8/9/2014, [*] Michael Hudson, Naked Capitalism
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ver antes: redecastorphoto, 8/9/2014, [*]
Michael Hudson, Naked Capitalism
Interessa aos Estados
Unidos que o MERCOSUL seja desmontado e que projetos da era tucana sejam
retomados. Não nos enganemos: nestas eleições, está em jogo a retomada do
processo privatizador, parcial ou total, da Petrobras, do Banco do Brasil e do
BNDES.
[Embaixador Samuel Pinheiro
Guimarães: — Com Aécio fora do jogo, EUA se inclinam para Marina − 6/9/2014, Entrevista de Samuel Pinheiro
Guimarães a Dario Pignotti]
Bandeira sobre a Praça Maidan em Kiev |
A
“contradição interna” no empréstimo do FMI é que a Ucrânia deve valor idêntico
à Rússia por gás comprado e jamais pago, e para comprar mais gás para enfrentar
o inverno que se aproxima, e também por efeito de cláusulas estritamente
comerciais que há nos empréstimos que a Rússia fez à Ucrânia, e que determinam
que o devedor é declarado inadimplente se a dívida ultrapassa 60% do PIB do
devedor. Ainda assim a estratégia de Guerra Fria dos EUA é impedir que se façam
pagamentos à Rússia com recursos do empréstimo feito pelo FMI e OTAN, para
“reconstrução”.
No início
das confrontações dessa Nova Guerra Fria, em meados de 2014, depois que a
Rússia reincorporou a Crimeia, o Instituto Peterson de Economia Internacional, lançou
uma proposta assinada por Anna Gelpern, ex-servidora
do Tesouro, como “balão de ensaio”, para retirar da Rússia os argumentos legais
sobre os créditos que tem a exigir da Ucrânia. Gelpern propôs “uma única lei,
que liberaria imediatamente US$ 3 bilhões para a Ucrânia”: o Parlamento
Britânico deve aprovar uma lei que declare que os US$ 3 bilhões negociados pelo
fundo soberano russo seriam “ajuda estrangeira”, não um empréstimo comercial “comum”,
com contrato e meios para ser aplicado. “O Reino Unido pode recusar-se a
aplicar a lei inglesa existente para contratos entre os quais o dinheiro
emprestado pela Rússia” e, assim fazendo, “retira do credor os meios legais
para executar dívida e devedor”.
O problema
com esse tipo de golpe é que o fundo soberano russo emprestou euros à Ucrânia,
com estrita proteção financeira que visava a limitar a dívida total do país a
apenas 60% de seu PIB. Se a dívida ultrapassa esse limite, a Rússia tem pleno
direito de exigir pagamento imediato e integral, o que pode iniciar uma
avalanche de execuções de outras dívidas, também com cláusulas de proteção “anticalote”.
A dívida da Ucrânia é em EUROS |
Manter ativa
uma guerra civil é ação muito cara, e a moeda ucraniana está vindo abaixo. O
mercado negro de câmbio já parece ter-se reduzido em 1/3. Se reconhecido
oficialmente (tão logo os cleptocratas tenham movido seu dinheiro para longe da
moeda ucraniana sustentada pelo FMI), isso elevará a proporção dívida/PIB aos
60% do patamar fixado pelos russos, por contrato, para que o pagamento da
dívida se torne imediatamente exigível. Diferente do caso de ajuda humanitária,
o empréstimo russo à Ucrânia dá à Rússia poder para desencadear uma cascata de
execuções de outras dívidas da Ucrânia e o direito de votar para impedir que se
montem outros negócios de empréstimos para “reconstrução” e “reestruturação” da
dívida ucraniana. Isso, porque todos os papeis do governo estão conectados
entre eles. Se há calote numa das dívidas contratadas, todas as demais se
tornam cobráveis instantaneamente.
O que o
governo dos EUA classifica como ajuda externa também assume, tipicamente, a
forma de empréstimos a serem pagos, e insiste sobre fundos correspondentes na
moeda local (por ex., “Lei 480 para exportação de alimentos. O Congresso
insistia, já no governo Kennedy, que a balança de pagamentos dos EUA, e
especificamente as propriedades agrícolas de exportação, também tinham de auferir
benefícios daquele tipo de “ajuda”).
Crise da Dívida da Ucrânia |
E a
professora Gelpern levanta outra possibilidade – a Ucrânia pode declarar
“odiosa” a dívida que tem com a Rússia, caracterizando uma situação na qual “o
mau governante assina contratos que criam carga a ser arrastada por sucessivas
gerações, muito depois de o ditador já ter sido derrubado”. Ela sugere que
“repudiar todas as dívidas contraídas por Yanukovich desestimularia os eleitores de elegerem
líderes corruptos”.
