONAGEM EM BEIRUTE

As cenas são de paixão tórrida e recente num hotel, mas as personagens não são tão simples para se construir uma história de amor – ela é libanesa, cantora de buate em fase de divórcio de um marido inconformado com a separação; ele é francês, advogado encarregado de acertar uns contratos com a Síria, mas suspeito de espião israelense.

No pano de fundo, a Beirute rica, onde as tensões políticas, atentados, ameaças e execuções subsistem mesmo depois de terminados os sequestros. Famílias potentes, grupos, serviços secretos, suspeitas, ameaças são cotidiano, no dizer da própria cineasta Danielle Arbid, já premiada em Locarno e vivendo na França.

Nesse clima de insegurança, de medo constante e de risco de morte inesperada, o desejo e a paixão carnal se acentuam e o orgasmo entre dois seres tão antagônicos provocam faíscas e aquecem como fios elétricos de polos diversos até explodirem como bomba.

"Faz vinte anos que vivo na França, mas quando vou a Beirute, não posso negar", conta Danielle Arbid, "vivo uma espécie de paranóia e tenho medo, com o qual muitos se acostumam ou aceitam de maneira fatalista, a ponto de trocar constantemente de hotel".

"Tenho medo",confessa ela, "da guerra entre nós libaneses e da guerra com os outros, como Israel, medo de tudo que nos leve aos caos e medo da violência, porque há muita violência num clima de falsa quietude. Um dia, durante as filmagens metade da cidade estava controlada, dadas as brigas entre xiitas e sunitas".

No filme, Danielle imprime essa sensação de paranóia, transportada para um casal em começo de história de amor, na qual um não conhece a outro, se indagam e se suspeitam.

"Na Europa", explica a diretora do filme, "sente-se menos esse clima, felizmente, depois de tantos anos sem guerras. A guerra é mais econômica, luta-se para se achar um emprego e assegurar o futuro. No Líbano não existe esse sentimento de segurança, porque talvez na próxima semana tudo mude, por isso vive-se o amor e o sexo com mais intensidade. Um caso de amor se transforma rapidamente numa paixão. Por isso, a personagem vive e se veste como alguém que deseja aproveitar ao máximo o momento presente, caso tudo isso acabe amanhã".

Para obter a autorização para filmar nas ruas de Beirute, foi preciso, conta Danielle Arbid, enviar o cenário 15 vezes para as autoridades responsáveis pela censura, queriam que não se falasse em Israel, no atentado a Hariri negavam haver espiões no Líbano. Exigiram também que a embaixada da França concordasse com as referências feitas a ela no filme, num documento assinado. E houve ameaças veladas, do tipo - "no seu lugar eu não faria esse filme".

"É uma sociedade esquizofrênica, onde nestes últimos dias os que manifestaram contra o governo sírio foram atacados na rua e apunhalados. Existem sempre os prós e os contras, isso faz o charme do Líbano, porém ao mesmo tempo se torna cansativo".


O IMAGINÁRIO IGNORA AS CRISES

O português Paulo Branco (foto), que emigrou para a Inglaterra em 1971 e depois para a França em 1973, de onde chegou a ser expulsou por ser clandestino, é hoje um dos maiores produtores do mundo do cinema independente e de arte.

Em Locarno, ele preside este ano o júri da competição internacional, da qual não participam nem filmes portugueses e nem brasileiros. Numa entrevista exclusiva, Paulo Branco fala de cinema, avalia a crise na produção dos filmes e fala da crise econômica em Portugal.

Como o cinema se sai das crises que estamos vivendo?
O cinema faz parte do imaginário de todos e, portanto atravessa os períodos de crises sem crise. Quando houve a crise de 1929, havia um grande público para o cinema tanto nos EUA como no mundo, portanto a crise não afeta. Ao contrário parece que as pessoas, em épocas de crise, precisam ver mais fições para se esquecer da realidade.

