segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Acordo Nuclear Brasil-Turquia

*Marcos Rebello



Será o Benedito que tudo o que sai do Conselho de Segurança da ONU é a verdade inquestionável? Já não estamos carecas de discutir sobre o papel tendencioso desse organismo?


É essa aceitação calada sobre tudo o que sai desses conselhos que faz com que fique-se duvidando cada vez mais da imparcialidade deles. Se fossem conselhos infalíveis, idôneos, sem tendências no trato dos assuntos internacionais seria bobagem o Brasil querer um assento no CS. Porque seria uma estupidez querer colocar um representante lá dentro e expor o Brasil a situações difíceis, não acham? Seria muitíssimo mais cômodo e eficaz se deixássemos as decisões ao grupo dos cinco como sempre foi, certo?


Mas tem gente que prefere o Brasil La dentro apenas pelo status. Vai ser vaquinha de presépio o tempo todo e votar sempre com o consenso (por consenso todos tem uma idéia do que seja, ou não?).


Vá plantar batatas!


O acordo entre Brasil, Turquia e Irã vai aos poucos ganhando terreno, não obstante as sanções.


Aquilo foi, sim, um acordo; e é essa a tendência na formação do consenso internacional. Mas ele não foi respeitado. Isso para não fazer valer as decisões de três atores importantes e para que o poder decisório não saísse do controle de interesses que exigem conduzir os affairs na região.


Pela definição, sendo um acordo um tratado, eu acho que o que se está discutindo é a aplicabilidade. Os três países entraram em acordo para solucionar o problema, mas o acordo não foi acatado pelos que têm outros interesses. Esse, eu acho, foi o teor da questão sobre o caso dos reatores nucleares iranianos.


Mas tem acordo e ACORDO, eu sei. Um acordo é menosprezado porque fazem outro ACORDO por cima. Nesse caso então eu tiro que um acordo que não se transformou em ACORDO fica sendo uma declaração. Tudo bem. Fica aquela do "O Senhor sabe, né, a gente acha assim, mas não quer incomodar. O Senhor faz o que o Senhor bem entende e a gente assina em baixo."


Acontece que o buraco ficou mais embaixo agora porque o Brasil não está deixando por menos e insiste na necessidade de se revisar as sanções porque acredita serão contraproducentes. O Brasil só assinou o ACORDO na ONU porque tem o costume de cumprir com as leis do CS e não ficar atirando feito um "lose canon". O Brasil trabalha na base da construção de consenso e do multilateralismo. Por isso mesmo acreditamos em solução moderada e construtiva no caso dos reatores nucleares iranianos.


Agora vamos ver o seguinte ...


A Rússia acaba de declarar nessa sexta-feira (13/8/10) que irá suprir combustível nuclear à nova planta nuclear de Bushehr a partir do dia 21 deste mês, iniciando um processo que irá durar até o final do mês finalizando com o reator emitindo eletricidade para cidades iranianas; oficiais russos e iranianos declararam:


"A partir desse momento, o reator de Bushehr será oficialmente considerado como uma instalação nuclear produtora de energia elétrica".


Se a Rússia conseguir finalizar esse plano, irá colocar um fim em anos de arrastação-de-pé sobre o reator de Bushehr. Apesar de Moscou ter assinado um contrato de US$ 1 bilhão para construir a planta em 1995, a conclusão dela tem sido adiada durante todos esses anos.


Não ficou interessante a jogada? Eu pergunto: e a cara dos agentes norte-americanos como deve estar numa hora dessas? É aí que entra o "monday morning quarterbacking", ou seja, eles vão começar a reconsiderar a merda que fizeram não acatando a iniciativa turco-brasileira de fazer a troca do combustível nas porcentagens estipuladas por eles próprios meses antes.


Quer dizer ... sifu! Deram nas mãos dos russos de mão beijada. E agora, tanto os russos quanto os iranianos ficaram ambos com um trunfo nas mãos.


Tai o preço pelo orgulho.


Mas ainda tem muita água a passar por baixo dessa ponte.


O pior de tudo é que nem poderiam usar desse pretexto (dos russos concluindo o acordo nuclear com o Irã) para uma escalada de nova guerra fria com os russos a fim de aumentar os gastos com o complexo industrial militar para aquecer a economia. Nem o Star Wars do Reagan e nem os mísseis no leste Europeu. Porque se nem no Afeganistão estão podendo segurar as calças metendo as mãos no bolso para sacar a grana, imagine agora uma escalada contra os russos. Nem pensar. De repente tem gente no Pentágono morrendo de saudades da guerra fria. Mas, já era, meu chapa. O sonho acabou.


Não quiseram alimentar os interesses brasileiros, menosprezando o poder de uma diplomacia pé-no-chão que os colocaria mais próximos de um diálogo construtivo com o Irã, mais fácil de contê-los, e estão tendo que se ajoelhar para a Rússia e, quem sabe, para o Irã também logo mais. Porque quem será capaz de afirmar que a Rússia não fornecerá ao Irã os mísseis terra-ar S-300 como diz o contrato russo-iraniano de 2007, agora na geladeira?


Porque, vejam só como funciona a coisa: se o Brasil, mesmo assinando o protocolo do CS em favor das sanções contra o Irã, mantém o diálogo para construção de consenso em torno do acordo tripartite, da mesma forma a Rússia, assinando as mesmas sanções, pode trabalhar paralelamente com o Irã, tanto na qualidade do combustível (permitindo o Irã desenvolver "high grade fuel") quanto no suprimento dos mísseis S-300. Tudo depende de como andam os interesses na política regional ou adjacências, tidos como estratégicos.


A situação é mais fluida do que os articulistas do Pentágono gostariam que fosse. Quer dizer, eles apertam aqui e a coisa aparece acolá. O polvo não possui tentáculos suficientes para segurar tudo de uma vez. Rs. Quem sabe chamem o Paul ( o polvo da copa do mundo) para uma adivinhação, enquanto ficam torcendo com os dedos cruzados.


Mientras tanto, Amorim fica na dele, só espiando o pessoal se espernear suando frio, enquanto o Itamaraty declara numa boa: O Brasil está disposto a colaborar quando sentirem que o Brasil pode emprestar a sua ajuda.


Segura, peão!


*Marcos Rebello é consultor Político membro da comunidade diplomatica

Extraído do blog da Nanda – Junto Somos Fortes