15/8/2014, The Guardian, UK (Ashifa Kassam de Madri; Kim Willsher de Paris; Philip Oltermann de Berlin; Remi Adekoya Varsóvia,; e Libby Brooks Londres
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Os russos continuarão a comer maçãs, tomates e pêssegos, a diferença é que não comerão produto europeu. Comerão pêssegos, maçãs e tomates importados da Ásia, do Brasil, da África do Sul... Quer dizer: quando eles [os russos] reabrirem o mercado para nós, precisaremos de vários anos para reconquistar parte do mercado. É terrível!
(Luc Barbier, Federação dos Produtores Franceses de Frutas).
A cavala [orig. mackerel] sempre foi o item mais valioso dos estoques de pescado na Escócia (Foto Getty Images/iStockphoto) |
Quantidades inadministráveis de peras francesas, armazéns lotados de salsicha alemã, pimentas polonesas apodrecendo e peixe da Escócia que ninguém compra: o movimento dos russos, de pôr fim a todas as importações de alimentos que comprava de produtores europeus, como retaliação contra as sanções que a UE impôs contra a Rússia, já começa a mostrar seus efeitos em todo o continente, que já andava a passos largos rumo a mais uma recessão.
Ano passado, as exportações de produtos de fazenda, da União Europeia para a Rússia, alcançaram € 11 bilhões (£ 9 bilhões). Funcionários da UE em Bruxelas dão tratos à bola para encontrar remédios, que se espera que sejam anunciados na próxima semana, para suavizar o impacto das decisões dos russos, que podem reduzir à metade o mercado de exportação europeu.
Mas já se veem claros sinais de divisão dentro da própria UE. Nos últimos dias, ministros da Hungria, Eslováquia e Suécia já se manifestaram sobre o dano que seus países sofrerão se perseverarem nessa política de sanções contra os russos, que já começaram a morder empresas dos dois lados. O ministro húngaro, Viktor Orbán, disse que a União Europeia estava “atirando contra o próprio pé”. E quem já começa a mancar mais lastimavelmente são os agricultores, dos principais países exportadores de alimentos – Alemanha, Países Baixos, Polônia, Espanha e França.
Comércio bilateral Alemanha-Rússia em 2013 (clique na imagem para aumentar) |
Alemanha
Os alemães exportam mais comida e produtos agrícolas para a Rússia, que qualquer outro país da União Europeia – em 2013, 1,6 bilhões de euros; e já cresce a preocupação de que, com o fim das importações pela Rússia, agricultores alemães serão empurrados para uma feroz competição contra outros países europeus, por poucos mercados. O item que a Alemanha mais exporta para a Rússia é carne de porco: das 750 mil toneladas de porco, no valor de mais de 1 bilhão de euros, vendidas à Rússia ano passado, cerca de ¼ é porco alemão.
A associação alemã de criadores de porcos, ISN, calcula que uma fazenda de criação de tamanho médio pode vir a perder vendas no valor de 40 mil euros, esse ano.
Felizmente, os exportadores europeus de carne conseguiram abrir alguns outros mercados nos últimos meses, o que os salvará das perdas que terão com o embargo imposto pela Rússia. Especialmente as Filipinas, o Japão e a Coreia do Sul, que já começam a comprar mais da Europa. E a demanda pode aumentar, se os fornecedores latino-americanos passarem a direcionar sua produção para Moscou – disse a ISN.
O ministro da Agricultura alemão, Christian Schmidt, do Partido da Democracia Cristã, disse que, apesar de o embargo russo poder ter “consequências notáveis” para os agricultores alemães, seu ministério acredita que
é claro que ninguém precisa preocupar-se com turbulências de mercado.
