8/9/2014, [*] Michael Hudson, Naked Capitalism
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Interessa aos Estados Unidos que o MERCOSUL
seja desmontado e que projetos da era tucana sejam retomados. Não nos
enganemos: nestas eleições, está em jogo a retomada do processo privatizador,
parcial ou total, da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES.
[Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: — Com Aécio fora do jogo, EUA se inclinam para Marina
− 6/9/2014, Entrevista
de Samuel Pinheiro Guimarães a Dario Pignotti] [**]
Fundo Monetário Internacional por Latuff/2010 |
Em abril de
2014, logo depois de manifestações contra os cleptocratas na Praça Maidan e o
golpe de 22 de maio de 2014, e menos de um mês antes do massacre de Odessa, do
dia 2 de maio de 2014, o FMI aprovou um programa de empréstimos de US$ 17
bilhões para a junta na Ucrânia. A prática normal do FMI é emprestar no máximo
duas vezes a cota de cada país num único ano. Aquele empréstimo feito aos
golpistas da Ucrânia foi oito vezes superior à cota da Ucrânia.
Quatro meses
antes, dia 29 de agosto 2014, exatamente quando Kiev começou a perder na guerra
de limpeza étnica que movia contra a região do Donbass, no leste da Ucrânia, o
FMI concedeu o primeiro empréstimo jamais concedido, em toda a história do
Fundo, a país engajado em guerra civil, sem falar de fuga de capitais e da
balança de pagamentos em colapso. Baseado em projeções fictícias, que “apagavam”
as dificuldades de a instituição vir algum dia a ser paga, o empréstimo
sustentou a moeda ucraniana, a hryvnia, por tempo suficiente para que os
bancos dos oligarcas transferissem as contas em moeda ucraniana, antes que a hryvnia
despencasse e passasse a valer, a cada dia, menos euros e dólares.
Esse
empréstimo mostra até que ponto o FMI é um braço da política de Guerra Fria dos
EUA. Os termos desse empréstimo impunham a austeridade “de praxe”, como se
alguma “austeridade” pudesse estabilizar finanças de países devastados por
guerras. Todo o dinheiro, obviamente, foi usado para reconstruir o exército. O
leste da Ucrânia nada recebeu nem jamais receberá, por mais que se saiba que a
infraestrutura local de hospitais, fornecimento de água e de geração de energia
tenha sido destruída. Áreas civis, residenciais, precisamente as mais duramente
atacadas, absolutamente não conhecerão os benefícios dessa rara prova de
generosidade desinteressada, do FMI.
Um quarto das
exportações da Ucrânia vinham dessas províncias do leste e eram vendidas
principalmente à Rússia. Mas Kiev bombardeou e continua a bombardear as
indústrias do Donbass e deixou as minas de carvão sem energia elétrica para
operarem. Perto de meio milhão de civis já fugiram para a Rússia. Mesmo assim,
o FMI elogia:
O FMI elogiou o compromisso do governo
ucraniano, que se dedica a promover reformas econômicas, apesar do conflito em
andamento.
Ridículo. Não
surpreende que tais empréstimos e tais elogios não tenham sido noticiados nem
na imprensa especializada em economia & business!
O empréstimo
com certeza aumentou o conflito interno no próprio FMI, entre os economistas
empregados, que se manifestaram abertamente na reunião anual de 2013 em
Washington. Naquele momento, o problema foi o desastroso empréstimo de US$ 47
bilhões que o Fundo concedera à Grécia – naquele momento o maior empréstimo da
história do FMI – tema de um documento interno do FMI, de 50 páginas, que vazou para o Wall
Street Journal.
Reconhecendo
que o FMI “subestimou gravemente o dano
que as medidas prescritas de austeridade causariam à economia da Grécia,”
economistas do quadro de empregados do FMI culparam a pressão exercida por
países da eurozona para proteger “seus próprios bancos que tinham grande parte
da dívida do governo grego” (...). O FMI projetara originalmente que a Grécia
perderia 5,5% de seu output econômico entre 2009 e 2012. Mas o país
perdeu 17% em termos reais, do PIB. O plano previa 15% de desemprego em 2012;
chegou a 25%.
O Ato de
Constituição do FMI proíbe que se façam empréstimos a países que claramente não
têm condições para pagar, o que levou economistas do próprio FMI a declarar, na
reunião anual, que a própria instituição estava violando suas regras de não fazer
empréstimos podres, “a países incapazes
de pagar as próprias dívidas”. Um daqueles economistas disse que aquela
Análise de Sustentabilidade da Dívida não passava de “uma piada”; uma comissão
oficial [europeia] descreveu-a como “histórias
da carochinha para fazer crianças dormirem” e um ministro de finanças grego descreveu-a
como “cientificamente ridícula”.
Na prática, o
FMI simplesmente “adiantou” o dinheiro de que um país precisava para pagar seus
banqueiros e acionistas, fingindo que mais austeridade ampliaria a capacidade
de pagamento do país para reembolsar o empréstimo (não que só faria aprofundar
a armadilha da dívida), enquanto Kiev usou o dinheiro também para despesas
militares, para poder atacar as províncias do leste do país.
