25/12/2012, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Amr Moussa |
Na véspera do referendo
constitucional no Egito, o ex-ministro de Relações Exteriores,
ex-secretário-geral da Liga Árabe e hoje figura de destaque na oposição no
Egito, Amr Moussa disse, desafiador, em entrevista à imprensa ocidental, que “há
uma regra, válida em todos os parlamentos e em todas as conferências da ONU,
segundo a qual questões importantes devem ser aprovadas por maioria de dois
terços (...). Todas as circunstâncias obrigam a que essa Constituição [do Egito]
tenha de ser aprovada por maioria de dois terços”. [1]
Segundo
relatos iniciais, a nova Constituição do Egito foi, sim, aprovada por dois
terços dos votantes. Não há dúvidas de que é vitória política importante para o
presidente Mohamed Mursi e a Fraternidade Muçulmana.
Ainda
que se assuma que a desunião e a fragilidade organizacional da oposição
trabalharam a favor da Fraternidade Muçulmana, esses fatores, só eles, não
explicam o resultado do referendo. A Fraternidade e seus aliados salafistas
trabalharam muito para fazer campanha eleitoral efetiva e conseguir que a nova
Constituição nascesse com o apoio democrático de forte maioria.
Mohamed Mursi |
Mesmo
assim, a oposição recusa-se a aceitar o veredito das urnas. E a imprensa-empresa
ocidental trabalha desabridamente para que haja mais agitação no Egito. Todos os
tipos de forças ocultas parecem conjuradas e em ação no Egito.
Vários
grupos de oposição são patrocinados das coxias, pelos monarcas sauditas do Golfo
Pérsico e pela Jordânia, que nutrem profundo ressentimento contra a
Fraternidade, que veem como se encarnasse a oposição internacional,
revolucionária e islamista que aqueles governos enfrentam em casa.
O jornal Al-sharq Al-awsat,
dos sauditas, escreveu no domingo que a diferença entre Mursi e a oposição
egípcia é “a diferença entre os que creem na importância do Estado e de suas
instituições , e os que querem devorar o Estado e deformar o desempenho de suas
instituições e de seus conceitos básicos”. E alertava contra “o perigo do que
está acontecendo no Egito e em nossa região”. [2]
Mas
os Irmãos têm nervos de aço. Dificilmente se deixarão intimidar pelo ódio
visceral que o regime saudita e as outras monarquias do Golfo nutrem contra
eles. O trunfo dos Irmãos é que contam com o declarado apoio da vasta maioria da
nação, no Egito. O Jerusalem Post resumiu
brilhantemente:
Fraternidade Muçulmana |
Mursi continuará a solidificar seu
poder no Egito e a trabalhar pragmaticamente para ir o mais longe que conseguir,
sempre cobrindo a retaguarda, para poder retroceder, se vir ameaçado o próprio
poder (...). Se, contudo, a Fraternidade Muçulmana constatar que pode continuar
a avançar, atropelando qualquer oposição, o mais provável é que os Irmãos façam
exatamente isso. É situação que já se vê hoje, quando já sabem que contam com
vasta maioria de “sim”, no referendo constitucional que acaba de ser
votado. [3]
Falta
ainda aferir se a posição do presidente Barack Obama dos EUA quanto aos levantes
no mundo árabe trabalhou também a favor da Fraternidade Muçulmana no Egito.
Obama pulverizou a tradicional política norte-americana de ignorar completamente
o povo árabe. Em avaliação extraordinariamente lúcida e distanciada, um dos mais
importantes diplomatas iranianos e ex-vice-ministro de Relações Exteriores do
Irã, Dr. Seyyed Mohammad Sadeh Kharrazi disse
recentemente:
Sadeh Kharrazi |
Obama agiu muito sabiamente, ante os
levantes populares no mundo árabe e o Despertar Islâmico. Pela primeira vez, ao
contrário do que fazem tradicionalmente, sempre apoiando os ditadores, os EUA
puseram-se ao lado do povo árabe, não ao lado dos velhos regimes autoritários.
Foi uma das decisões estratégicas mais crucialmente importantes, que o governo
dos EUA não tenha seguido [sic] seus ex-aliados contra os massivos protestos
populares. [Obama] foi hábil: fez o que os EUA sempre fizeram e não se opôs
abertamente aos ditadores; mas manifestou alguma simpatia pelos levantes
populares no Egito, na Tunísia. Claro que fez o que fez em consideração ao
interesse dos EUA. O princípio básico da política externa norte-americana sempre
acompanha o interesse dos EUA. Fato é que Obama não se ter oposto abertamente ao
Despertar Islâmico pode, sem dúvida, ser considerado o mais importante evento de
toda a história das relações entre os EUA e o mundo islâmico.
Notas
[1] 23/12/2012, Tehran Times, em: “Egyptian constitution approved by
64% of voters"
[2] 23/12/2012, The
Globe and Mail, Patrick Martin em: “Q&A: The
division in Egypt is ‘dangerous’, former foreign minister
says”
[3] 24/12/2012, Jerusalém Post, Ariel Ben Solomon em:
“Analysis: Morsi
continues according to plan”
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Embaixador *MK
Bhadrakumar foi
diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União
Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu e Asia
Online.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirDetalhe: sim, mais de 2/3 dos “votantes” aprovou a nova Constituição egípcia.
O problema é que só participou da votação menos de 33% da população do Egito apta a votar. E isso o artigo não diz.
Menos de 33% de um povo não é maioria, muito menos de 2/3. É minoria total. Sem contar as ilegalidades praticadas pelos Irmãos durante ambas as sessões de votação.
Sim, é preciso respeitar um governo eleito democraticamente e não advogar sua deposição. Mas é preciso que esse governo se disponha a negociar com a verdadeira oposição à nova Constituição e ao processo que lhe deu origem, também manipulado pelos Irmãos.