Valor dos produtos agroalimentares proibidos de entrar na Rússia (em euros, valores de 2013) (.pdf) (clique no "link"para visualizar) |
França
Os franceses exportaram 1 bilhão de euros em produtos alimentícios para a Rússia ano passado; o embargo russo está atingindo muito duramente os 27 mil exportadores franceses de frutas e legumes: 1% de toda a produção francesa de frutas frescas e 3% dos vegetais – 50 mil toneladas/ano, no total – saem da França diretamente para a Rússia. Mais 50 mil toneladas são exportadas para a Rússia via os países Benelux e do Báltico, em comércio de 48 milhões de euros/ano. Dessas 100 mil toneladas, 54% são maçãs, 20% batatas, 8% tomates e pepinos, 6% peras e 6% couves-flor.
Xavier Beulin, presidente do principal sindicato de produtores agrícolas da França pediu uma audiência com o presidente francês, François Hollande, e disse que estava preocupado ante a possibilidade de quantidade imensa de frutas e vegetais destinados à Rússia vir a inundar o mercado interno na França, o que jogaria os preços por terra, sobretudo no caso de produtos rapidamente perecíveis. Disse ao presidente que muitos produtores já começaram a demitir.
O mercado europeu já está super arrochado em algumas áreas (...) o que implica que os preços já praticamente não cobrem os custos de produção – disse ele. – O produto que não pode mais entrar na Rússia fatalmente aparecerá por aqui, no mercado europeu, e tememos uma crise.
A federação dos produtores franceses de frutas teme que tudo isso venha a agravar o que descreve como “dumping comercial” no mercado de frutas, sobretudo de pêssegos.
O presidente dessa federação, Luc Barbier, disse que
(...) os russos continuarão a comer maçãs, tomates e pêssegos, a diferença é que não serão produto europeu. Comerão pêssegos, maçãs e tomates importados da Ásia, do Brasil, da África do Sul... Quer dizer: quando eles [os russos] reabrirem o mercado para nós, precisaremos de vários anos para reconquistar parte do mercado. É terrível.
Fazendeiros franceses desesperados com embargo russo |
Eric Guasch, que produz maçãs na região de Avignon, vende 80% das suas frutas aos russos e já dispensou os nove trabalhadores temporários que contratara.
Ainda estamos em estado de choque por causa do embargo russo. Não só por todos os pedidos cancelados, mas também por causa dos nossos caminhões que estavam na estrada e foram parados na fronteira russa e mandados retornar.
Temos problemas hoje não só com o estoque não vendido mas, também com o produto em trânsito.
Espanha
A Espanha está contando as feridas: frutas, carne e verduras foram incluídas nas sanções da Rússia contra a Europa, mas vinho e azeite de oliva não estão na lista.
Mesmo assim alguns produtores espanhóis estão sentindo a mordida, sobretudo porque as 30 mil toneladas de tomates, pêssegos e laranjas mandarin exportadas anualmente para a Rússia não encontrarão mercado num continente já afogado em excesso de produtos não comercializados.
Isabel Garcia Tejerina - Ministra da Agricultura da Espanha
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“Ontem e hoje pela manhã já tivemos vários pedidos cancelados” – disse a COAG, associação que representa agricultores espanhóis. Teme-se que os produtores das regiões de Murcia, Valência e Andaluzia sejam os mais duramente atingidos pelas sanções russas.
A sanções de retaliação da Rússia, resposta às sanções que os EUA aplicaram contra o país e forçaram a União Europeia a também aplicar, aconteceram num momento em que o setor exportador de alimentos já lutava contra dificuldades. A temperatura excepcionalmente elevada para a primavera fez pêssegos e nectarinas amadurecerem muito antes do previsto em toda a zona do euro, o que prolongou a temporada. Com oferta crescente, os preços já estavam em queda mesmo antes de o embargo russo entrar em vigência – disse a COAG.
O setor já está sofrendo crise profunda em relação aos preços, e a crise só se agravou ainda mais com o fechamento do importante mercado russo.
Agora, os produtores correm para tentar encontrar vias para escoar o excesso de produção, antes que o preço de seus produtos evaporem no mercado europeu.
Polônia
A mais surpreendente resposta às sanções russas foi campanha de publicidade & marketingdistribuída pelas redes sociais, conclamando os poloneses a “comer mais maçãs, para derrotar Putin”. Mas o principal problema não são as maçãs, mas legumes mais perecíveis que estão sendo colhidos agora, como pimentões e repolho.
