5/4/2012, Discurso da Place du Capitole,
Toulouse
[1]
Vídeo 28’22,
Discurso
transcrito e traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
[Apresentadora]
Nosso encontro hoje em Toulouse é multilocal. A Place du Capitole está lotada,
completamente lotada. A Place Wilson, com dois telões, está lotada. As ruas
adjacentes estão lotadas. Essa noite, somos 70 mil pessoas, para acolher
Jean-Luc Mélenchon, candidato da Frente de Esquerda, à presidência da
França.
[Mélenchon.]
Boa noite, saúdo vocês, todos e todas que vieram, acorrendo ao apelo que
lançamos. Saludo también a vosotros de España que han venido. Con respecto
también a la gloriosa bandera de la Republica! [em espanhol]. Aí está, a força que
se reúne, que se estende, que se afirma. E convoco-os a fazê-la crescer ainda
mais, até o encontro na noite das eleições, fim da primeira etapa de nossa
insurreição cidadã.
Peço-lhes
que continuem a construir adiante, essa grande força, coerente politicamente,
educada, disciplinada pelo livre consentimento, de adesão a um programa, não a
uma pessoa. Porque é o que propomos ao país. Para superar o desafio que teremos
de superar contra todos que se reunirão contra o movimento que o povo francês
empreenderá, será preciso que cada um, cada uma, saiba o seu lugar, o seu posto
de combate, o trabalho que lhe caberá fazer, para levar pela mão, pelo espírito,
pelo coração, o vizinho, a vizinha, todos percorrendo o caminho necessário para
fazer o que tem de ser feito.
Meus amigos, estamos no mês
Germinal [2]. Os botões já se abrem e já há
promessas de frutos. Assim também a nossa palavra, saindo já do inverno gelado
da política, volta voando, para dar a cada um, a cada uma, novas razões para
viver e ter esperanças. Essa palavra é “partilha”. Partilha, partilha.
Partilhar. Partilha da riqueza, do planejamento ecológico, cidadania,
fraternidade, amor, interesse pelo que tombou, para que se levante, pelo que
nada tem, que seja ajudado.
Essa
palavra, partilha, é como a chave que abre as cadeias nas quais está presa a
própria razão de viver. Ela não se confunde com as abjetas contabilidades a que
somos obrigados todos os dias, para decidir se nos alimentamos, ou se moramos,
ou se pagamos a conta de energia elétrica.
Aqui
está, Sr. Sarkozy, nossa resposta. O senhor disse que não compartilha nenhum dos
meus entusiasmos ou engajamentos. É verdade. Não somos do mesmo clã. Não somos a
mesma França.
O
senhor diz, falando afinal a um Mélenchon que faz cada dia mais pressão, que
bastam dois dias, para pôr por terra cinco anos de esforços. Não são cinco anos
de esforços. São cinco anos de fracassos, cinco anos de recuo. Cinco anos de
grosseria, de vulgaridade. De rebaixamento da pátria. Ao senhor que, todos os
dias, vem pedir-nos contas, e que novamente nos pede agora, calculando “por
alto” o que “custaria” nosso programa, que quer dar a cada um os meios para
viver a vida com dignidade e tranquilidade.
Agora,
sou eu que lhe pede contas: qual é o custo da infelicidade que se dissemina, e o
custo da ignorância que o senhor disseminou a mancheias, cortando empregos de
professores? Qual é o custo da saúde perdida, quando os pobres não encontram
meios para se tratar? Qual é o custo 564 pessoas que todos os anos morrem no
trabalho? Qual o custo dos 43 mil mutilados para sempre no trabalho? Qual o
custo da a primeira infância esquecida? O maior tempo de trabalho, antes da
aposentadoria? A prisão de menores. Peço-lhe contas, eu, por essa sociedade
absurda. Peço-lhe contas, por ter feito com que a expectativa de vida já
diminua, nos países desenvolvidos, depois de anos de aumento
constante.
Peço-lhe
contas, eu, por ter posto em risco o primeiro direito, que a gloriosa revolução
de 1789 consagrou, acima de todos os outros direitos: o direito à existência.
Ah, não! Viver não é passar a vida sobrevivendo.
Não
se pode viver feliz num oceano de infelicidade. Não se pode viver feliz, se há
um milhão de pobres, um milhão sem moradia digna, na 5ª potência do mundo. Não
se pode viver com medo do amanhã, como é o caso de dez milhões de trabalhadores
precários.