Houve pedidos de produção de filmes na África lusófona, há algum em produção?
Não, como sabe no cinema feito na África só uns poucos têm acesso para filmar as múltiplas ficções. A África em si é um tema, com um fantástico imaginário para ser aproveitado pelo cinema, mas infelizmente isso não acontece por razões diversas, mas próprias das dificuldades existentes na África. Eu acompanhei de perto a produção de um grande artista da língua portuguesa, o falecido Rui Duarte Carvalho, e a única ficção que fez foi filmada em Cabo Verde, além de documentos sobre angolanos, documentários únicos. Portanto, minha ligação com a África tem sido muito desenvolvida mesmo porque meu eixo de trabalho está em Portugal e na França. E tem existir uma impossibilidade de eu produzir além dos que faço no momento.

Além de Manoel Oliveira, Raul Ruiz, que produção gostaria de destacar ou que está fazendo agora...
Acabei de produzir dois filmes rodados em Portugal, um sobre o assassinato de Humberto Delgado, chamado Operação Outono, obra de um jovem cineasta, Bruno de Almeida, e o último filme do Fernando Lopes, que é um grande cineasta português. Tenho outros projetos, mas não gosto de falar deles antes de serem realizados. A minha relação com o cinema brasileiro estava ligada à minha amizade, na época, com Glauber Rocha e com Nelson Pereira dos Santos, produzi um filme da Suzana de Moraes e pouco fiz nesse setor pelos mesmos motivos já explicados. O meu esforço maior foi quando não havia produção contínua em Portugal, fazendo redescobrir os cineastas portugueses e mesmo reinventá-los. E também descobrir cineastas na França, onde vivo, e a partir daí passei a trabalhar com outros cineastas, como lituanos, suíços e agora canadenses, mas isso são acasos de encontros. Na América Latina, trabalhei muito com o Ruiz, com o Hugo Santiago, Eduardo Gregório, portanto. Tenho a abertura para os continentes desde que surjam cineastas com projetos que me seduzam.

Falou em cineasta suíço me lembrei do Alan Tanner, um dos maiores da Suíça, e do alemão Wim Wenders...
Com ambos tive uma relação contínua com muitos filmes. Um filme de Tanner que marcou foi A Cidade Branca. Tenho abertura e curiosidade para descobrir novas cinematografias, novos diretores, colaborar com cineastas com carreira, mas pelos quais tenho admiração. Isso é o que se traduziu em tudo quanto fiz até agora.

Você saiu de Portugal em 1971 e como se transformou no grande produtores conhecido de todos nós?
São as transformações habituais dos jovens, sobretudo quando vivia, no fim dos anos 60 e começos de 70 de um clima no qual estávamos cortados completamente da Europa pelo regime político no qual vivíamos, mais a nossa curiosidade e necessidade que temos de conhecermos outros universos que escapassem do regime que obstavam quaisquer tipos de outras possibilidades. E foi assim que em 1971, no último ano da universidade, decidi não acabar o curso, mas ir para Londres e a partir daí houve uma sucessão de acontecimentos que me levaram para a produção, quando nunca na minha vida pensei em ser produtor de cinema. Mas a profissão de cinema não se aprende, mas é um misto de risco e do prazer do desconhecido e ao mesmo tempo de partilhar o imaginário dos outros e foi aí que encontrei o meu caminho.

Como é que você vê essa crise em Portugal que é uma crise não só européia como do capitalismo?
Vivemos uma situação única e nos defrontamos com problemas que nunca pensamos que iríamos ter ou que sempre escondemos a existência. Como cidadão sinto a gravidade da situação e sem poder agir e ser obrigado a aceitar soluções que talvez não sejam as melhores. Soluções neoliberais que, no fundo, penso, irão aumentar ainda mais o fosso entre os que têm e não têm posses. E esse mito de que só com soluções neoliberais se poderá ultrapassá-la. Mas pode ser gravíssima não só para Portugal, mas todo continente europeu e só espero que haja um mínimo de bom senso, que, no momento, não acho estar havendo. Com relação ao cinema e à cultura, sempre sobrevivemos, nunca tivemos a atenção necessária, sobretudo em países pequenos como Portugal, em situações difíceis e é o que vai acontecer, mas esse é o mal menor em relação a tudo que vejo na sociedade e às dificuldades que a maior parte dos cidadãos está a sofrer.

Enviado por Direto da Redação


Festival de cinema de Locarno - Rui Martins
A partir de hoje, o DR vai postar neste espaço o material jornalistico enviado por Rui Martins, que está na Suiça acompanhando o Festival de Locarno, de número 64.

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