quarta-feira, 10 de setembro de 2014

FMI: empréstimos de Nova Guerra Fria à Ucrânia (2/2)

8/9/2014, [*] Michael Hudson, Naked Capitalism
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Ver antes: redecastorphoto, 8/9/2014, [*] Michael Hudson, Naked Capitalism

Interessa aos Estados Unidos que o MERCOSUL seja desmontado e que projetos da era tucana sejam retomados. Não nos enganemos: nestas eleições, está em jogo a retomada do processo privatizador, parcial ou total, da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES.
[Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães: — Com Aécio fora do jogo, EUA se inclinam para Marina  6/9/2014, Entrevista de Samuel Pinheiro Guimarães a Dario Pignotti] 

Bandeira sobre a Praça Maidan em Kiev
Estratagemas dos EUA para salvar a Ucrânia de ter de pagar o que deve à Rússia

A “contradição interna” no empréstimo do FMI é que a Ucrânia deve valor idêntico à Rússia por gás comprado e jamais pago, e para comprar mais gás para enfrentar o inverno que se aproxima, e também por efeito de cláusulas estritamente comerciais que há nos empréstimos que a Rússia fez à Ucrânia, e que determinam que o devedor é declarado inadimplente se a dívida ultrapassa 60% do PIB do devedor. Ainda assim a estratégia de Guerra Fria dos EUA é impedir que se façam pagamentos à Rússia com recursos do empréstimo feito pelo FMI e OTAN, para “reconstrução”.

No início das confrontações dessa Nova Guerra Fria, em meados de 2014, depois que a Rússia reincorporou a Crimeia, o Instituto Peterson de Economia Internacional, lançou uma proposta assinada por Anna Gelpern, ex-servidora do Tesouro, como “balão de ensaio”, para retirar da Rússia os argumentos legais sobre os créditos que tem a exigir da Ucrânia. Gelpern propôs “uma única lei, que liberaria imediatamente US$ 3 bilhões para a Ucrânia”: o Parlamento Britânico deve aprovar uma lei que declare que os US$ 3 bilhões negociados pelo fundo soberano russo seriam “ajuda estrangeira”, não um empréstimo comercial “comum”, com contrato e meios para ser aplicado. “O Reino Unido pode recusar-se a aplicar a lei inglesa existente para contratos entre os quais o dinheiro emprestado pela Rússia” e, assim fazendo, “retira do credor os meios legais para executar dívida e devedor”.

O problema com esse tipo de golpe é que o fundo soberano russo emprestou euros à Ucrânia, com estrita proteção financeira que visava a limitar a dívida total do país a apenas 60% de seu PIB. Se a dívida ultrapassa esse limite, a Rússia tem pleno direito de exigir pagamento imediato e integral, o que pode iniciar uma avalanche de execuções de outras dívidas, também com cláusulas de proteção “anticalote”.

A dívida da Ucrânia é em EUROS
Ainda recentemente, no final de 2013, a dívida pública da Ucrânia alcançava pouco mais de 40% – cerca de US$ 73 bilhões aparentemente administráveis. Mas se se considera que a Ucrânia tem nível apenas B+ – abaixo do limite que o fundo soberano russo impõe, de no mínimo AA para compra de papéis de investimento – a Rússia parece ter agido com elogiável prudência, ao inserir cláusulas de proteção, precisamente para distinguir entre seus investimentos e os objetivos da simples ajuda em geral.

Manter ativa uma guerra civil é ação muito cara, e a moeda ucraniana está vindo abaixo. O mercado negro de câmbio já parece ter-se reduzido em 1/3. Se reconhecido oficialmente (tão logo os cleptocratas tenham movido seu dinheiro para longe da moeda ucraniana sustentada pelo FMI), isso elevará a proporção dívida/PIB aos 60% do patamar fixado pelos russos, por contrato, para que o pagamento da dívida se torne imediatamente exigível. Diferente do caso de ajuda humanitária, o empréstimo russo à Ucrânia dá à Rússia poder para desencadear uma cascata de execuções de outras dívidas da Ucrânia e o direito de votar para impedir que se montem outros negócios de empréstimos para “reconstrução” e “reestruturação” da dívida ucraniana. Isso, porque todos os papeis do governo estão conectados entre eles. Se há calote numa das dívidas contratadas, todas as demais se tornam cobráveis instantaneamente.

O que o governo dos EUA classifica como ajuda externa também assume, tipicamente, a forma de empréstimos a serem pagos, e insiste sobre fundos correspondentes na moeda local (por ex., “Lei 480 para exportação de alimentos. O Congresso insistia, já no governo Kennedy, que a balança de pagamentos dos EUA, e especificamente as propriedades agrícolas de exportação, também tinham de auferir benefícios daquele tipo de “ajuda”).

Crise da Dívida da Ucrânia
Revisando as possibilidades de conseguir impedir que dinheiro do FMI e de países da OTAN seja usado para pagar dívidas à Rússia, de atrasados de gás e dívidas com o fundo soberano russo, Gelpern lembra que “governos normalmente não se executam ou processam em cortes nacionais, entre eles para receber dívidas”. Se por acaso acontecer, a regra pari passu impediria que algumas dívidas fossem anuladas seletivamente.