Aí
está, e confesso: nosso programa não é realista, mesmo, para os seus padrões
contábeis, Sr. Sarkozy! Mas é realista, para os nossos padrões. E nosso padrão
chama-se O Direito de Viver!
Vejam
aí, todos os que nos perguntam, o que é esse fenômeno que enche essa praça e
outras praças e as ruas em torno: essa é a nossa revolução cidadã, que começou.
[Resistência! Resistência!]
Convocamos,
nós, essa mobilização, aqui, como na Bastilha, e como faremos também em
Marselha, em alguns dias. É uma mesma marcha. E vemos aqui, lá, que vocês
respondem ao nosso apelo. Sabemos que vocês responderão, porque já terão passado
por esse ‘ensaio geral’, aqui. E amanhã, se eu for eleito, e outra vez os
convocar, vocês responderão. Mas, seja quem for o eleito, nada e ninguém, nunca
mais, conseguirá meter outra vez no velho leito, o rio que já
transbordou.
Convocamos
esse 2º Rassemblement para refundar nossa República. Vocês sabem, numa
nação política como a nossa – que não se define por uma cor de pele, nem uma
religião, sequer por uma única língua – a República é o fundamento da nação, não
o contrário. Refundar a República é refundar o próprio povo, repô-lo, lá, como
fundamento. É refundar a pátria comum, hoje desfigurada pela desigualdade e os
saqueios de todos os tipos.
Queremos
que se convoque uma Assembleia Constituinte, cujo primeiro papel será definir a
regra de vida comum.
Já
não se pode aceitar que, para enfrentar o desafio gigantesco da catástrofe
capitalista que devasta o mundo inteiro e a catástrofe produtivista que ameaça o
.... humano. E os poderosos, incapazes de pensar em outro mundo e em outra
organização, abandonam os movimentos a eles mesmos e não reconhecem outra lei
que não seja a do interesse deles.
Não
se pode mais aceitar que a hierarquia das normas, no nosso país ou na Europa,
seja dominada pela liberdade de empreender, a concorrência sem regras e a
competição de um contra todos.
Exigimos
que, na base da hierarquia das leis de nossa sociedade sejam postas a
solidariedade e a cooperação.
Não
podemos mais aceitar que a liberdade de empreender e o direito de propriedade
sejam tornados equivalentes a direitos fundamentais, e que tudo seja subordinado
àquela liberdade.
Acreditamos,
ao contrário, que é hora de estabelecer a cidadania em tudo, não só na cidade,
mas também nas empresas. E, portanto, é hora de reconhecer como direito
constitucional o direito de preempção, que garantirá que os
trabalhadores, desde que o desejem, possam constituir cooperativas operárias e
tornem-se proprietários dos meios de produção.
Queremos
que o interesse geral seja mais forte que os interesses particulares e que,
desde que a situação o imponha –, porque um interesse fundamental econômico da
nação seja afirmado e verificado numa ou outra circunstância –, haja para o
governo, quer dizer, para a nação ela própria, um direito de requisição,
que impeça que escândalo como o..... nunca mais seja possível, em nosso
país.
E
que se estabeleça um direito de veto dos assalariados, nas questões
relativas ao futuro estratégico de sua empresa empregadora e ao impacto
ambiental do que a empresa produza.
Aqui,
retomamos o fio que o grande Jaurès teceu para nós, nessa região. A democracia
política, nos ensinou ele, expressa-se numa ideia central, ou melhor, numa ideia
única: a soberania política do povo.
“Soberania
do povo” significa: só obedecer à lei para a qual nós mesmos, cada um,
pessoalmente, tenhamos contribuído, pelo nosso voto. Só temos de obedecer a lei,
porque ela reconhece e assegura a norma comum, porque ela foi decidida por nós,
todos juntos. Eis o que significa “soberania do povo”. Portanto, “soberania
popular” é outro nome da liberdade. Vocês não são livres, quando não são
soberanos, porque são obrigados a obedecer a leis que lhes são impingidas,
porque são decisões decididas longe de vocês e sem vocês.
