16/9/2014, [*] Robert Fisk, The Independent, UK,
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ver também: Entrevista do presidente Bashar Al-Assad à AFP: 26/1/2014,redecastophoto: “Na Síria não lutamos contra alguma ‘oposição’: lutamos contra terroristas”
ISIS/ISIL desfila em Mosul, Iraque |
Síria pediu que Washington engaje-se em colaboração militar e de inteligência para derrotar o inimigo de ambos, o ISIL. Também convidou congressistas e senadores dos EUA a visitarem Damasco para discutir ação conjunta contra os jihadistas que ameaçam os dois, os EUA e o regime do presidente Bashar al-Assad.
É convite que o presidente Barack Obama será obrigado a recusar – mas não sem passar por algum embaraço. Depois de decidir bombardear as forças do ISIL, autodenominadas Estado Islâmico, na Síria e no Iraque, o Sr. Obama teve de ouvir o aviso de Vladimir Putin, de que qualquer ação unilateral desse tipo na Síria seria “ato de agressão”.
Agora, o presidente dos EUA terá de explicar outra vez por que não pode cooperar, contra os inimigos “apocalípticos” dos EUA, com um regime sírio que ele também jurou derrubar – apesar de esse regime estar combatendo contra exatamente os mesmos inimigos.
A carta enviada aos Deputados da Câmara convida explicitamente os membros do Congresso e Senado dos EUA – que ano passado condenaram o governo sírio por ataques químicos nos subúrbios de Damasco – a colaborarem para “salvar vidas sírias e norte-americanas de um provável ataque de bombas terroristas” pelo ISIL, a Frente al-Nusra e outros grupos.
Míssil capurado pelo ISIS/ISIL no Iraque foi transportado para a Síria (Raqqa) |
A oferta síria, apresentada ontem em carta assinada por Mohamed Jihad al-Laham, presidente do parlamento sírio – dirigida, dentre outros, a John Boehner, presidente da Câmara de Representantes, e a Nancy Pelosi, Líder da Minoria na Câmara – diz também que a oposição síria “moderada”, que os EUA prometem ajudar e treinar, é idêntica aos grupos jihadistas que apoiam o ISIL (fórmula que os sírios preferem, das várias siglas que designam o mesmo grupo).
A oposição dita “moderada”, escreve o presidente da Câmara de Deputados sírios, “vendeu ao ISIL o inocente jornalista norte-americano que o ISIL degolou. Nada impede que esses grupos vendam armas norte-americanas ao ISIL (...) como se sabe que já fazem como prática habitual”. Armar “indivíduos islâmicos jihadistas não estatais” prossegue a carta, “é clara violação da Resolução nº. 2.170 do Conselho de Segurança da ONU (...), que ordena que qualquer cooperação para combater contra terroristas tem de ser construída entre estados membros”.
A Resolução n. 2.170, aprovada mês passado, diz que os estados membros “devem suspender o fluxo de combatentes estrangeiros, o financiamento e outros tipos de apoio a grupos extremistas islâmicos no Iraque e Síria” – identificados no documento da ONU como oISIL e a Frente al-Nusra ligada à al-Qaeda – e “impedir que milicianos viajem de seus países natais para unir-se àqueles grupos”.
Blindado capturado pelo ISIS/ISIL no Iraque desfila em Raqqa, Síria |
A Síria, claro, insiste que não há qualquer oposição “moderada” hoje no país, declaração que leva a marca da verdade; e que todos os opositores do governo do presidente Assad sempre foram, desde o início, jihadistas sunitas de orientação wahhabista. A carta do Sr. Laham – que não poderia ter sido enviada sem aprovação do governo – acusa a Arábia Saudita, que financia os inimigos do presidente Assad, de manter escolas que “ensinam a ideologia do ódio,takfiri [quando um muçulmano acusa outro muçulmano de apostasia] e a jihad como deveres religiosos”.
Re-enfatizando as próprias críticas contra o regime saudita, a carta dos sírios diz que todos os “terroristas” são produto “dessa ideologia salafista, wahhabista e jihadista – do 11/9 às bombas de Boston e à degola de dois jornalistas norte-americanos, degola que é prática governamental legal comum na Arábia Saudita”. Obama não deve constituir qualquer coalizão ao arrepio da Resolução nº. 2.170 da ONU, “especialmente com estados que com os quais há conflito de interesse, devido à ideologia que praticam”.
A carta pode ter sido influenciada por Khaled Mahjoub, cidadão norte-americano e empresário sírio que também é amigo pessoal e confidente do presidente Bashar al-Assad, e repete observação frequentemente citada do Sr. Mahjoub, de que só a reeducação de famílias e comunidades “terroristas” mediante o “sufismo do amor” pode reabilitar seres humanos habituados ao uso da violência. O sufismo, com sua poesia mística e o desejo de encontrar o amor divino, é visto por muitos sírios como perfeito antídoto para o “jihadismo”; missionários sufistas disseminam o Islã pela África e Ásia Central e também pela Índia. A seguir o discurso de Obama (em inglês):
“Venha conversar cá na minha teia”, disse a aranha à mosca. Porque verdade é que a teia do governo sírio já se comprovou muitíssimo mais forte do que EUA e Europa supuseram – e a mosca-em-chefe já exibiu todas as características de fraqueza, medo e indecisão, como a aranha síria sabe muito bem ver. Há apenas pouco mais de um ano, os EUA tinham planos para esmagar o governo sírio com bombas e mísseis. Agora, só falam de esmagar o ISIL com bombas e mísseis. A Síria, com certeza, exigirá bom preço por qualquer ajuda de que Washington careça.
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[*] Robert Fisk é filho de um ex-soldado britânico da Primeira Guerra Mundial. Estudou jornalismo na Inglaterra e Irlanda. Trabalhou como correspondente internacional na Irlanda - cobrindo os acontecimentos no Ulster - e Portugal. Em 1976, foi convidado por seu editor no The Times onde trabalhou até 1988 substituindo o correspondente do jornal no Oriente Médio. Mudou para o The Independent em 1989- após uma discussão com seus editores sobre modificações feitas em seus artigos, sem seu consentimento.
Cobriu a guerra civil do Líbano, iniciada em 1975; a invasão soviética do Afeganistão, em 1979; a guerra Irã-Iraque (1980-1988), a invasão israelense do Líbano, em 1982; a guerra civil na Argélia, as guerras dos Balcãs e a Primeira (1990-1991) e a Segunda Guerra do Golfo Pérsico, iniciada em 2003. Fisk notabiliza-se também pela cobertura ao conflito israelo-palestino. Ele é um defensor da causa palestina e do diálogo entre os países árabes, o Irã e Israel.
Considerado como um dos maiores especialistas nos conflitos do Oriente Médio, Fisk contribuiu para divulgar internacionalmente os massacres na guerra civil argelina e nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, no Líbano; os assassinatos promovidos por Saddam Hussein, as represálias israelenses durante a Intifada palestina e as atividades ilegais do governo dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque. Fisk também entrevistou Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al-Qaeda em 1993, no Sudão, em 1996 e em 1997, no Afeganistão.
Robert Fisk é o correspondente estrangeiro mais premiado do planeta. Recebeu o Prêmio Correspondente Internacional Britânico do Ano sete vezes (as últimas em 1995 e 1996). Também ganhou o Prêmio Imprensa da Anistia Internacional no Reino Unido em 1998 e 2000.
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