domingo, 21 de agosto de 2011

Delegação brasileira barrada na Líbia pela OTAN



Publicado em 21/08/2011 por Mário Augusto Jakobskind

Tunis (Tunisia) - Estas linhas estão sendo elaboradas em Túnis, capital da Tunísia, onde uma delegação brasileira ficou retida por não poder ingressar na Líbia em função dos intensos bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Em Trípoli não dá para chegar de avião, somente por terra e numa estrada a partir da fronteira com a Tunísia. Próximo daquela área houve durante quatro dias na semana que passou (e continuaram) combates entre os chamados rebeldes e as forças leais a Muammmar Kadafi.

Civis foram atingidos e ninguém pôde atravessar a fronteira para ir ao território líbio. Os que tentaram, como o médico líbio Heghan Abudeihna, que chegava do exterior via Tunísia foram atingidos. Integrantes da família do médico foram vitimados, segundo informações procedentes de Trípoli.

A OTAN não quer nem saber se seus ataques atingem ou não populações civis, o que o governo líbio garante acontecer e até chamou delegações de várias partes do mundo, não só a brasileira, como dos Estados Unidos, Itália e muitos outros países, para verificar de perto os acontecimentos, como os efeitos dos bombardeios da OTAN sobre a população civil.

Lamentavelmente, quando chegava a vez dos brasileiros, a última delegação que faria um relatório a ser apresentado à Organização das Nações Unidas, a ação militar da OTAN impediu a entrada, que se fosse acontecer colocaria em risco os nove integrantes, inclusive este jornalista, dois parlamentares, Protógenes Queiroz e Brizola Neto, entre outros. O próprio governo líbio recomendou a não ida, para evitar algum incidente de consequências fatais.

Na verdade, os insurgentes contra Kadafi só conseguem avançar, e mesmo assim por um tempo curto, com a ajuda da OTAN. Sem isso, provavelmente a crise já teria terminado com algum tipo de acordo político. Um dos objetivos da presença da delegação brasileira na Líbia era o de também colaborar no sentido de a paz retornar ao país norte africano.

Depois de seis meses de combates e menos um pouco de bombardeios das forças estrangeiras, uma coisa está clara: a crise não se resolverá militarmente, apesar das seguidas declarações de Madame Hillary Clinton falando hipocritamente em democracia.

Uma das propostas que voltou a ser sugerida, inclusive apoiada em nota da delegação brasileira, é a da realização de um plebiscito, sob a supervisão da ONU, para que o povo decida o regime a ser seguido no país. A OTAN, entretanto, ainda acredita que ao sufocar a capital líbia com bombardeios diários para dificultar a entrada de víveres e mesmo ajuda humanitária que chega à Líbia atravessando a estrada Djerba (na Tunísia) até Trípoli, conseguirá o objetivo de acabar com o regime atual na Líbia. Ou seja, a estratégia atual é de sufocar Trípoli impedindo a entrada de alimentos e combustíveis. E na guerra da informação, os rebeldes ganham força, o que é negado pelo governo líbio.

Se as forças anti-Kadafi tivessem povo mesmo como apregoam teriam realizado manifestações populares massivas, o que nunca aconteceu até agora. Os constantes ataques aéreos e o cerco atual a Trípoli é mais uma tentativa do Ocidente de acabar com o regime capitaneado por Kadafi. Por estas e muitas outras, países com reservas de petróleo, inclusive o Brasil, que se cuidem, porque a cobiça é cada vez mais intensa. No caso líbio ainda se soma o fator geopolítico do controle da região,

Então, a crise deverá continuar por mais tempo, apesar da mídia de mercado dizer o contrário ao apregoar que os dias do dirigente Kadafi estão contados. Se a estratégia dos bombardeios continuar não dando certo, já não se exclui a possibilidade de uma invasão da OTAN ao estilo Iraque.

Mas para tomar essa decisão, os integrantes da OTAN terão que pensar duas ou mais vezes, simplesmente pelo fato de o povo em Trípoli estar armado e preparado para responder a uma agressão estrangeira. Hillary Clinton, Obama, Sarkozy, Angela Merkel e mesmo Berlusconi sabem disso e terão de continuar ameaçando e agindo sem produzir resultados, a não ser prejudicando a vida do povo líbio, que quer viver em paz e sem intromissão estrangeira.

Em relação à Tunísia, os eleitores preparam-se para eleger a 23 de outubro próximo uma Assembleia Constituinte. Estão registrados 100 (cem mesmo) partidos. Alguns partidos islâmicos querem que a Tunísia volte ao tempo da sharia, a lei islâmica, que prevê, entre outras coisas, decapitações de mãos para determinados crimes, inclusive o roubo e assim sucessivamente.

O problema é complexo. Ditadores sanguinários e corruptos como Ben Ali, da Tunísia e Hosny Mubarak, do Egito, sempre usaram a força bruta para massacrar o povo com o pretexto de combate às Irmandades Muçulmanas. Os dois mencionados, que foram apeados do poder pelo povo, adotaram políticas econômicas neoliberais para empobrecer parcelas significativas do povo e ainda encher os seus bolsos e de seus familiares.

Em termos turísticos, a Tunísia atrai muitos europeus. É um país privilegiado em termos de belezas naturais e de história. Há quem diga até que a Tunísia é uma espécie de Turquia, mas sem marketing. Ou seja, um país privilegiado pela natureza e bastante badalado em vários quadrantes, inclusive pela classe média brasileira com recursos para viajar. Comparem quando alguém diz que “estou indo para a Turquia” com outro que anuncia a ida para a Tunísia.

É isso aí, poucos sabem que a Tunísia na década de 50, logo após a independência em 1956, o carismático líder Habib Bourguiba instituiu uma espécie de Bolsa Família oferecendo subsídios do Estado para famílias de baixa renda. E quem recebia eram as mulheres, por serem consideradas em melhores condições do que os homens para gerir o subsídio.

Bourguiba, um socialista e herói, que mais tarde fez concessões ao esquema do deus mercado, acabou deposto e então Ben Ali ocupou o comando instituindo uma ditadura policial das mais violentas da região. Bourgiba aboliu o uso do véu pelas mulheres, o que se manteve posteriormente. 

Agora, a 23 de outubro, os eleitores terão de escolher entre os 100 (cem mesmo) partidos para constituir uma Assembleia Constituinte, que terá a incumbência de tornar a Tunísia um país com leis na área social, entre outras coisas. Ou seja, depois da revolução que resultou no fim de uma das ditaduras mais cruéis dos últimos tempos no mundo, a Tunísia abre caminho para novos tempos. Se por algum motivo o processo nesse sentido for interrompido, provavelmente o povo voltará a se manifestar nas ruas exigindo reformas verdadeiras.

Mário Augusto Jakobskind é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE


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