Relembro aqui o caso de um crime
[3] cometido pelo presidente da
República [Chirac], que, depois de o povo ter votado “Não” à Constituição [da
Europa] em 2005 [4], por 55% dos votos, o presidente
mesmo assim negociou outra proposta de tratado de aprovação da Constituição
Europeia, em tudo idêntica à primeira, que fez aprovar no Congresso de
Versailles [vaias, vaias], com a cumplicidade dos que se abstiveram ou votaram a
favor, no referendum.
Peço-lhes
contas, eu, e pergunto: onde está nossa liberdade?
E
ainda mais: qual é o sentido dessa próxima eleição, se vocês escondem dos
franceses que, se votarem num dos partidos do Tratado de Lisboa, que se preparem
para aprovar o próximo tratado Merkel-Sarkozy, seja votando a favor, seja
abstendo-se, como já fizeram, pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade?
Onde
está nossa liberdade, qual o sentido dessa eleição, se nos anunciam que, seja
qual for o resultado, aconteça o que acontecer, em todos os casos, seremos
obrigados por acordos internacionais a submeter o orçamento da França à
aprovação prévia da Comissão Europeia? Se teremos de submeter todos os nossos
empréstimos àquela aprovação prévia?
Por
isso digo que, se não há mais liberdade, se não há mais soberania do povo, a
insurreição cidadã é dever sagrado da República.
Onde
está nossa liberdade, nossa soberania, ante a catilinária, sempre a mesma, mas
sem que eles jamais digam, em nenhuma assembleia, em nenhum comício, que, votem
como votarem, façam o que façam, todos eles preparam, com seus votos cúmplices,
uns com os outros, o que eles mesmos chamam de Grande Mercado Transatlântico
2015, porque o candidato deles, seja qual for, nos unirá para sempre, sem
barreiras alfandegárias, sem barreiras jurídicas, aos EUA?
Onde
está nossa liberdade, se, dessa vez, elejamos quem for, dos candidatos deles,
teremos de admitir que continue o que não queremos que continue – mas nem temos
como dizer que não queremos – que continue a privatização dos serviços públicos?
Que não queremos que continue a demissão de trabalhadores pobres de outros
países europeus, que eles põem a trabalhar aqui a preço vil, desgraça à qual se
soma também a deslocalização interna.
Onde
está nossa liberdade? Está na urna eleitoral, que, dando o poder à Frente de
Esquerda, abolirá todas essas medidas, porque a França não mais as
subscreverá.
Onde
está nossa liberdade, quando nossa soberania confiscada por nossa implicação num
comando militar integrado no interior da OTAN, nos amarra a todas as expedições
militares dos EUA que detonam um choque de civilização, que não desejamos?
Por
isso, trate-se do Tratado Europeu, ou dessa participação da França que os
franceses não desejam, na OTAN, declaramos aqui que esses dois “engajamentos”
serão submetidos a referendum popular.
Que
os franceses se manifestem: a França deve deixar o Comando Integrado e a própria
Aliança Atlântica.
A
França, como é de sua tradição e de sua história, deve propor ao mundo uma outra
aliança, altermundista, independente dos EUA.
A
França deve engajar-se na renovação de organizações internacionais que sejam
legítimas aos nossos olhos, não essas que resultam dos G-8, G-20 e de todas
essas sinecuras onde os poderosos ordenam ao resto do mundo o que devem sofrer e
padecer. Mas, ao contrário, os organismos da ONU renovados pela ação da própria
França.
Uma
França que não mais praticará essa defesa, de geometria variável, dos direitos
do homem, utilizada para ingerências mais que duvidosas.
Uma
França que afinal defenderá em todos os cenários e frente a todos, sem jamais
ter de baixar os olhos, as causas que nos animam e que fizeram com que nossas
revoluções nunca fossem revoluções só para os franceses, mas para a humanidade
universal e defenderam os direitos universais do mundo.
Falo
aqui, notadamente, da defesa, aqui e na esfera internacional, para que seja
reconhecido, na França e em todo o mundo, o direito universal ao aborto, base do
direito humano essencial de dispor de si mesmo, para metade da humanidade.
Falo
aqui de lutar contra a pena de morte, não só na China, mas também nos EUA.
Lutar
ante o mundo inteiro, dizendo, eis aqui os franceses, e propomos o que já propôs
o presidente Evo Morales, presidente de esquerda, da Bolívia. A França propõe,
como o presidente Morales já propôs, que se crie um Tribunal Internacional que
julgue e puna os crimes ecológicos cometidos contra a humanidade.
