sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Que crise econômica? Os lucros aumentam!

por James Petras [*]


Enquanto os progressistas e os esquerdistas escrevem sobre as "crises do capitalismo", os industriais, as companhias petrolíferas, os banqueiros e muitas outras grandes empresas de ambos os lados do Atlântico e da costa do Pacífico encaminham-se sorrateiramente para a banca.


A partir do primeiro trimestre deste ano, os lucros das empresas dispararam entre vinte a mais de cem por cento (Financial Times, 10/Agosto/2010, p. 7). Na realidade, os lucros das empresas subiram mais do que antes do início da recessão em 2008 (Money Morning, 31/Março/2010). Contrariamente aos bloggers progressistas as taxas dos lucros estão a subir em vez de descer, principalmente entre as maiores empresas (Consensus Economics, 12/Agosto/2010). O acréscimo dos lucros empresariais é consequência direta do agravamento das crises da classe trabalhadora, dos funcionários públicos e privados e das pequenas e médias empresas.


No início da recessão, o grande capital eliminou milhões de postos de trabalho (um em cada quatro americanos ficou desempregado em 2010), conseguiu recuos dos patrões dos sindicatos, beneficiou de isenções de impostos, de subsídios e de empréstimos praticamente sem juros dos governos locais, estaduais e federal.


Quando a recessão bateu no fundo temporariamente, os grandes negócios duplicaram a produção com a restante mão-de-obra, intensificando a exploração (maior produção por trabalhador) e reduziu os custos passando para a classe trabalhadora uma fatia muito maior dos encargos com os seguros de saúde e com os benefícios de pensões a aquiescência dos responsáveis milionários dos sindicatos. O resultado é que, embora as receitas tenham diminuído, os lucros subiram e os balancetes melhoraram (Financial Times, 10/Agosto/2010). Paradoxalmente, os diretores-gerais utilizaram o pretexto e a retórica das "crises" oriunda dos jornalistas progressistas para impedir os trabalhadores de exigirem uma fatia maior dos lucros florescentes, ajudados pela reserva cada vez maior de trabalhadores desempregados e sub-empregados como possíveis "substitutos" (amarelos) no caso de ações de protesto.


A actual explosão de lucros não beneficiou todos os sectores do capitalismo: a sorte grande saiu, sobretudo, às maiores empresas. Em contrapartida, muitas pequenas e médias empresas registram altas taxas de falências e de prejuízos, o que as tornou baratas e presa fácil para aquisição pelos "grandes chefões" (Financial Times,01/Agosto/2010). As crises do capital médio levaram à concentração e centralização do capital e contribuíram para a taxa crescente de lucros das empresas maiores.


O diagnóstico falho das crises capitalistas feito pela esquerda e pelos progressistas tem sido um problema omnipresente desde o fim da II Guerra Mundial, quando nos foi dito que o capitalismo estava “em estagnação” e se dirigia para um colapso final. Os recentes profetas do apocalipse viram na recessão de 2008-2009 a queda definitiva e total do sistema capitalista mundial. Cegos pelo etnocentrismo euro-americano, não viram que o capital asiático nunca entrou nas "crises finais" e a América Latina teve uma versão suave e passageira (Financial Times. 09/Junho/2010, p. 9). Os falsos profetas não conseguiram reconhecer que os diferentes tipos de capitalismo são mais ou menos susceptíveis às crises… e que algumas variantes tendem a sofrer rápidas recuperações (Ásia, América Latina, Alemanha) enquanto outras (EUA, Inglaterra, Europa do Sul e do Leste) são mais susceptíveis a recuperações anêmicas e precárias.


Enquanto a Exxon-Mobil arrebanhou mais de 100% de aumento de lucros em 2010 e as empresas de automóveis registraram os seus maiores lucros dos últimos anos, os salários dos trabalhadores e o seu nível de vida diminuíram e os funcionários públicos sofreram pesados cortes e demissões maciças. É óbvio que a recuperação de lucros empresariais se baseia na mais dura exploração da mão-de-obra e de maiores transferências de recursos públicos para as grandes empresas privadas. O estado capitalista, com o presidente democrata Obama à frente, transferiu milhares de milhões para o grande capital através das operações de salvamento; empréstimos praticamente isentos de juros, cortes nos impostos e pressionou a força de trabalho a aceitar salários mais baixos e reduções na saúde e das pensões. O plano da Casa Branca para a “recuperação” resultou para lá de todas as expectativas – os lucros empresariais recuperaram; "só" a grande maioria dos trabalhadores é que se afundou mais nas crises.


As previsões falhas dos progressistas quanto à morte do capitalismo são consequência direta da subavaliação da dimensão com que a Casa Branca e o Congresso iria pilhar o erário público para ressuscitar o capital. Subavaliaram o grau com que o capital iria ser aliviado para sacudir toda a carga da recuperação de lucros para cima das costas dos trabalhadores. Neste aspecto, a retórica progressista sobre a "resistência da força de trabalho" e o "movimento sindical" refletiram a falta de compreensão de que praticamente não tem havido qualquer resistência à redução dos salários sociais e monetários porque não existe organização da força de trabalho. O que se intitula como tal está completamente ossificado e ao serviço dos defensores da Wall Street do Partido Democrata na Casa Branca.


PROCESSO PRECÁRIO


O que o atual impacto desigual e injusto do sistema capitalista nos diz é que o capitalismo consegue ultrapassar as crises aumentando apenas a exploração e anulando décadas de "ganhos sociais". Mas o atual processo de recuperação de lucros é altamente precário porque se baseia na exploração de inventários atuais, taxas de juros baixas e cortes nos custos da mão-de-obra (Financial Times, 10/Agosto/2010, p. 7). Não se baseia em novos investimentos privados dinâmicos nem no aumento da capacidade produtiva. Por outras palavras, são "ganhos ocasionais" – não são lucros provenientes de receitas de vendas acrescidas nem de mercados de consumo em expansão. Como poderiam ser – se os salários estão diminuindo e o desemprego, o subemprego e a redução da mão-de-obra são maiores do que 22%? Obviamente, esta explosão de lucros em curto prazo, com base em vantagens políticas e sociais e num poder privilegiado, não é sustentável. Há limites para as demissões maciças de funcionários públicos e para os ganhos de produção a partir da exploração intensificada da mão-de-obra… Alguma coisa tem que ceder. Uma coisa é certa: O sistema capitalista não vai cair nem ser substituído por causa da sua podridão interna ou "contradições".


15/Agosto/2010


[*] Sociólogo. Ver: obras do autor.

O artigo original, em inglês, encontra-se em: Economic Crisis. What Crisis? Profits Soar!

Tradução de Margarida Ferreira publicada inicialmente em: Resistir.info