E a professora Gelpern levanta outra possibilidade – a Ucrânia pode declarar “odiosa” a dívida que tem com a Rússia, caracterizando uma situação na qual “o mau governante assina contratos que criam carga a ser arrastada por sucessivas gerações, muito depois de o ditador já ter sido derrubado”. Ela sugere que “repudiar todas as dívidas contraídas por Yanukovich  desestimularia os eleitores de elegerem líderes corruptos”.

O duplipensar é bem claro: em vez de denunciar toda uma longa série de cleptocratas que governaram a Ucrânia, a professora norte-americana “marca” só um, Yanukovich, como se os predecessores e sucessores dele não fossem igualmente venais. Mas há risco ainda maior, em declarar “odiosa” a dívida ucraniana: a “solução” pode repercutir de volta contra os EUA, que há muito tempo apoiam ditaduras militares e cleptocracias.

Interessa aos Estados Unidos que os BRICS sejam desmontados e desunidos; que os projetos da ALCA e dos acordos espúrios de livre comércio com a União Europeia sejam retomados por eventual governo de Marina Silva ou de Aécio Neves.
Não nos enganemos: nestas eleições, está também em jogo a retomada do processo privatizador e ENTREGUISTA, da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES.
Além disso teremos tremendo ARROCHO SALARIAL, DESEMPREGO e TOTAL descompromisso do governo dessa gente com os trabalhadores e suas conquistas sociais. (redecastorphoto)

Os papéis que a Ucrânia vendeu ao fundo soberano russo e os contratos que a Ucrânia assinou foram assinados em negócios de compra de gás, todos eles construídos e assinados por governo ucraniano democraticamente eleito, a preços que subsidiaram a indústria ucraniana e o consumo doméstico no país. Diferente do que se viu na Grécia, não houve “remoção” de líder nacional para impedir que acontecesse referendo que aprovaria ou rejeitaria o empréstimo. Se o que a Ucrânia deve à Rússia for declarado “dívida odiosa”, o que dizer dos empréstimos da Eurozona à Irlanda e Grécia, ou dos empréstimos dos EUA aos generais argentinos, chegados ao poder “nas asas” da Operação Condor?

Gelpern reconhece que a recusa ucraniana a pagar pelos bônus que a Rússia comprou, invocando o princípio da “dívida odiosa” “é frágil, com riscos legais, políticos e de mercado, todos a favor da Rússia”. Assim, a mais promissora solução para agredir a Rússia volta a ser a “modificação” da lei, no Parlamento Britânico, que se encarregaria de declarar inválidos os “papeis Yanukovich”. Tal lei de sanções reduziria a “habilidade da Rússia para lucrar na venda da dívida ao mercado” – simplesmente porque se negariam à Rússia direitos legais para vender patrimônio da Ucrânia.

Dívida dos países da OTAN como % do PIB

Gelpern conclui seu artigo sugerindo um “princípio universal”: que contratos “usados para promover objetivos militares e políticos (...) deveriam perder o direito de serem executados em juízo”. Abre-se assim gigantesca caixa de vermes, dado que “o Reino Unido e os EUA sempre usaram força militar no passado para cobrar dívidas e influenciar países mais fracos. Seria legítimo que esses países punissem a Rússia no caso de a Rússia fazer exatamente a mesma coisa? A vasta maioria das dívidas intergovernos não são, praticamente todas, de caráter ou militar ou político? Seguindo essa lógica, praticamente todas as dívidas intergovernamentais deveriam ser canceladas? O “argumento” da professora Gelpern, para não pagar à Rússia, garantiria base legal para anular toda a dívida da Ucrânia com o FMI e, na sequência, tudo o que o país deve à OTAN, dado que a OTAN só faz obrigar a Ucrânia a ceder a investidores estrangeiros os direitos que o país tem a recursos como gás e terra. Sim ou não? Claro que sim.

Todo o ‘argumento’ do trabalho da professora Gelpern, que ostensivamente visa a encontrar meios para isolar economicamente a Rússia, acaba por levar ao resultado irônico e inesperado, de mostrar as reais dificuldades legais e políticas que há na “operação”. Se a Ucrânia toma empréstimos do FMI e/ou da União Europeia e na sequência separa-se do “ocidente” – quem poderá obrigá-la a pagar o que deve? Não, com certeza, o “oriente”, vítima dos líderes de incontáveis golpes militares.

Com o que voltamos às notícias sobre a preparação para a próxima reunião anual do FMI, marcada para o mês que vem: em que pé fica(ria) a credibilidade do FMI, ante os “empréstimos” para a Ucrânia?!
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[*] Michael Hudson (nascido em 1939, Chicago, Illinois, EUA) é professor e pesquisador de economia na Universidade de Missouri–Kansas City (UMKC) e pesquisador associado do Bard College. É ex-analista e consultor em Wall Street; presidente do “Instituto para o Estudo de Tendências Econômicas de Longo Prazo” (Institute for the Study of Long-term Economic Trends - ISLET) e um membro-fundador da "Conferência Internacional de Pesquisadores de Economias do Antigo Oriente Próximo" (International Scholars Conference on Ancient Near Eastern Economies - (ISCANEE).

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