17/4/2012,
Philippe
Marlière, Counterpunch
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Philippe
Marlière
é professor de Política Francesa e Europeia no University College,
em Londres
(UK ).
Recebe e-mails em: p.marliere@ucl.ac.uk
Soberbamente
ignorado pela mídia-empresa enquanto foi possível ignorá-lo, Jean-Luc Mélenchon
é o principal acontecimento da campanha eleitoral na França. De fato, no esforço
para dar conta do crescimento dramático de Mélenchon nas pesquisas de intenção
de voto – que já chega agora aos 17% – os jornalistas mal conseguem disfarçar o
desprezo que lhes inspira o candidato da Frente de
Esquerda.
Levantamento dos principais
artigos publicados na mídia-empresa britânica oferece caso interessante de
preconceito político, além de notável incapacidade para observar e avaliar o
mundo à volta. Mélenchon é descrito como “zagueirão anglo-saxão com voz
irritante” (The Independent), “populista” da
“esquerda extremista” (todos os jornais) e “narcisista provocador e chato”
(BBC). Os comentários mais patéticos comparam Mélenchon a George Galloway, ou o
apresentam como “agitador de extrema esquerda”, o “garanhão” ou, então, o
“pitbull do anticapitalismo”. [1]
Interessante
observar que mesmo a avaliação mais favorável das políticas de Mélenchon ainda
fica muito longe de qualquer interpretação satisfatória. Mélenchon é visto como
“esquerdista simpático, mas ultrapassado”. Essa avaliação não consegue sequer
entender a essência de suas ambições políticas. O crescimento de Mélenchon nas
pesquisas nada tem a ver com “política e nostalgia ao estilo dos anos 1970s”. É
efeito, isso sim, do modo resoluto como enfrenta, diretamente, a atual crise do
capitalismo.
Diz
ao seu público, nos comícios, que as políticas de austeridade implementadas
em toda a
Europa não são só injustas; que são também contraproducentes
(ideia com a qual até o Financial Times concorda). [Inventou e usa muito, nos discursos, o
adjetivo “austeritário”, aplicado aos políticos que defendem políticas de
“austeridade” em toda a
Europa ; “austeritário” é magnífica neologia. Além de outros
traços, o novo adjetivo dá interpretação criativa-esculhambativa à tal
“austeridade”, que nada tem de austera em sentido produtivo, e é só, mesmo,
política autoritária de arrocho (NTs)].
Os
talentos de polemista e debatedor brilhante servem muito bem à sua luta, mas
Mélenchon é culto e muito talentoso: um político elegante e digno, cuja imagem
jamais se confunde com a vulgaridade dos reality shows das campanhas
eleitorais e da vida política contemporânea. Além do mais, Mélenchon é
socialista e republicano, sem nada de “esquerdista extremista” ou político de
partido marginal. Foi membro ativo do Partido Socialista durante 30 anos, onde
sempre argumentou, sem qualquer sucesso, que o Partido deveria aproximar-se e
pôr-se a serviço dos trabalhadores comuns; e foi ministro do governo de Lionel
Jospin.
Artifícios
de oratória são inúteis, a menos que o orador tenha algo de importante a dizer.
E Mélenchon tem: o neoliberalismo fracassou; persistir naquela via, nas mesmas
políticas neoliberais já fracassadas, é suicídio. Os deputados franceses no
Parlamento Europeu (ing. MEPs) também tinham programa crível. Em
discursos cuidadosamente articulados, ou em entrevistas a jornalistas (sempre
muito menos bem informados que ele, sobre praticamente qualquer tema), Mélenchou
dedica-se sempre a fazer ver o quanto se distancia radicalmente dos políticos
“midiáticos”. Explica que a crise econômica é sistêmica, que se deve a nossas
escolhas políticas erradas e a prioridades mal definidas.
Nossas
sociedades jamais foram tão produtivas e ricas quanto hoje, mas a maioria da
população está cada dia mais pobre, apesar de trabalhar cada vez mais e mais.
