Mauro Carrara
Em sua edição de 16 de Agosto de
O objetivo evidente é alterar o panorama da corrida eleitoral à Presidência da República.
Por meio de distorções, insinuações maliciosas e uma adulteração grosseira da história do país, a reportagem de capa tenta criar uma imagem negativa da candidata progressista, Dilma Rousseff.
Guarde estes nomes: a matéria foi “cometida” por Leandro Loyola, Eumano Silva e Leonel Rocha.
Silva é o chefe da sucursal da revista em Brasília. Loyola é editor. Rocha é repórter.
Mas não atribua somente à trinca essa pérola do jornalismo de manipulação.
Anote aí o nome do diretor de redação: Helio Gurovitz. E também do redator-chefe: David Cohen (não confundir com o multidisciplinar cineasta britânico).
A coincidência das nomenclaturas aqui se repete como farsa e também como tragédia.
O Plano Cohen original é o nome de um documento forjado, falso, roteiro de uma fantasiosa revolução comunista no Brasil.
Foi produzido em 1937, supostamente pelo capitão Olímpio Mourão Filho, integralista fanático, sabotador profissional e articulador de ações secretas da extrema-direita.
O plano inventado foi desenhado para aterrorizar a população. E gerou pretexto para um golpe contra a democracia.
Não por acaso, Mourão Filho teve importância fundamental em outro triste evento da vida nacional, o putsch militar-midiático de 1964.
O Plano Cohen 2010 foi capitaneado por um jornalista carioca que passou pela Folha de S. Paulo e adestrou-se por um bom tempo na Exame.
Para quem não sabe, Exame é excelente escola. Não foi lá, afinal, que um “capo” poderoso acabou defenestrado por realizar acordos "por fora" com lobistas?
Por meio da publicação, Cohen alinhavou amizades no meio empresarial. Virou um especialista no “mercado das pulgas” de carreiras e assuntos correlatos.
Os demais elementos
Pelo que se narra nas redações, a "burla imprensaleira” deste Agosto teve a participação direta de outros conhecidos personagens do clube midio-golpista.
A designação de “Época” para realizar a missão teria sido sugerida por conhecidos membros do Instituto Millenium, célula neoconservadora e neoliberal que tem em seu conselho editorial Eurípedes Alcântara, o mais dedicado Civita’s postman.
O grupo é o mesmo que planejou e vem executando, desde março, a operação “Tempestade no Cerrado”, destinada a desacreditar o governo de Lula e inviabilizar a candidatura de Dilma Rousseff.
O motivo para a escolha de “Época” foi simples: a revista Veja já está “manjada”, diretamente associada às práticas golpistas da imprensa monopolista.
Sabe-se que há nessa trama o dedo orientador do indefectível Alberto
Diante da insistência dos jornalistas globais, a assessoria da candidata emitiu nota de esclarecimento sobre o assunto em pauta, negando a participação de Dilma em qualquer tipo de ação armada.
Na verdade, bastava ao quinteto consultar os arquivos públicos para se saber que ela nunca foi julgada ou condenada por isso.
Dilma foi presa, torturada e encarcerada com base na odiosa Lei de Segurança Nacional. O motivo? Subversão. Isso quer dizer que ofereceu justa e heróica resistência ao governo militar.
“Época”, no entanto, ignora os fatos que realmente poderiam esclarecer o leitor sobre esse período sombrio e violento, em que tantos bons brasileiros experimentaram os rigores do afogamento, das surras no pau-de-arara e do eletrochoque.
Os quadros de referência da matéria, por exemplo, escancaram um único interesse: promover uma campanha explícita de ataque à reputação da candidata.
Eis alguns deles:
- Dilma foi denunciada por chefiar greves e assessorar assaltos a banco.
- Com dinheiro fornecido pela VAR Palmares, Dilma comprou um Fusca 66.
A peça mais vergonhosa da reportagem, no entanto, é um box de fundo preto com o título:
“As dúvidas sobre o passado. As perguntas sobre a trajetória de Dilma na ditadura militar que ainda estão sem resposta”.
São oito:
- Dilma estava armada no momento em que foi presa?
- Que tipo de treinamento com armas ela fez?
- Que papel Dilma teve no roubo do cofre de Adhemar de Barros?
- Qual foi a extensão do papel de Dilma na organização de assaltos a banco?
- Como foi a participação de Dilma nos Congressos da VAR Palmares?
- Qual foi o envolvimento de Dilma nas greves operárias de Minas Gerais em 1968?
- Dilma teve contato com organizações armadas de esquerda de outros países da América Latina?
- Dilma se arrepende de alguma atitude tomada naquele período?
Perceba que, na verdade, não são dúvidas jornalísticas. São insinuações, sugestões e tentativas de desqualificação.
A proposta de Cohen e seu bando de escribas é gerar dúvida em relação à honestidade de Dilma, é associá-la ao mundo do crime, é questionar seu caráter.
O caso do “Cofre de Adhemar de Barros” (1969), por exemplo, é conhecido de qualquer jornalista que tenha estudado minimamente a história recente do Brasil.
A expropriação dos valores obtidos ilicitamente pelo político mais corrupto de nossa história (até então) já teve seus detalhes esmiuçados em inúmeros livros e reportagens.
A reportagem, porém, parece ter sido teclada por um colegiado de zumbis catatônicos, que desconhecem o contexto da luta contra a Ditadura Militar e até mesmo o suplício pelo qual passaram seus colegas jornalistas na vigência do regime de exceção.
Em 13 páginas, “Época” constrói, pois, uma peça de propaganda eleitoral e, ao mesmo tempo, uma confusa saga anistórica, em que os usurpadores do poder são reconhecidos como autoridades legítimas.
São, segundo esse viés oficialista, detentores de direitos que lhes permitem instituir leis e aplicar punições aos desobedientes.
Nesse logro cínico e mal redigido (confira lá a gramática ruim), os déspotas, torturadores, estupradores e assassinos ganham até o status de vítimas.
Os cidadãos que lutaram pelo restabelecimento da ordem institucional, da democracia e dos direitos da pessoa humana, ao contrário, são ofendidos, estigmatizados e tratados como criminosos.
No delírio de Cohen e de “Época”, mocinhos e bandidos são trocados de lugar, sem pudor. Ou seja, a teoria subjacente é pior que aquela expressa pela Folha de S.
Eleições riscam sempre marcos demarcatórios. Mostram quem realmente preza a ética, e quem entrega a dignidade para obter o reconhecimento dos senhores de engenho.
Que possamos aprender com Cohen, Gurovitz, Loyola, Silva e Rocha. E saber em que vala comum da história enterrar seus nomes envergonhados.