O
duplipensar é bem claro: em vez de denunciar toda uma longa série de
cleptocratas que governaram a Ucrânia, a professora norte-americana “marca” só
um, Yanukovich, como se os predecessores e sucessores dele não fossem
igualmente venais. Mas há risco ainda maior, em declarar “odiosa” a dívida
ucraniana: a “solução” pode repercutir de volta contra os EUA, que há muito
tempo apoiam ditaduras militares e cleptocracias.
Interessa aos Estados
Unidos que os BRICS sejam desmontados e desunidos; que os projetos da ALCA e
dos acordos espúrios de livre comércio com a União Europeia sejam retomados por
eventual governo de Marina Silva ou de Aécio Neves.
Não nos enganemos: nestas
eleições, está também em jogo a retomada do processo privatizador e ENTREGUISTA,
da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES.
Além disso teremos tremendo ARROCHO SALARIAL, DESEMPREGO e TOTAL descompromisso do governo dessa
gente com os trabalhadores e suas conquistas sociais. (redecastorphoto)
Os papéis que a Ucrânia vendeu ao fundo soberano russo e os contratos que a Ucrânia assinou foram assinados em negócios de compra de gás, todos eles construídos e assinados por governo ucraniano democraticamente eleito, a preços que subsidiaram a indústria ucraniana e o consumo doméstico no país. Diferente do que se viu na Grécia, não houve “remoção” de líder nacional para impedir que acontecesse referendo que aprovaria ou rejeitaria o empréstimo. Se o que a Ucrânia deve à Rússia for declarado “dívida odiosa”, o que dizer dos empréstimos da Eurozona à Irlanda e Grécia, ou dos empréstimos dos EUA aos generais argentinos, chegados ao poder “nas asas” da Operação Condor?
Gelpern
reconhece que a recusa ucraniana a pagar pelos bônus que a Rússia comprou,
invocando o princípio da “dívida odiosa” “é frágil, com riscos legais,
políticos e de mercado, todos a favor da Rússia”. Assim, a mais promissora
solução para agredir a Rússia volta a ser a “modificação” da lei, no Parlamento
Britânico, que se encarregaria de declarar inválidos os “papeis Yanukovich”.
Tal lei de sanções reduziria a “habilidade da Rússia para lucrar na venda da
dívida ao mercado” – simplesmente porque se negariam à Rússia direitos legais
para vender patrimônio da Ucrânia.
Gelpern conclui
seu artigo sugerindo um “princípio universal”: que contratos “usados para
promover objetivos militares e políticos (...) deveriam perder o direito de
serem executados em juízo”. Abre-se assim gigantesca caixa de vermes, dado que
“o Reino Unido e os EUA sempre usaram força militar no passado para cobrar
dívidas e influenciar países mais fracos. Seria legítimo que esses países
punissem a Rússia no caso de a Rússia fazer exatamente a mesma coisa? A vasta
maioria das dívidas intergovernos não são, praticamente todas, de caráter ou
militar ou político? Seguindo essa lógica, praticamente todas as dívidas
intergovernamentais deveriam ser canceladas? O “argumento” da professora
Gelpern, para não pagar à Rússia, garantiria base legal para anular toda a
dívida da Ucrânia com o FMI e, na sequência, tudo o que o país deve à OTAN,
dado que a OTAN só faz obrigar a Ucrânia a ceder a investidores estrangeiros os
direitos que o país tem a recursos como gás e terra. Sim ou não? Claro que sim.
Todo o ‘argumento’
do trabalho da professora Gelpern, que ostensivamente visa a encontrar meios
para isolar economicamente a Rússia, acaba por levar ao resultado irônico e
inesperado, de mostrar as reais dificuldades legais e políticas que há na “operação”.
Se a Ucrânia toma empréstimos do FMI e/ou da União Europeia e na sequência
separa-se do “ocidente” – quem poderá obrigá-la a pagar o que deve? Não, com
certeza, o “oriente”, vítima dos líderes de incontáveis golpes militares.
Com o que
voltamos às notícias sobre a preparação para a próxima reunião anual do FMI,
marcada para o mês que vem: em que pé fica(ria) a credibilidade do FMI, ante os
“empréstimos” para a Ucrânia?!
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[*] Michael Hudson (nascido em 1939, Chicago, Illinois, EUA) é professor e pesquisador de
economia na Universidade de Missouri–Kansas City (UMKC) e pesquisador associado
do Bard College. É ex-analista e consultor em Wall Street;
presidente do “Instituto para o Estudo de Tendências Econômicas de Longo Prazo”
(Institute for the Study of Long-term Economic Trends - ISLET) e um
membro-fundador da "Conferência Internacional de Pesquisadores de
Economias do Antigo Oriente Próximo" (International Scholars Conference
on Ancient Near Eastern Economies - (ISCANEE).
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