Não,
senhor presidente Sarkozy, diferente do que o senhor declarou ao chegar ao
poder, o primeiro perigo não é a confrontação entre o ocidente e o Islã. O
primeiro perigo é que a França está convertida em rota de socorro do carro
imperial, que é a principal causa de perturbação no mundo.
A
França da 6ª República que queremos construir não é uma nação ocidental. Não é,
nem pelo seu povo mestiço, nem pelo fato de que a França existe em todos os
oceanos do mundo, vive e brilha perto dos cinco continentes: Nova Caledônia,
Réunion, Polinésia, Maiote, Caraíbas, a Guiana Francesa, que é a mais longa
fronteira francesa, 800km de fronteiras com o Brasil.
Não,
a França não é nação ocidental. A França é nação universalista. Somos e queremos
ser, porque a história nos legou o primeiro modelo de nação universalista. E
vamos em busca de viver à altura desses princípios.
Vocês
são convocados para essa grande missão, não para esse miserável blá-blá-blá dos
politiqueiros da UNP. Mais uma vez, teremos de ser esse estandarte ardente do
qual brilhará outra vez a chama das revoluções, que por contágio, se torna causa
comum de todos os povos da Europa.
Já
abrimos a brecha. Doravante, não precisamos de conselhos ou autorização de
ninguém, porque somos uma força adulta, consciente, disciplinada, educada,
politizada.
Abriremos
a brecha pela qual passarão nossos irmãos e irmãs da Grécia, para por fim à
abjeta ditadura das finanças que saqueou seu país.
Abriremos
a brecha pela qual, em outubro próximo, passará também o povo alemão.
Abriremos
a brecha no muro da resignação que, por toda a parte pegou o povo pela garganta.
E eles nos dizem que somos a ruína! Quando eles organizaram a ruína e hoje,
aplicam sua política podre, por toda a parte.
Estamos no mês Germinal. Logo
virão os frutos, França, bela e rebelde, chegam o tempo das cerejas [5] e os dias felizes. Viva a França!
Viva a República! Viva a República Social!
[1]
Este Discurso de Mélenchon , em francês,
pode ser assistido a seguir:
[2]
Germinal
é um mês do calendário republicano introduzido durante a Revolução Francesa,
primeiro mês da primavera e, por metáfora, do renascimento do mundo. Dá título
também a um romance de Émile Zola sobre a revolta operária (Germinal
[1885], SP: Companhia das Letras, 2000, 1ª edição, trad. Silvana
Salerno).
[3]
Orig. forfaiture. Antes do Novo
Código Penal francês, qualquer crime cometido por funcionário público, no
exercício de suas funções. O novo Código Penal suprimiu esse tipo de crime
específico de funcionário, agente público ou pessoa investida em missão de
serviço público, e a ação correspondente passou a constituir circunstância
agravante.
[4]
Em
29/5/2005, no governo de Jacques Chirac, os
franceses votaram em referendum, se a França aceitaria a proposta
apresentada no Parlamento Europeu, de Constituição da União Europeia. A
pergunta proposta no referendum foi: “Você aprova o projeto de lei que autoriza
a ratificação do tratado que estabelecerá uma Constituição para a Europa?”. 55%
dos votantes franceses rejeitaram a ratificação daquela proposta de Constituição
Europeia, o que fez da França o primeiro país a rejeitar a proposta, e pôs a
França como alvo das pressões de outros países interessados em rápida aprovação. O
Partido Socialista dividiu-se naquele referendum:
François Hollande liderou a “facção” favorável ao “sim” e Laurent Fabius (de uma
tendência de direita, dentro do PSF), a “facção” favorável ao “não”,
minoritária. Ante o “não” do referendum, Chirac apareceu com uma “outra
versão” para a mesma Constituição Europeia, em tudo semelhante à primeira, cuja
aprovação negociou com deputados e senadores. Esse “segunda versão” foi aprovada
por deputados e senadores franceses, com os socialistas votando com Chirac.
Mélenchon, em 2005, ainda estava no Partido Socialista, do qual se separou em
2008, para criar a Front Gauche.
[5]
Le
Temps dês cerises é canção de 1866, versos de Jean-Baptiste Clément,
música composta por Antoine Renard em 1868. Pode ser ouvida, cantada por Yves
Montand, a seguir:
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