As maçãs podem ser armazenadas por até nove meses, mas vegetais como a páprica têm de ser comercializados imediatamente depois de colhidos; e 40% do que produzimos sempre foi destinado ao mercado russo – queixou-se Roman Sobczak, presidente do grupo produtor Polish Paprika.
Polônia - campanha "comer maçãs para derrotar Putin" |
O preço de vários vegetais já caiu a menos da metade.
O ministro da Agricultura da Polônia, Marek Sawicki, manifestou seu “desapontamento” essa semana, depois de conversações com a União Europeia sobre o assunto. Sawicki foi a Bruxelas para exigir imediata compensação para os agricultores poloneses; ouviu, de resposta, que a União Europeia tem de esperar até que haja mais dados analisados, para determinar as perdas causadas ou potenciais, do embargo russo contra a União Europeia. Mas Sawicki garantiu que o comissário da Agricultura da UE Dacian Ciolos prometeu acelerar os procedimentos compensatórios com vistas aos produtores poloneses de itens agrícolas mais sensíveis, que não podem ser armazenados por longos períodos de tempo.
Reino Unido
A cavala [orig. mackerel] sempre foi o item mais valioso dos estoques de pescado na Escócia, e 20% – equivalente a 16 milhões de libras – desse estoque é anualmente exportado para a Rússia.
Para Bertie Armstrong, chefe-executivo da Federação Escocesa de Pescadores,
(...) a Rússia é mercado importante para exportação da cavala escocesa, e impedir essa via de comercialização terá consequências muito graves para os pescadores e para todo o setor de processamento do pescado em terra. Entendemos que se trate de grave questão geopolítica, mas o impacto abaixo, até o fim da cadeia, atingirá muitos setores de negócios, inclusive a indústria pesqueira escocesa.
Richard Lochhead, secretário do governo escocês para questões rurais, alimento e meio ambiente, reuniu-se com sua contraparte no governo do Reino Unido, Elizabeth Truss, na 6ª-feira, para discutir o impacto das sanções comerciais russas sobre as frotas de pesqueiros escoceses de cavala e as empresas processadoras.
Lochhead destacou a necessidade de o Reino Unido buscar algum tipo de seguro-exportação, para ajudar a indústria a exportar para a Ucrânia [sic] e explorar com a União Europeia a possibilidade de “bancar a quota” – o que significa ser pago para deixar o peixe no mar.
Pescadores do Reino Unido sob intensa pressão face embargo russo |
Alex Wiseman, pescador de cavala e presidente da Associação Escocesa de Pesqueiros de Alto Mar, antevê dificuldades econômicas extremas, como resultado das sanções russas.
Tentar encontrar mercados que preencham o vazio deixado pela Rússia é impossível no curto prazo – disse ele.
Os amplamente divulgados benefícios que haveria para a saúde humana pela ingestão de peixes de carne oleosa fizeram aumentar muito a demanda no Reino Unido e na Europa continental em anos recentes; e, para Wiseman, serão necessários vários anos para recuperar a demanda, depois de perdida.
Pode até acontecer, mas demorará dez anos – disse ele; explicou que países com mercados emergentes para a cavala terão de investir muito em infraestrutura para armazenamento em baixas temperaturas, para conseguir administrar os grandes estoques.
Disse também que as sanções russas não poderiam ter chegado em pior hora para os pescadores:
Nossas quotas foram aumentadas em 80% esse ano, porque a demanda estava forte.
Agora, estamos pedindo que o governo do Reino Unido nos permita deixar o peixe nadando no mar, para que possamos pescá-lo e distribuí-lo adequadamente no mercado no próximo ano, quando as coisas tiverem melhorado. Pelo menos, não haverá os custos de armazenamento nem será preciso mexer na quota. Mas ainda temos de atravessar espessas camadas de burocracia da União Europeia, para chegar lá.
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