quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Patrick Cockburn: Aliados duvidosos: os “rebeldes” na Líbia

Patrick Cockburn

11/8/2011, Patrick Cockburn, Counterpunch 
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
  
Rebeldes, desde a Guerra das Rosas até hoje, sempre fizeram o que puderam para não se dividir em facções nem pôr-se a matarem-se uns os outros até, no mínimo, terem chegado ao poder e estar no controle. Por mais profundas que sejam as divisões, sempre fizeram o possível para mantê-las ocultas, longe da vista do resto do mundo.

Os “rebeldes” líbios são diferentes. Membros do Conselho Nacional de Transição [ing. Transitional National Council (TNC)] dos “rebeldes” em Benghazi, mês passado, prenderam o seu próprio comandante militar, o general Abdel Fatah Younes, por suspeita de traição; atraíram-no para longe dos guarda-costas e o assassinaram. Essa semana, o líder do Conselho Nacional de Transição, Mustafa Abdel Jalil, desconstituiu o próprio governo (demitiu), sob o argumento de que vários governantes seriam cúmplices do assassinato. Parece ter sido obrigado a isso, tentando conter a ira da poderosa tribo Obeidi, à qual pertencia, por etnia, o general assassinado.

Aspecto, de fato, cômico de todo o caso é que, no momento em que os líderes  “rebeldes” dedicavam-se a matar uns os outros... eles estavam sendo oficialmente reconhecidos, país após país, como legítimo governo da Líbia. Essa semana, diplomatas do Conselho Nacional de Transição ocuparam as embaixadas líbias em Londres e Washington e já há aspirantes à ocupação também da embaixada líbia em Ottawa. No que parece ser a decisão mais perfeitamente fora de hora, obra-prima em matéria de escolher o pior momento, a Grã-Bretanha reconheceu o governo dos “rebeldes” no mesmo dia em que membros do governo “reconhecido” metralhavam o próprio comandante-em-chefe e queimavam o cadáver.

Se os “rebeldes” fazem o que fazem hoje, quando seu máximo interesse é manter uma fachada de unidade, o que mais farão quando estiverem instalados no poder em Trípoli? Mas essa é a única política da OTAN e não há outra. Uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, que visava a impedir, por razões humanitárias, que tanques de Gaddafi tomassem Benghazi em março, foi rapidamente ‘convertida’ em autorização para derrubar o governo líbio. Grã-Bretanha e França, com o apoio essencial de EUA, ainda repetem que, para o bem do povo líbio, seria indispensável substituir Gaddafi por aqueles sanguinários “democratas” de Benghazi e do leste da Líbia reunidos no Conselho Nacional de Transição.

Essa estratégia de força bruta conseguirá ter sucesso, em estrito sentido bélico? As colunas de caminhões “rebeldes” com metralhadoras montadas na caçamba conseguirão avançar e tomar Trípoli, protegidas por barreira de bombas despejadas sobre a cidade pela OTAN? Já faltam combustível, artigos de primeira necessidade e eletricidade na capital líbia.

Os “rebeldes” parecem avançar pelo leste e sudoeste da capital. Mas, mesmo com o impressionante apoio das bombas da OTAN, o avanço é muito lento. Se os “rebeldes” padecem tanto para tomar uma vila como Brega, com população de 4.000 pessoas, ou o Golfo de Sirte... o que garante que conseguirão tomar Trípoli, com população de 1,7 milhão de habitantes?

É possível que Gaddafi caia, mas o que se vê, cada dia mais claramente, é que, se cair, terá sido derrubado por um bando desorganizado e confuso de milícias que, ganhem o que ganhem, e se ganharem, só terão ganho graças ao apoio da artilharia aérea da OTAN. Dado que os “rebeldes” não têm liderança nem comando coerentes nem são força militar homogênea, o final da disputa será vitória, no mínimo, também dividida, sem qualquer coerência ou homogeneidade. Tudo estará na dependência de apoio estrangeiro, em todos os níveis de autoridade e governo na Líbia, que é um vasto país.

Como no Afeganistão em 2001 e no Iraque em 2003, EUA e Grã-Bretanha aprenderam que uma coisa foi derrubar os Talibã ou Saddam Hussein; e outra coisa, muito diferente, encontrar substitutos para eles. Tratar aliados locais duvidosos como governo legítimo talvez tenha valor de propaganda, mas é tolice pretender, contra todas as evidências, que o parceiro local tenha poder ou autoridade legítimos. Tendo já passado por essa experiência, é temeridade – ou é atitude política pouco inteligente – os britânicos meterem-se em outra guerra, sob a crença de que, ‘agora-sim’, apostaram no cavalo certo. É possível que Gaddafi seja derrubado do governo da Líbia; mas é altamente provável que a luta interna, entre facções do poder, continue.

Colorida e high-tech, mas terrivelmente enganadora...

A imprensa mundial teve fracassos no Iraque, piorou muito no Afeganistão, mas chegou ao fundo do poço, à treva, na cobertura da guerra na Líbia. “Reportagem” passou a significar repetir releases do exército, linguagem militarizada, critérios militarizados. Do front só chegam “notícias” e imagens coloridas e high-tech sobre avanços (muitos) e recuos (praticamente nenhum) dos milicianos “rebeldes”. É preciso coragem para o jornalismo de guerra e os jornalistas tendem a solidarizar-se com o lado dos jovens (soldados em guerra sempre são jovens) com os quais partilham trincheiras e barracas. Mas, ainda assim, a cobertura jornalística foi escandalosamente favorável aos “rebeldes” e hostil a Gaddafi.

Quando o general Abdel Fatah Younes foi assassinado nenhum jornal ou jornalista ocidental sabia dizer o que ou como acontecera o crime. A liderança dos “rebeldes” sempre mostrada como “heróico grupo de irmãos” foi, afinal, exposta aos olhos do mundo como de fato é: dividida por rivalidades e vendettas mortais.  

Muitos jornalistas nada fizeram além de simplesmente regurgitar versões inverossímeis, que alguns líderes “rebeldes” ainda tentavam implantar na opinião pública, segundo as quais o general teria sido assassinado por combatentes pró-Gaddafi acampados em Benghazi. Outros jornalistas “informavam” que haveria 30 diferentes milícias islâmicas na cidade.

Até hoje, os políticos insistem em justificam a intervenção da OTAN na Líbia citando atrocidades que teriam sido cometidas por forças pro-Gaddafi, como estupros em massa, e pelo uso extensivo de mercenários. Organizações de direitos humanos, como Anistia Internacional e Human Rights Watch já declararam que não há qualquer prova de que essas atrocidades tenham acontecido; o mesmo já disse, até, uma comissão da ONU, chefiada por Cherif Bassiouni, professor de Direito. Esses relatórios, construídos por métodos confiáveis, continuam até hoje absolutamente ausentes dos veículos da imprensa ocidental, inclusive dos que divulgaram as histórias de atrocidades que teriam sido cometidos por Gaddafi.

A militarização da reportagem no Iraque e no Afeganistão provocou um boom do sistema de “incorporar” jornalistas nas unidades militares. Foi quase inevitável, dado o perigo a que se expunham os jornalistas, frente à guerrilha iraquiana ou os Talibã. Mas o efeito disso, como se pode ver hoje, foi atrasar a reportagem e o jornalismo de guerra, até devolvê-los aos vícios e distorções do noticiário no século 19, nas guerras imperiais. 

A imprensa mais moderna e mais high tech da história do mundo, nada conseguiu além de divulgar e impor à opinião pública em geral uma versão parcial e enganadora, falsa, do que aconteceu e está acontecendo na Líbia.

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