Por Pedro Porfírio
Vai quebrar a cara quem pensa que queima os que lutaram contra a ditadura com risco da própria vida
"Eu tinha 19 anos, eu fiquei três anos na cadeia, senador, e fui barbaramente torturada, senador. E qualquer pessoa que ousar dizer a verdade para interrogadores compromete a vida dos seus iguais. Entrega pessoas para serem mortas. Eu me orgulho muito de ter mentido, porque mentir na tortura não é fácil".
Dilma Vana Rousseff, 7 de maio de 2008, em resposta a uma pergunta estúpida o senador Agripino Maia, que emocionou a todos a acabou servindo para mostrar a simpatia do povo pelos rebeldes que se insurgiram contra a ditadura militar.
Ao relembrar a jovem Dilma, a ÉPOCA acabou falando de alguém que arriscou a própria vida no combate á ditadura militar
VEJA ABAIXO A RESPOSTA QUE DEIXOU OS SENADORES NA SAIA JUSTA
Não fossem tão estúpidos os primatas mercenários que manipulam a mídia, saberiam eles ser elementar a regra de que a produção de matérias sob encomenda tende a ter o efeito do tiro no pé, principalmente quando o escarcéu transborda os decibéis do senso comum.
Sendo tão despreparados como são, tais figurinhas carimbadas desconhecem inteiramente elementos que produzem efeitos e reagentes opostos a seus propósitos maliciosos. Isto ocorre pelo vício do desconhecimento do contexto, pela insensibilidade em relação ao momento, pela rasa percepção ontológica e, pasmem, pela afronta deliberada às informações históricas.
Infelizmente - ou felizmente, eis o paradoxo sadio - essas lesmas mentais ainda têm a alimentá-las uma súcia de falsos profetas, impulsionados muito mais pelo excesso da carga de ódio inerente aos contendores sem causa e a má fé míope que não enxerga o abismo de suas atitudes mal pensadas.
Uma reportagem de cartas marcadas
Veja tudo isso com a clareza cristalina ao deparar-me com o último rebento do laboratório de placebos que uma gravidez mal sucedida deu à luz. Refiro-me, para ser mais preciso, à reportagem de capa da revista Época, destinada a destilar uma paranóia que já não povoa o inconsciente coletivo, como naqueles tempos obscuros em que uma ditadura de trogloditas recorria à fórmula surrada de Paul Joseph Goebbels, o marqueteiro de Adolf Hitler, segundo a qual "uma mentira muitas vezes repetida torna-se verdade".
Não tenho a menor dúvida: essa reportagem sobre o passado rebelde da sagitariana Dilma Vana Rousseff quis alvejá-la no que poderia ser o esconderijo de alguns segredos comprometedores. Ela ficaria mal fita se a classe média que ainda paga R$ 6,00 por uma revista de conteúdo amorfo ficasse sabendo dos detalhes daqueles momentos em que a filhinha de papai trocou o conforto da vida burguesa, das festinhas prazerosas e da alienação compensada por uma proeza da qual não sabia se sairia com vida, ainda na flor da idade.
Como se falasse de uma delinqüente
Dispondo do acervo do lixo autoritário, a revista incursiona pela vida juvenil da rebelde d'antão como se estivesse falando de uma delinquente sem ideal, cujas práticas se assemelhavam a dos bandidos que nos assustam e nos ameaçam.
A intenção inegável da publicação da família Marinho é "alertar" a cidadania para os "riscos" de entregar a chefia do Estado brasileiro a alguém que, em sua juventude, mergulhou na "ilegalidade" e esteve "associada" a práticas nada amistosas para tentar derrubar o regime ilegítimo imposto pelos tanques e pela insanidade, que só não foi mais trágico porque o capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho - o Sérgio Macaco - abortou o plano sinistro do brigadeiro João Paulo Burnier, então todo poderoso da FAB, que queria explodir o gasômetro junto à estação de trem da Leopoldina, provocar milhares de óbitos e culpar os comunistas.
Para os primatas que engendraram a matéria, com a fartura de informações sobre a Dilma rebelde estar-se-ia abalando sua meteórica ascensão, decorrente exatamente da incúria e da incompetência de uma oposição, cujos despautérios se converteram no elevador da candidata governista.
Não sei se tal travessura dá para rir ou para chorar. Pensar que o povo brasileiro vê como criminosa a meia dúzia de bravos que ousou expor suas vidas no confronto desigual e utópico contra uma tropa envenenado e maculada pelas práticas animalescas que hoje nega de pés juntos é demonstrar total falta de compreensão da alma humana.
Esquecem que Che Guevara é um grande ídolo
Se ser rebelde, se pegar em armas contra a tirania fosse mácula, Che Guevara não seria de longe o maior ícone da história, cujo rosto carismático é reproduzido por todos os cantos do mundo, despertando a incontida admiração não apenas dos afinados com seu poema escrito com o sangue do seu assassinato covarde, aos 39 anos de idade. Che Guevara, o grande rebelde do Século XX, é a imagem mais cultivada em adesivos, bandeiras e até tatuagem de gente como a modelo Gisele Caroline Bündchen, que não tem nada de comunista ou subversiva.
Na prática, ao lembrar que a agora bem comportada Dilma Vana Rousseff já foi alguém que se alçou em armas contra uma implacável ditadura militar a mídia maniqueísta está resgatando a corajosa idealista que o mau tempo se encarregou de enferrujar. Os seres humanos, que se criam no culto aos heróis, que sabem da maldição dos audazes, como Tiradentes, jamais poderiam imaginar que essa Dilma que está aí, cheia de si, disposta a dar continuidade à alquimia do sr. Luiz Inácio, é alguém que já teve a vida por um fio, que pagou com a tortura mais cruel e o sofrimento do cárcere por que teve peito de enfrentar os brutamontes sádicos que um dia já saciaram suas taras sob a armadura de um regime de força, tão perverso que submeteu ao silêncio covarde e cúmplice essa mesma mídia que hoje quer cantar de galo.
Só para assustar os potentados
Pode até ser que essa matéria, manipulada segundo as mesmas técnicas da elegia inquisitorial, tenha a repercussão desejada como condimento de uma fritura que afeta meia dúzia de potentados, aqueles que estão apostando na candidata oficial como garantia de que continuarão tendo o melhor ambiente para a realização dos seus projetos empresariais.
Pode ser, mesmo, que o objetivo da reportagem seja muito mais minar as pragmáticas relações do mundo do capital com esse modelo de poder que fez de um operário o mais abrangente condutor de um processo em que todos se sentem aquinhoados, mesmo que a alguns caiba o banquete das mais apetitosas iguarias e à grande maioria apenas a garantia de que não lhes faltará feijão no prato.
Mas no grosso, como tenho dito exaustivamente em vão, essa armação será mais um ingrediente oferecido de mão beijada pelos desesperados oposicionistas à coroa que está vivendo sua primeira experiência eleitoral com o horizonte de uma vitória inevitável. Será um presente igual à provocação do senador Agripino Maia, um pulha de carteirinha.
Eu mesmo, que passei todos esses anos no sereno da indignação explícita, já disse e repito: se for para voltar àqueles tempos em que o entreguismo e a corrupção eram protegidos à bala e à mentira, não contem comigo, nem com os parceiros que jamais contribuirão para um retrocesso sem só, nem piedade.
A nós interessa o passo à frente e mais nada.
enviado por Pedro Porfírio