Tudo isso
levanta a questão de se o empréstimo do FMI é de fato uma “dívida odiosa” que
está sendo contraída por uma junta militar e roubada por insiders,
dentro do governo.
John Helmer,
do blog Dances with Bears [danças com ursos], calcula que:
Diferente do
que o fez no mais recente empréstimo desastroso a Chipre, o FMI não revelou os
próprios argumentos. Mas deixou claro que o Banco Nacional da Ucrânia [orig. National
Bank of Ucrânia (NBU)] – o banco central ucraniano – estava simplesmente
passando adiante o dinheiro para os cleptocratas
que controlam todos os bancos do país como parte dos próprios negócios, e
financiando o ataque militar contra o leste do país:
A proporção dos seguros e empréstimos a bancos
aumentou de 28% do patrimônio do Banco Central ucraniano no final de 2010, para
56% no final de abril de 2014.
A situação
financeira estava piorando. Ante os riscos crescentes de insolvência, já se
sabe que os principais bancos da Ucrânia precisarão de mais US$ 5 bilhões além
e acima dos US$ 17 bilhões que o FMI já se comprometeu a “fornecer”.
Na preparação
para as eleições marcadas para outubro, as províncias do leste não têm
condições objetivas para votar; e a junta já baniu o Partido Comunista e também
está censurando televisões e jornais. Os partidos pró-guerra não conseguem
conquistar eleitores nem no oeste do país (como já aconteceu no início de
setembro). Há sinais de novo golpe do Setor Direita e de nacionalistas
ucranianos aliados a neonazistas, comandados pelo oligarca Igor Kolomoisky,
homem que mantém seu próprio exército privado. Lê-se, em Johnson’s Rússia
List (não há versão online [1]):
Igor Kolomoisky |
Ante a
derrotada em guerra, está à vista nova mudança de regime. O espectro de um
golpe ronda outra vez as ruas e praças de Kiev. Guardas da Guarda Nacional
sobreviventes ameaçam voltar-se contra Poroshenko. Está tomando forma um
terceiro movimento na Praça Maydan, para varrer do poder o atual governo. Os
instigadores do movimento, dessa vez, são militantes dos esquadrões-da-morte
criados com o dinheiro de Kolomoyskyy. É claro que são os oligarcas, jogando o
próprio jogo contra Poroshenko. Kolomoyskyy mantém a seu serviço um forte
exército privado, capaz de impor qualquer golpe.
Planos de privatização para a Ucrânia: FMI & EUA
Não nos enganemos: nestas eleições, está em
jogo a retomada do processo privatizador, parcial ou total, da Petrobras, do
Banco do Brasil e do BNDES.
[Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães: — Com Aécio fora do jogo, EUA se inclinam para Marina
− 6/9/2014, Entrevista
de Samuel Pinheiro Guimarães a Dario Pignotti] [***]
O principal
problema da Ucrânia é que a dívida do país é denominada em dólares e euros.
Parece haver um único meio para a Ucrânia levantar moeda estrangeira para pagar
o que deve ao FMI e a financiadores da OTAN reunidos para ajudar a
ocidentalizar a economia do país: vender recursos naturais, a começar por
direitos do gás, e terra cultivável.
Aqui a figura
sinistra de Kolomoisky ressurge, com total apoio dos EUA. Recente lei aprovada
pelo senado [Senate Bill 2277]
(...) “ordena que a Agência para Desenvolvimento
Internacional dos EUA aprove empréstimos para todas as fases de desenvolvimento
de projetos de petróleo e gás” na Ucrânia, Moldávia e Geórgia.
Hunter (E) e Joe Biden |
O filho do
vice-presidente Biden, R. Hunter Biden, foi recentemente
contratado para dirigir a empresa Burisma, empresa ucraniana de gás e
petróleo registrada em Chipre, há muito tempo uma das favoritas dos operadores
pós-URSS. A empresa tem suficiente influência sobre a política de Kiev, para
fazer, da prospecção de gás de xisto em terras ucranianas um objetivo militar.
Como se lê no Peu Report, citando relatório do periódico Economic
Policy Journal: [2]
Soldados
ucranianos ajudaram a instalar equipamento para produção de gás de xisto perto
da cidade de Slavyansk, no leste da Ucrânia, que eles mesmos bombardearam sem
parar ao longo dos três meses anteriores, disse a agência novorussa de notícia
por sua página na internet, citando moradores da cidade. Civis protegidos pelo
exército ucraniano estão já prontos para instalar equipamento de perfuração.
Mais equipamento está chegando, dizem eles. Informam também que os militares
estão cercando toda a futura área de extração.
