11/9/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian
Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama - discurso de 10/9/2014 sobre o ISIS/ISIL |
A estratégia que o presidente Barack Obama dos EUA
revelou ontem, 4ª-feira (10/9/2014), para “degradar e na conclusão destruir o
grupo terrorista conhecido como ISIS/ISIL [Estado Islâmico do Iraque e Levante
[Síria] ou Estado Islâmico]” resume-se a duas palavras – guerra esperta [orig. smart war]. É guerra, claro; e é “esperta”,
porque será combatida a milhares de quilômetros de distância da “pátria”
norte-americana; porque estão previstos poucos mortos norte-americanos, talvez
nenhum; e porque será guerra que, em grande parte, se autofinanciará. Em
resumo, será guerra sustentável, sem fim marcado, que os EUA podem encarar em
termos militares e financeiros e, com sorte, servirá à hegemonia dos EUA no
Oriente Médio. Isso, pelo menos, é o que Obama pensa.
Porém, para fazer essa sua “guerra
esperta”, Obama fez alguns ajustes políticos cruciais. Primeiro e sobretudo,
conta com a Arábia Saudita para pagar pela guerra; e cedeu à compulsão de
acomodar a agenda política daquele país no Iraque e na Síria. Envolve deixar de
lado o Irã, embora Teerã tenha muita influência em ambos, Iraque e Síria — e,
caso seja mesmo necessário, engajar Teerã só seletivamente e sem qualquer
compromisso de concessão na questão nuclear iraniana.
Além disso, envolve ceder às já antigas
demandas dos sauditas para forçar mudança de regime na Síria e assim romper o
que veem como o “crescente xiita” que se estende do Irã, pelo Iraque e Síria,
até o Líbano. Em suma: conter a influência regional do Irã.
Saud al-Faisal - MRE da Arábia Saudita |
A Arábia Saudita muito apreciou a
substituição do ex-primeiro ministro iraquiano Nouri al-Maliki, mas suspeita
que o sucessor, Haider al-Abadi ainda é “fundamentalista [xiita] e amigo do
Irã”. A menos que recue ainda mais e esqueça a obsessão com dar poder aos
xiitas em Bagdá, Teerã encara o perigo de sofrer respingos premeditados da
guerra contra o Estado Islâmico também sobre o território iraniano, o que, como
disse comentarista inserido no alto establishment saudita, em tom bem
claro de ameaça, “é só questão de tempo”. É o mesmo que dizer que Riad busca nada
menos que uma capitulação dos iranianos.
A reação
inicial de Teerã à estratégia de Obama foi cautelosa, com o país ocupado
com várias outras questões, desde a saúde do
Supremo Líder, Ali Khamenei às conversações nucleares com as potências mundiais semana que
vem e o engajamento EUA-Irã, hoje posto em termos tão delicados. O
porta-voz do ministério de Relações Exteriores disse que
(...) a chamada “coalizão internacional” para combater o grupo ISIS/ISIL (...) vem
eivada de graves ambiguidades e há graves suspeitas sobre a determinação de
combaterem efetiva e sinceramente contra as causas-raízes do terrorismo.
No hospital, Aiatolá Khamenei recebe visita do Presidente Hassan Rouhani em 7/9/2014 |
A contradição fundamental na estratégia
de guerra de Obama é que ele não conseguiu arrancar qualquer ajuda de terceiros
que estão mais bem posicionados que os EUA “e aliados” para combater contra o ISIS/ISIL — Irã, Síria e Hezbollah. Muitos
especialistas concordam que persistem sérias dúvidas sobre a eficácia de
combater o ISIS/ISIL por ar e armando forças iraquianas e
curdas. Ora... E estrategista cerebral, como Obama é, não percebeu também o seu
ponto frágil?
Desnecessário lembrar que, em algum
momento futuro, as operações em solo tornar-se-ão inevitáveis, porque construir
as forças armadas do Iraque ainda não passou de “work in progress”. O ponto é que o cálculo de poder iraquiano
continua longe de estável. Abadi lidera um governo de “falcões”’ que são também inimigos jurados.
Isso tudo posto, Obama também está
obrigado a fazer a coisa parecer completa e totalmente uma “guerra muçulmana” –
guerra dos muçulmanos, pelos muçulmanos, para os muçulmanos – não uma Cruzada
em pleno século XXI.
Daí que o otimismo dos sauditas parece
justificado, de que os EUA possam ser convencidos a aceitar que o “Exército Sírio
Livre” seja a vanguarda das forças combatentes em solo. Mas, nesse ponto, o
cálculo-plano dos sauditas é também que, com ilimitado apoio dos EUA, o “Exército
Sírio Livre” consiga derrubar o governo sírio.
Membros do novo gabinete ministerial iraquiano formado por Haidar al-Abadi |
Em resumo, as contradições são tantas e
tão profundas que, em algum momento, talvez antes do que se suponha, a mais
alta probabilidade será que a coisa toda deixe de ser “guerra esperta”. Fato é
que na fala da 4ª-feira (10/9/2014), Obama falou em tom beligerante da
“agressão” russa na Ucrânia – referência completamente fora de contexto, o que
também mostra que a “guerra esperta” já vem carregada de rivalidades entre as
grandes potências, desde o Dia Um.
Os EUA asseguram, presunçosos, que
podem “cuidar” dessa guerra, sem mandado do Conselho de Segurança da ONU. Não
surpreendentemente, especialistas
russos preveem que a intervenção dos EUA na Síria pode até ser
apresentada como movimento esperto de geopolítica, aproveitando-se de um
momento em que Moscou está ocupada com desenvolvimentos na Ucrânia; mas é
movimento que com certeza levará a conflagração ampla em todo o Oriente Médio,
que os EUA não têm, nem terão capacidade para controlar. Difícil discordar
desse prognóstico sombrio.
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.