Não se trata de produzir riqueza (como os neoliberais e social-democratas à moda
Blair nos fizeram crer que fosse); trata-se de redistribuir (“partilhar”)
riqueza.
“Analistas”
de televisão e “comentaristas” de jornal, na França, todos furiosos, descrevem o
programa da Frente de Esquerda ou como “pesadelo econômico” ou como “deliciosa
fantasia” – sem ver que a mesma terminologia serve melhor para descrever a
quebradeira de bancos e as políticas de “austeridade” em toda a Europa.
Para
número cada vez maior de apoiadores de Mélenchon, tudo que o candidato diz é
saudável senso comum: impostos de 100% sobre ganhos acima de £300,000;
aposentadoria integral para todos a partir dos 60 anos; redução da jornada de
trabalho; aumento de 20% no salário mínimo; e o Banco Central Europeu com dever
de emprestar aos governos europeus a juros de 1%, como empresta a outros bancos.
Algumas poucas medidas realistas, para apoiar as populações empobrecidas.
Revolução? Não. Simples reformismo radical; simples esforço para por fim às mais
insuportáveis modalidades de dominação econômica, com super-aperto contra os
mais pobres. Se os mais qualificados (e velhos e viciosos e ricos) quiserem
partir, fugindo dos impostos, que partam. Serão substituídos por gente mais
jovem e mais competente, que trabalhará por salários menos absurdamente
altos.
“O
humano em primeiro lugar!”, mais que título de manifesto, é um imperativo
democrático: uma 6ª República, em lugar da atual monarquia republicana, com
nacionalização das empresas de energia (porque as fontes de energia são bens
públicos) e, menos comentado, mas importantíssimo, também o planejamento
ecológico da economia – principal eixo do projeto político de
Mélenchon.
Mélenchon
deu novo sabor à democracia francesa. Em debate memorável pela televisão,
derrotou enfaticamente a extrema direita, pela primeira vez na televisão
francesa, em 30 anos. Atento aos detalhes políticos, Mélenchon demonstrou que o
programa de Marine Le Pen é regressivo contra as mulheres. E, como se não
bastasse, reduziu a cacos o mito de que a Frente Nacional seria partido atento
aos interesses dos trabalhadores. Le Pen gaguejava, sem encontrar o que dizer,
completamente perdida.
A
campanha de Mélenchon mobiliza e politiza os jovens. Apela diretamente aos
trabalhadores que, ao contrário do que dizem alguns, rejeitam Le Pen; e aos que
desistiram de votar. Pela primeira vez em décadas, Mélenchon está
ajudando a esquerda a reconectar-se com as classes populares. Para Mélenchon, as
políticas de livre mercado não funcionam e infligem sacrifícios desnecessários
aos mais pobres. Nenhum outro político europeu está hoje mais bem posicionado
que ele, para demonstrá-lo.
Nota dos
tradutores
[1] Matéria do G1 de O
Globo, sobre Mélenchon, pode ser lida em: “Terceiro
em pesquisas eleitorais na França diz se inspirar em
Lula”. Os únicos “fatos” que O Globo registra sobre
Mélenchon são: Mélenchon “conhece Lula
desde o tempo em que ninguém recebia Lula em Paris”; e Mélenchon “não concorda com a política petista de
buscar superávit nas contas públicas”. A revista (NÃO)Veja e o Estadão dizem
besteiras ainda maiores, mas nem vale a pena perder tempo com a procura.
Notícia, para o Estadão, sobre Mélenchon é: “O candidato trotskista à presidência
francesa, Jean-Luc Mélenchon, ganhou apoio de uma jovem que gravou um vídeo
cantando música pop em defesa do candidato” em: “Mélenchon
ganha vídeo de apoio na França”. Desnecessário anotar
que o adjetivo “trotskista”, para a facinorosa UDN paulista que reina no
Estadão, é o pior palavrão imaginável.
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