A
imprensa-empresa ocidental nada noticiou sobre os protestos populares no leste
e no oeste da Ucrânia contra a extração do gás de xisto [orig. fracking]
e por questões de uso do solo em geral, mas há pelo menos uma informação:
A população de Slavyansk, cidade localizada no
coração do campo Yzovka de gás de xisto, organizou inúmeras ações de protesto
no passado, sempre contra a exploração e desenvolvimento daquele tipo de
recurso. Querem, mesmo, realizar um referendo para decidir sobre a questão...
O fracking polui o solo, a água e o ar |
Países como a
República Tcheca, os Países Baixos e a França já desistiram de projetos que
tinham para desenvolvimento de gás de xisto em seus países. Não só esses, mas
também a Alemanha, sempre importante, que há duas semanas anunciou que
suspenderá “a perfuração em campos de gás
de xisto, durante os próximos sete anos, por causa dos riscos de contaminação
dos depósitos subterrâneos de água”. Aos EUA e ao FMI, só interessa reduzir
a dependência dos europeus, do gás russo, e fazer a balança de pagamentos
pender a favor dos EUA, não da Rússia, como mais um fator para conter os
russos, na Nova Guerra Fria.
Mas tudo isso
envolveu aliança potencialmente muito embaraçosa entre EUA e Kolomoisky, um
dos principais proprietários da empresa Burisma, mediante seu Privat Bank. Robert Parry destaca que:
Kolomoisky foi nomeado pelo regime golpista
para ser governador da província (Oblast)
de Dnipropetrovsk, no centro-sul da Ucrânia. Kolomoisky também tem sido
associado ao financiamento dos brutais esquadrões-da-morte que promovem ações
de limpeza ética no leste da Ucrânia, contra russos.
Outro recurso
natural ucraniano a ser vendido é terra agricultável. Já há ali pesado
investimento da empresa Monsanto em grãos geneticamente modificados. Relatório
recente distribuído pelo Oakland Institute, “Caminhando pelo lado oeste: Banco Mundial e FMI no conflito
ucraniano” (ing.), descreve pressões para desregular o uso da terra
agricultável ucraniana e promover a venda a investidores dos EUA e de outros
países. O Instituto Oakland observa que “a
IFC aconselhou o país a apagar todos os impedimentos para certificação de
alimentos nas leis ucranianas“ e a “evitar
aumentar desnecessariamente os custos para as empresas” com regulações
sobre uso de pesticidas, aditivos etc..
Pare com os transgênicos! |
O mais
intrigante é que nem a Rússia nem a maioria dos países europeus aceitam
produtos geneticamente modificados. Parece, assim, que o único modo pelo qual a
Ucrânia conseguiria exportar seus alimentos é se a diplomacia norte-americana
conseguir que a Europa derrube suas leis contra organismos geneticamente
modificados. Pode ser mais uma dificuldade entre os EUA e países europeus
membros da OTAN.
Será
caríssimo reconstruir as instalações de infraestrutura de água e eletricidade
destruídas pelas forças de Kiev em Donetsk – que enfrentará longo inverno,
gelado e escuro. Kiev parou de pagar pensões e aposentadorias no Leste da
Ucrânia.
Mesmo antes
dos eventos da Praça Maidan, a população local já tentava impedir a extração de
gás de xisto (fracking) , exatamente como a Alemanha e outros países
europeus também estavam fazendo. A população também se manifestou várias vezes
contra a apropriação de terras por cleptocratas ucranianos e por empresas como
a Monsanto que operam com sementes geneticamente modificadas –, mais uma vez
exatamente como a Alemanha e outros países europeus também têm reagido contra
colheitas obtidas de organismos geneticamente modificados.
[Continua]
[*] Michael Hudson (nascido em 1939,
Chicago, Illinois, EUA) é professor e pesquisador de economia na Universidade
de Missouri–Kansas City (UMKC) e pesquisador associado do Bard College. É ex-analista e consultor em Wall Street; presidente do “Instituto para o Estudo de Tendências
Econômicas de Longo Termo” (Institute for the Study of Long-term Economic
Trends - ISLET) e um membro-fundador da "Conferência Internacional de
Pesquisadores de Economias do Antigo Oriente Próximo" (International
Scholars Conference on Ancient Near Eastern Economies - (ISCANEE).
________________________
Notas de rodapé
[1] Marina Perevozkina e Artur Avakov, Moskovskiy Komsomolets,
4/9/2014, da Johnson’s Russia List, 6/9/2014, #14. Acrescentam que Putin
ordenou o sequestro das propriedades de Kolomoyskyy na Crimeia e em Moscou.
[2] O relato acrescenta: Além da “questão do gás”, há também o fato de que
foi o vice-presidente dos EUA Joe Biden quem mandou que o presidente Yanukovich
retirasse suas forças policiais dia 21 de fevereiro de 2014, movimento que
abriu caminho para o avanço das milícias neonazistas e para o golpe apoiado
pelos EUA. Na sequência, três meses depois, a maior empresa privada de gás da
Ucrânia, Burisma Holdings, contratou o filho de Biden, Hunter Biden, para
integrar seu corpo de diretores.
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